Hoje, a colorida massa carnavalesca, coberta de purpurinas, confetes e fantasias, vai ser a minoria dos foliões no Setor de Oficinas Sul. O tom dominante será o preto dos coturnos e das jaquetas de couro, tradicionalmente customizadas com patches de punk e metal. Os fanáticos por música extrema, termo que abarca os estilos musicais mais pesados do mundo, se reúnem neste sábado para prestigiar as apresentações das quatro bandas que dividem os holofotes do Brutal Carnival Fest, no Toinha Brasil Show, a partir das 18h.
Fleshpyre, DFC, Vazio e Krisiun são os nomes que compõem a line-up. O objetivo da casa de shows é oferecer uma programação que atenda os principais nichos do extremo no Brasil: death metal, thrash metal, hardcore punk e black metal. A princípio surgidos no exterior, os subgêneros têm fortes raízes no país, a partir da ascensão de grupos lendários nos anos 80, como Sepultura, Sarcófago, Overdose e Ratos de Porão.
A primeira banda é relativamente jovem, parte de uma leva mais recente do cenário candango. Fleshpyre traz um repertório de death metal extremamente sofisticado, com linhas de guitarra e baixo em perfeita sincronia com as viradas sincopadas de bateria, inconfundivelmente tocada por Daniel Moscardini. “A gente gosta muito de metal técnico, tipo das bandas Death, Slayer, Behemoth e até Dream Theater, por incrível que pareça”, destaca Daniel. O vocalista Yuri Sabaoth é outro ponto alto do quarteto, com um alcance extraordinário de vocalizações guturais.
Os lendários veteranos do DFC, que completam 30 anos de carreira em 2023, se consagram logo em seguida com músicas incisivas de protesto, como parte do famigerado estilo crossover. O nome do subgênero faz referência ao cruzamento entre o hardcore punk, de bandas como Dead Kennedys, com o thrash metal, de Slayer e Megadeth. “A gente sempre foi muito fã de metal, apesar de não tocar. A gente tá acostumado a dividir palco com essa galera, em vários festivais acontece essa mistura”, conta o vocalista Túlio. “O público pode não ser o mesmo, mas é compartilhado”, observa.
A terceira apresentação é da Vazio, uma proeminente banda de black metal de São Paulo cujo primeiro álbum full lenght, Eterno Aeon Obscuro, de 2020, foi muito bem recebido pelo crítica e rendeu participações nos principais festivais de metal do Brasil. Apesar da banda ser recente, os músicos são veteranos do underground, ex-membros de outros projetos consolidados, como Social Chaos e Nuclëar Fröst. “O Vazio é uma banda que foi criada para ser uma ferramenta artística e espiritual”, explica o vocalista Renato Gimenez. “A banda tem em sua temática a devoção aos poderosos mortos e todo o universo que abrange o caminho obscuro, em um contexto de arte e música extrema.”
Os headliners e grandes estrelas da noite são os gaúchos do Krisiun, pioneiros mundiais no estilo brutal death metal. A banda, formada por três irmãos, está em turnê nacional para divulgar o último disco, Mortem Solis, lançado em julho do ano passado e disponível em todas as plataformas digitais. Max Kolesne, baterista do Krisiun, contou ao Correio os bastidores da turnê e do recente álbum, além de reflexões acerca das mais de três décadas de estrada.
Entrevista com Max Kolesne, baterista do Krisiun
Qual é o segredo para durar mais de 30 anos no metal extremo?
É uma pergunta difícil de responder. Eu acho que, no nosso caso, a gente está sempre lutando pelo mesmo mesmo objetivo, com as mesmas ideias, buscando trabalhar tudo que é relacionado a banda da melhor forma possível. Quando escuto os meus irmãos tocar, quando o Moyses vem me mostrar os riffs de guitarra, quando Alex vem mostrar as linhas de baixo e de vocal, eu me inspiro muito e me conecto muito no lance da nossa música e do nosso estilo e daí só vai fluindo. Mas lógico que requer um trabalho duro. Tem que se manter em forma pra tocar esse estilo de música. Não é uma coisa fácil tocar death metal extremo por tantos anos e manter uma qualidade, seja ao vivo, seja nos discos. Isso requer uma certa disciplina de ensaios, de treinos e de estudos.
