Ao seguir a ideia de que "navegar é preciso", Naieme se jogou em águas profundas. Com o single Yagô, a cantora paraense assume seu nome de batismo e deixa o codinome Nanna Reis, simbolizando o divisor de águas que é esse lançamento.
"Nanna é meu apelido de infância, então em algum momento eu sabia que ia ter o momento da Naieme chegar. Tem a ver com uma mudança interna, principalmente, acho, que de maturidade, de separar a menina da mulher, eu acho que todo toda mulher passa por isso em algum momento. A Nanna Reis me ajudava a ter uma persona ter uma questão da ludicidade, de experimentar várias coisas porque eu trabalhei com música, com cinema, com teatro, fiz várias formações dentro das linguagens artísticas e chegou um momento em que eu vi que já estava na hora. Em 2019, também eu tive a oportunidade de viajar pra outros países e comecei a entender que o meu nome me fazia ter essa representatividade amazônica antes de eu abrir a boca pra falar. E aí as pessoas me perguntavam o significado do meu nome", conta Naieme para o Correio.
Ao firmar a reconexão com sua ancestralidade indígena marajoara, a artista segue carregando suas raízes além do nome, mas também com um quê espiritual. "Esse processo da gente se conectar com a nossa ancestralidade e honrar quem veio antes é dizer que, se eu sonho, se eu realizo, se eu estou aqui, é porque a galera que veio antes preparou esse terreno. Então que bom que eu posso agradecer fazendo arte, fazendo música e trazendo essa mensagem né? Pra quem se conectar com os nomes, com a nossa força interior principalmente. E foi um processo de autoconhecimento primeiramente que se refletiu no externo. Então estou bem feliz nesse momento. É o renascimento", reitera, ao ter um olhar mais dedicado sobre a sua carreia musical.
Com produção de Paulo Dáfilin, conhecido por comandar as produções de Maria Bethânia, Jair Rodrigues e Zeca Pagodinho, a artista mostra como a sua transformação reflete na nova faixa. Com elementos de percussão e sonoridades tradicionalmente voltadas para a região Norte, Naieme também abraça outros gêneros graças à formação musical acadêmica, o que proporciona um encontro artístico que valoriza a cultura da ascendência afro-indígena amazônica. Com isso, a cantora paraense agarra o desafio de que sua cultura e história cruzem as barreiras regionais, e alcancem, assim, novas regiões do Brasil.
“A cultura da periferia faz parte da minha vivência, mas antes tinha muito uma linguagem de experimentação: 'vou fazer isso daqui porque é a forma que a minha alma se expressa' Mas eu não me via como um negócio, como profissional de fato. Então tem um caminho de conservatório, de música, de escola de teatro, do acadêmico na música, e trabalhava tanto cantando no palco como na sala de aula", conta Naieme. A partir dessa mudança, ela fez toda uma readequação para realmente trabalhar mais com a questão da música em si e para poder fomentar isso de forma mais firme, pensar nisso como um trabalho, já que a carreira era vista como um segundo plano. "Mas agora veio toda uma reestruturação da minha vida pessoal, com uma questão de estudo. Eu amo estar em sala de aula, mas hoje eu já posso falar sobre como gerenciar uma carreira ”, explica Naieme que, durante sete anos, foi solista da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz e professora de música.
Ainda de acordo com a artista, Yagô é sobre alegria e liberdade, é onde Naieme retrata a própria percepção da espiritualidade nortista, seja no segmento da umbanda, na encantaria dos rios, das florestas, com as lendas folclóricas e suas raízes indígenas e quilombolas. "Eu acredito que o meu berço musical, o meu ouvido, ele foi muito construído em casa com meu pai, que é um grande mestre de cultura popular, Alfredo Reis, com os meus avós e com a minha família que que é do boi bumbá e da escola de samba. Tudo isso faz parte do meu universo de contexto lúdico e artístico, mas sobretudo essa união da espiritualidade como lugar de conexão. E a música fala muito desse sincretismo, e vem trazer nesse olhar adoçante".
Outra característica da canção é a maneira como a linguagem atravessa a mescla entre as religiões cristã e de matriz africana. Com muito festejo, com tambores e arranjos que abraçam as diversas culturas do país, Yagô teve seu lançamento marcado para dia 2 de fevereiro, celebração do dia de Iemanjá. "Esse aspecto dos orixás, a cosmonomia Iorubá, todas essas mitologias fazem sentido porque ela é a mãe. Então, em todas as estruturas do mundo, há essa representação da mulher, né? Eu acho lindo porque traz o significado das águas com as nossas emoções e que é onde nasce a vida", diz conclui Naieme, ao afirmar que o desaguar da sua música encontra todos os caminhos.
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*Estagiária sob supervisão de Nahima Maciel