Uma imensa e surpreendente extravagância em cinema, ao custo de US$ 110 milhões, com esperada rentabilidade na edição do Oscar 2023, resultou no longa-metragem Babilônia que, por mais de três horas, celebra e ironiza as transformações da indústria da sétima arte no século 20. "Depois de toda a quietude vista no meu filme anterior (O primeiro homem), queria fazer um longa turbulento e em alto tom. Pretendemos acabar com preconceitos em cima de uma era do cinema", comentou o diretor de Babilônia, Damien Chazelle, em recente evento associado ao Festival Internacional de Toronto. Curiosamente, o filme estreia no Brasil, em 19 de janeiro, no dia do 38º aniversário de Chazelle.
"Em Babilônia, tive permissão para fazer absolutamente tudo, num cenário libertador. Era uma loucura todos os dias no set", comentou a razão de ser do filme: a atriz Margot Robbie, sempre lembrada como a Arlequina do cinema. Margot, no filme, dá vida à vibrante Nellie LaRoy, estrela da sétima arte que reverbera mistos da trajetória real de Alma Rubens, atriz que foi dependente química, e da explosiva Joan Crawford, entre outras. De olho no sucesso, Nellie é capaz de tudo — derrama, com técnica, apenas uma lágrima numa tomada de cinema mudo; vomita entre grã-finos e se abastece com todo o tipo de droga possível.
"Ao inferno com reputações" é o bordão interno da leva de artistas que ergueram Hollywood e estão retratados em Babilônia. Sai de cena a sofisticação das montagens teatrais da Broadway, apresenta-se um crescimento na demanda por artistas negros e irrompe, na tela, o nascimento do futuro bairro nobre e opulento de Bel Air, ainda feito apenas de barro californiano, em 1926.
Numa aliança imediata com Nellie LaRoy, o mexicano Manuel Torres, ao acaso se infiltra na meca do cinema. O papel rendeu uma chance a Diego Calva que, aos 30 anos, alcançou a primeira indicação ao Globo de Ouro de melhor ator em comédia. "O filme me desafiou a um nível totalmente novo (de interpretação), como num videogame", contou o novo astro ao The Guardian. Fora das telas, a admiração pela colega de cena Margot Robbie foi explícita. "Ela certamente estará nos livros da história do cinema", arriscou, em meio a rasgados elogios.
Assumidamente depressivo, em alguns momentos da vida real, Diego Calva teve tudo para se entusiasmar, se levado em conta o astral do colega de cena, Brad Pitt, igualmente indicado ao Globo de Ouro, pela interpretação no filme. "Há sempre um tipo de movimentação nos filmes de Damien Chazelle, e que vêm dos primórdios, quando ele era um baterista de jazz. Acho que isso dialoga muito comigo. Me alinho à ideia: todos deveríamos buscar, no cotidiano, a música do dia vivido", comentou Pitt, em entrevista à revista internacional W.
Inserido no que acredita ser "mais importante do que a vida" — a lida no cinema — Manuel (Diego Calva) esbarra com o astro Jack Conrad (Pitt), ainda no auge, antes da derrocada, concomitante ao desajuste de Nellie, prejudicada pela era do cinema falado, em que tem a voz tachada de "esganiçada" e se entrega à jogatina desenfreada, depois de ser tida como um "animal degenerado", entre meio mundo de gente da alta-sociedade. Entre testes com figurões, a fim de reformular a carreira, com o advento do som (em cinema), Conrad ostenta um currículo de bebedeiras, mas, na mesma medida, de certa coerência. Numa das melhores cenas, ele defende a "não obstrução ao progresso" e culpa dinossauros que "impedem" a renovação de meios de expressão como o cinema.
Celebração de mestres
Com uma estrutura à la Nashville (filme de Robert Altman que condensou o universo da música country, em 1975), o diretor Damien Chazelle pende ainda para um painel monumental e estridente, avizinhado às marcas do colega Baz Luhrmann (de Moulin Rouge e O grande Gatsby). Bastante ambicioso, o diretor ainda incorpora tiques do cinema minimalista de Alejando G. Iñárritu, que virou pelo avesso a vida de um decadente ator de teatro, no premiado longa-metragem Birdman (2014).
Na ilusão de reaver o sucesso, o personagem de Brad Pitt é dos mais abatidos, no prenúncio de seu fim — e ele chega a ouvir um sonoro "o seu tempo acabou", dito por aquela que ele vê como "reles barata": a alcoviteira da mídia Elinor (Jean Smart, em participação espetacular).
Empilhando até mortes de personagens, em defesa de esforços pela sétima arte, no filme que presta homenagem ao clássico Cantando na chuva (1952), o diretor Damien Chazelle apela para referências de Quentin Tarantino. Personagens desbocados, orgias indescritíveis entre uma galeria de tipos "desclassificados" e uma sensualidade desmedida atravessam a tela. A valorização (e os destinos) de representantes étnicos como a oriental cantora Fay Zhu (Li Jun Li) ou o trompetista negro Sidney Palmer (Jovan Adepo) demarcam diferenciais no enredo, que vêm embalado pela singular música do compositor Justin Hurwitz (premiado com o Globo de Ouro, e lembrado por La la land). Entre tanto alvoroço e descontrole que Babilônia registra, é impressionante ver o efeito das imagens de um set parado à espera de uma câmera se movimentar.