O aspecto da diversidade foi decisivo para Scarllet Lua procurar a Escola Carnavalesca. Capoeirista de Taguatinga, ela aprendeu a tocar timbal do zero para poder integrar a banda musical do bloco e fez parte das oficinas de música oferecidas de forma gratuita pela escola, um projeto que entrega, no carnaval deste ano, um novo bloco e uma turma de mais de 40 pessoas formadas e capacitadas para a cadeia de produção da festa do Momo. "Achei muito bacana o processo de criação do bloco, de aprender figurino, maquiagem, como fazer adereços, decoração. E procurei por essa diversidade, porque você aprende um monte de coisas, desde a criação de como é o carnaval, de como funciona o cortejo de rua, até como a gente pode montar as alegorias, a comissão, o repertório", conta Scarllet, 30 anos, que estará entre os músicos do Rataria Lunática, primeiro bloco formado pela instituição.
A Escola Carnavalesca nasceu da vontade dos criadores da plataforma Setor Carnavalesco Sul de descentralizar o carnaval brasiliense e de dar vida a um centro capaz de formar pessoas para trabalhar em todas as etapas da festa ao longo do ano inteiro. "A Escola nasceu com o intuito de criar um espaço de celebração do carnaval de Brasília a partir do acolhimento dos carnavalescos e produtores da cidade pensando na transversalidade dessa manifestação, em ofertar formação técnica e política, pensando a escola como espaço de formação", explica Rafael Reis, coordenador de diversidade da Escola e gerente de projetos do Instituto Cultural e Social No Setor.
O projeto foi realizado por meio de um termo de fomento apoiado pela Secretaria de de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec). A verba de R$ 600 mil é fruto de uma emenda parlamentar e foi investida ao longo dos últimos 12 meses para montar a estrutura de formação especialmente concebida para iniciantes no carnaval. O projeto pedagógico da escola é concebido com base em dois eixos: música e artes cênicas. Na parte de música, os alunos têm aulas de percussão e sopro e na de cênicas, há capacitação em cenografia, maquiagem e tudo que está relacionado com o carnaval. "A gente desenhou o processo formativo para começar em julho e acabar durante o carnaval. Nosso ano letivo acaba com o carnaval, com a criação de um bloco", comenta Reis.
A ideia é que, a cada turma formada, a Escola entregue para a cidade um bloco de carnaval capaz de andar com as próprias pernas. O primeiro bloco sai este ano, no Setor Carnavalesco Sul, e toda a cadeia produtiva foi criada por alunos formados na Escola. Uma das preocupações durante a seleção dos alunos foi escolher pessoas de diversas regiões administrativas. "Nossa ideia é descentralizar o carnaval porque pessoas com maior poder aquisitivo podem pagar aula. Então são pessoas que vêm do Recanto das Emas, Riacho Fundo, São Sebastião, Sobradinho, com o objetivo de democratizar o acesso ao carnaval", explica Reis.
Responsável por ministrar oficinas de dança e teatro e criador da Drag Larissa Hollywood, Gustavo Letruta lembra que o carnaval é uma das maiores manifestações ritualísticas ancestrais do universo. "Do carnaval emanam muitos processos energéticos de troca e manifestação das mitologias das nossas ancestralidades, da potência dos corpos em grupo, então pensar essa potência consciente do corpo na rua é movimentar a relação de identidade e ancestralidade", explica. Durante a oficina, ele quer despertar a consciência dos alunos para a origem da festa e para a natureza performática e subjetiva da atuação de criadores e foliões. "Construo uma pesquisa da narrativa do corpo e gosto de investigar essa lógica da performance do alter ego, das múltiplas personas que criamos ao longo da vida", explica o diretor e coreógrafo que, este ano, também cria coreografia para o Bloco do Prazer e assina a direção artística do Bloco do Amor.
A Escola Carnavalesca foi estruturada com o foco em três eixos: diversidade, sustentabilidade e economia criativa. "O principal aspecto é entender o carnaval como uma manifestação cultural viva, contínua e que necessita de capacitação e formação", avisa Reis. "Nossa ideia é pensar o carnaval durante os 12 meses do ano com gente qualificada profissionalmente para trabalhar na cadeia produtiva. Um eixo da escola é focado em capacitar artistas e outro, produtores que vão trabalhar com projetos." Como criar um bloco, captar recursos, criar equipe, prestar contas, como se organizar são temas que fazem parte da formação. "A gente atuou também nessa mobilização que ainda está acontecendo. A necessidade de ter uma escola de formação veio muito dessa construção. Organizamos o Setor Carnavalesco Sul desde 2018 e percebemos a necessidade de um espaço e de formação tanto técnica quanto política", conta Reis.
Entre as etapas mais recentes implantadas pela instituição está o equipamento itinerante destinado a realizar atividades carnavalescas fora do Plano Piloto. Esse equipamento visita diversas regiões e leva apresentações e oficinas para as cidades do DF. "Queremos criar um vínculo afetivo com o carnaval em todas as regiões, criando sensação de pertencimento", justifica Reis. Para ele, o carnaval de Brasília ainda está muito concentrado no Plano Piloto e questões estruturais da cidade, como mobilidade e acesso, impedem uma parte significativa da sociedade de ter acesso à festa.
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