Muitas bandas familiares não conseguem encontrar o equilíbrio entre os parentes e a profissão. Como foi esse processo para o Krisiun? Ainda acontece algum atrito profissional entre vocês?
A gente é irmão né, cara? Irmão fala a verdade na cara um do outro, reclama… Essas tretas já aconteceram bastante, mas acontecem bem menos hoje em dia. A gente já está bem mais maduro, bem mais velho, então não esquenta muito a cabeça como esquentava antigamente. Mas elas ainda acontecem, é normal. Eu acho que tudo que requer um trabalho duro assim sempre vai culminar em algum atrito. O importante é a gente sempre conseguir resolver isso e nunca colocar tudo a perder. Às vezes, por uma briga besta ou uma questão de orgulho tem gente que já quer terminar a banda. Isso não acontece, a gente é família, nós sempre apoiamos um ao outro.
Quais foram outros obstáculos que vocês encontraram ao longo da carreira?
Acho que ser uma banda do Brasil, fazendo o som que a gente faz, sempre foi um obstáculo por si só. Se a gente for analisar a cena, é só reparar na quantidade de bandas americanas, elas são parte de uma cena muito estabelecida no circuito mundial, são inabaláveis. No Brasil sempre foi muito mais difícil, porque a gente é bem carente de bandas que estão dentro desse circuito de turnês internacionais e que tenham todo esse suporte para se manter.
Como o Krisiun superou isso?
De certa forma, o Krisiun teve sorte, porque, já no primeiro disco, o Black Force Domain, a gente já conseguiu um contrato com uma gravadora gringa. Isso porque a gente lançou um trabalho que chamou muita atenção na época, um disco que veio com aquela proposta mais brutal, mais agressiva, old school e isso deu uma mexida no underground. Tanto é que muitas bandas renomadas como Morbid Angel e Cannibal Corpse reconheceram o Krisiun e até se influenciaram pelo nosso som.
E como foi para se manter nesse estágio de reconhecimento mundial?
Acho que mais difícil que chegar nesse estágio, é se manter aqui. É uma coisa muito complicada permanecer fiel ao seu estilo. Por mais que a gente tenha passado por fases em que o death metal estava em baixa e as pessoas estavam escutando outras tendências, mais comerciais, a gente nunca mudou. Inclusive, talvez o Krisiun seja uma das únicas bandas da história do metal que nunca parou. A gente sempre lançou disco e sempre fez turnê, sempre fiel ao estilo da gente de ser. Só pausamos na pandemia, mas foi horrível. Em vez de relaxar, todo mundo ficou ainda mais estressado e ansioso.
O que guiou o processo criativo de Mortem Solis?
A gente meio que teve a mesma ideia do que seria o próximo disco: bem direto, sem frescura, dinâmico e com aquela brutalidade insana que é o Krisiun. A gente se influenciou muito pelo que a gente tava vivendo, muita raiva e muito ódio quanto a esse momento que o Brasil passou. Era um monte de coisa bizarra, um monte de palhaço falando coisas absurdas e o grande palhaço, vestido de rei, cagando pela boca o tempo todo. Isso aí foi um combustível de ódio para fazer um disco brutal e cheio de raiva. Lógico que a gente sempre vai achar coisas pra se pensar além, mas a realidade tá aí pra gente sentar a mão e fazer um disco brutal.
Nesse sentido, quais são as expectativas para tocar em Brasília depois de tudo que aconteceu aqui nas últimas semanas?
A expectativa está lá em cima! Eu acho que a galera pensa igual a gente, na grande maioria, então acho que, de certa forma, a gente vai estar celebrando. Tá todo mundo com raiva, todo mundo querendo botar pra fora essas coisas que estavam na garganta nos últimos anos e agora a casa desses idiotas tá caindo. Então acho que a galera vai estar com muita energia, gritando e dando o sangue no show. Eu acredito que estamos longe de melhorias significativas, mas já é um motivo para comemorar o fato de a gente ter conseguido derrubar um bando de fascistas. Nós vencemos e agora é hora dessa escória voltar pro esgoto e ficar lá.
Serviço
Brutal Carnival Fest
Toinha Brasil Show (SOF Sul Quadra 9). Entrada: a partir de R$ 80 pelo https://www.clubedoingresso.com/evento/brutalcarnivalfest. Não recomendado para menores de 18 anos.
*Estagiário sob supervisão de Pedro Ibarra