O mundo da animação criado pelo músico Damon Albarn virou realidade há anos. Porém, cada vez mais, Gorillaz se consolida como uma das maiores bandas da própria geração. O grupo lançou o oitavo álbum, Cracker island, na última sexta-feira, e mostrou que o fruto de uma boa ideia, ousadia e uma união de grandes mentes pode ultrapassar a barreira do "diferentão" e realmente transformar a música. A versão deluxe do disco chegou aos serviços de streaming musical ontem e mostrou que a banda, além de grande, tem uma extensão única entre gêneros musicais, estilos e países.
Em 1998, um grupo formado por 2-D, Murdoc, Noodle e Russel movimentou o mundo da música. Eles faziam algo jamais visto, mas não musicalmente. Os quatro integrantes da banda Gorillaz eram personagens de animação, assinavam as canções do grupo e apareciam nos videoclipes, numa época em que a MTV ainda era muito potente e as pessoas realmente assistiam a clipes de música na televisão, antes da explosão de popularidade de espaços virtuais como o YouTube.
Pouco tempo depois do início da banda, Damon Albarn, até então conhecido como o vocalista e líder do grupo do movimento brit pop blur, assumiu que Gorillaz era um projeto próprio ao lado do quadrinista Jamie Hewlett, conhecido previamente por uma série de historietas chamada Tank girl.
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MC Bin Laden e Brasil
Mesmo com todos sabendo quem estava por trás do projeto, eles faziam questão de dar foco aos personagens, que tinham uma história, brigavam entre si, eram presos. Uma banda de verdade, com a própria história narrada por dois artistas completamente fora da caixa. Os shows sempre tiveram o foco nos telões. No início, a própria banda ficava atrás das projeções, mas até hoje o telão é protagonista, mesmo com Damon à frente interagindo com o público e trazendo convidados como os rappers De La Soul, Little Simz e 6lack, ou até figurões da música como Elton John e Peter Hook, ex-baixista do Joy Division e New Order.
O primeiro disco da banda foi lançado em 2001. Nesses mais de 20 anos do início do processo, Gorillaz passou de um projeto paralelo de Albarn para um grupo que encabeça os principais festivais do mundo. Com obras aclamadas pela crítica e populares entre os fãs, canções que já têm mais de 15 anos e continuam sendo gritadas em shows e uma estética que até hoje não conseguiu ser mimetizada por ninguém antes na música, o grupo apresenta um novo disco que é mais uma consumação de que, independentemente dos personagens reais ou de animação, a banda é um dos grandes nomes da música atual e da geração do final dos anos 1990.
Gorillaz perdurou e trouxe consigo outros artistas, é referência para músicos mais jovens. Damon conseguiu juntar artistas de todos os gêneros e fazer da banda fictícia, mas real, um espaço de criação livre com lugar para todo tipo de ritmo, para artistas renomados, como Stevie Nicks e Beck; músicos novos e fora do eixo, como Adeleye Omotayo e MC Bin Laden; ou até para os badalados Tame Impala e Bad Bunny. O grupo de um homem só, mas que cabe a todos, mudou a trajetória da música recente e escreve mais um capítulo. Damon Albarn hoje não é mais o cantor do Blur em um projeto chamado Gorillaz, é o criador do Gorillaz que calha de ser o vocalista do Blur.
Uma participação que mais chama atenção na edição deluxe do disco vem diretamente do Brasil. MC Bin Laden é a voz da música Controllah. Um funk, com traços de rap e apenas o refrão cantado por Damon Albarn, a faixa é uma das mais interessantes do disco e deveria ter tido espaço no primeiro lançamento, não precisando ser um conteúdo extra.
A música foi gravada no Brasil em 2022, quando Gorillaz veio como principal atração da primeira edição brasileira do Festival MITA. A música sacramenta uma relação curta, mas intensa ntre a banda e o Brasil. Eles demoraram para tocar no país, vieram pela primeira vez para um show único em São Paulo, em 2018, e depois só voltaram em 2022 para três shows, sendo dois pelo Festival MITA.
Essa participação também atesta o tamanho de Bin Laden fora do Brasil. MC que estourou graças ao YouTube, ele acabou não conquistando o espaço que parecia que conseguiria quando teve uma ascensão meteórica no início da carreira. Contudo, em terras internacionais, o artista é cultuado, tem a música tocada em baladas e chegou a fazer participações em canções de músicos como C Tangana. A relação dos estrangeiros com MC Bin Laden é tão interessante que o artista lançou o EP É grau em vinil, apenas na Europa, Japão e Estados Unidos.
Crítica // Cracker island
Atirar para todos os lados gera resultados, mas nem sempre é o esperado. Cracker island, o novo álbum do Gorillaz, é uma prova disso. O disco — que parece um filho entre as referências que fizeram de Damon Albarn um músico e a vontade dele de explorar as mais diversas formas de fazer música — entretém sem necessariamente ser um clássico instantâneo.
O álbum acerta em trazer nomes como Stevie Nicks, Tame Impala, De La Soul, Mc Bin Laden, Beck e Bad Bunny. Porém, diferentemente do anterior, Song machine season one: strange timez, não são todas as músicas que exploram o potencial imenso que os convidados trazem. Salvos Stevie Nicks, Bin Laden e Tame Impala, os outros prometiam muito mais do que entregaram.
A banda chega ao oitavo álbum e já não é mais um projeto, está no panteão dos chamados headliners, atrações principais dos maiores festivais do mundo, e por isso precisa se aproximar do público. O estilo que conquistou o planeta lá em 2001 está presente e uma música como Skinny ape lembram por que Gorillaz é "isso tudo". Contudo, essa responsabilidade traz uma expectativa alta. Eles não ficaram abaixo dela, mas esse foi um desses raros casos em que eles não excederam o que o público esperava, que já era muito.
Cracker island é um excelente álbum, com músicas que serão muito tocadas durante o ano. O disco com certeza seguraria uma nova turnê do Gorillaz, que já tem show marcado para abril no Coachella nos Estados Unidos. A única coisa que faz o álbum não estar entre os maiores do ano é o fato de que Gorillaz sempre surpreende e cria algo único. Dessa vez, a banda fez algo bom, só não encheu os olhos.
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Integrantes falam sobre o disco
Em comunicado à imprensa, os quatro personagens falaram sobre o novo disco
Russel Hobbs — baterista: "Cracker island é uma carta de amor dos anos 70 para Los Angeles. Veludo cotelê, cabelo comprido, festas na piscina, uma época diferente quando hoje ainda faltavam mil amanhãs. Sente-se e festeje como se fosse 1979".
Murdoc — baixista e fundador: "Cada álbum do Gorillaz é seu próprio universo, eis nossa última criação! Eu sou o ser
todo-poderoso no centro desse universo? Ouça e decida por si mesmo!"
Noodle — guitarrista: "Uma viagem por muitos mundos. Quando olho para trás, já parece um sonho estranho de outro lugar e tempo".
2-D — vocal, teclado, escaleta, guitarra rítmica, violão e piano: "Além de quase ser sacrificado em uma cerimônia de culto, eu realmente gostei de fazer este álbum".
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