Tudo começou durante um fim de semana em Pirenópolis. O diretor Fernando Guimarães e os atores do Coletivo Coletivo passavam uns dias na cidade histórica goiana em uma casa na qual nunca haviam estado. À noite, um corte de luz deixou as nove pessoas desnorteadas. "A gente não conhecia a casa e não sabia onde tinha vela, lanterna… Foi uma hora e meia no escuro. E pensei: é 'uma situação ótima, ficar sem luz em um lugar que você não conhece'", conta o diretor. A situação o levou a imaginar como seria criar um espetáculo de teatro no qual todos os atores atuassem no escuro, sem noção espacial do palco e do cenário.
Assim nasceu Ora bolas! Cadê a luz?, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a partir de hoje. Inspirado em uma ideia do dramaturgo Peter Shaffer, Guimarães decidiu fazer uma peça inteira aproveitando o mote da escuridão e da cegueira. A montagem começou a tomar forma com uma série de laboratórios em que os atores fantasiavam caminhadas no escuro. A partir daí, o diretor decidiu avançar um pouco mais. Quando notou que os atores se adaptavam, passou a usar vendas. "Comecei a ensaiar assim: quando tinha luz no palco, eles ficavam no escuro, e quando eles estavam no escuro, a plateia estava no claro", conta. "Um dia falei: vamos fazer o olho vendado de verdade."
Há luz no palco pelo qual os atores circulam e a plateia tem visão clara do que se passa em cena. Apenas os atores estão de olhos vendados. "Ficou todo mundo um pouco assustado", confessa Guimarães, que queria proporcionar uma experiência diferente para atores e público. "Queria que eles vivenciassem a questão. Nunca ouvi falar de uma peça que acontece o tempo inteiro com atores vendados de verdade." O enredo faz uma brincadeira com a arte contemporânea e com a crítica. No palco, um artista plástico aguarda a esperada e temida visita de um curador de arte quando a luz é cortada.
Acompanhado da namorada e instalado em um apartamento que mal tem móveis, o artista está na expectativa dos comentários críticos do curador, mas o caos se instala. Sem luz, não se pode ver as obras e, em meio à situação de apagamento, aparece uma ex-namorada pronta para plantar pistas falsas sobre uma traição que nunca existiu. Fernando Guimarães aproveita para citar artistas que admira, como a japonesa Yayoi Kusama e o chinês Ai Wei Wei, que entram nas falas dos personagens para caracterizar ora situações cômicas, ora surreais. "Eu amo arte visual", avisa. "A peça é uma comédia de costumes com encrencas e coisas que vão acontecendo."
No escuro
Durante 1h10, o elenco de nove atores precisa se movimentar e contracenar tendo como guia outros sentidos que não sejam a visão. Audição e tato são fundamentais nessa dinâmica, que fica exposta para a plateia e gera uma tensão provocada exatamente pelo sentido suprimido aos artistas. O diretor conta que o impacto na dramaturgia ocorre mais do ponto de vista sensorial.
A atriz Vera Holtz faz uma participação em off e, do lado de fora do teatro, uma exposição de fotografias com imagens feitas por Marcos Lopes traz os registros dos ensaios e da encenação. "A gente brincou muito, na história, que parecia um sonho, como se fosse um sonho da cabeça deles. A exposição se chama A radiografia de um sonho. São fotos de cena com uma questão mais onírica. E tem aquele ditado: 'é no escuro que você conhece as pessoas'", avisa o diretor.
Serviço
Ora Bolas! Cadê a luz?
Direção: Fernando Guimarães. Hoje, às 20h, no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB — SCES, Trecho 2, Lote 22). Sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia), na blheteria do CCBB Brasília ou pelo site bb.com.br/cultura. Não recomendado para maiores de 14 anos