Cantora brasiliense Ligiana Costa lança oratório em homenagem à Terra

O sonho de Ligiana é trazer espetáculo para a capital

Lara Perpétuo*
postado em 03/01/2023 00:01 / atualizado em 03/01/2023 06:40
 (crédito: Soraia Costa)
(crédito: Soraia Costa)

Nascida em São Paulo, Ligiana Costa é brasiliense. Ela conta que, quando nasceu, os pais estavam na capital paulista por acaso, mas a vida da cantora, desde o primeiro ano, o coração dela e, principalmente, a musicalidade pertencem à capital federal: "Foi aqui que eu estudei música, na Escola de Música de Brasília (EMB), na UnB", diz. "Minha referência estética, afetiva, integralmente da primeira fase da vida é totalmente brasiliense."

Formada em canto lírico pela Universidade de Brasília, a musicóloga fez especializações, mestrado e doutorado na Holanda, na Itália e na França, respectivamente. Toda a carreira de Ligiana gira em torno da música — da ópera barroca à filologia musical da renascença e da Idade Média.

Apesar de toda a bagagem acadêmica, a produção de canções é momento de liberdade para ela: "Eu tento fazer com que minha criação musical se dê de forma muito instintiva, e não matemática, e não formal". O flerte das composições com o erudito, portanto, é intrínseco, ocorre de forma natural: "Essas linguagens fazem parte de mim, não é uma coisa forçada na minha história, faz parte do meu dia a dia".

Fazem parte do dia a dia de Ligiana também, entre outros, atabaques do candomblé, sons da rua e do meio ambiente. Sá: um oratório para Terra, trabalho mais recente da cantora, recém-lançado, foi composto no meio da natureza, em uma montanha no estado de São Paulo: "Eu estava ali, vivendo o dia a dia dos pássaros, o dia a dia das árvores".

Como filho mais novo, é o favorito da artista, que já lançou outros três álbuns autorais. Ela o considera o trabalho mais profundo e mais íntegro que construiu até agora, justamente por refletir o encontro de todas as linguagens e todos os universos que a permeiam — não só os sonoros, mas os políticos, emocionais, afetivos, visuais… "No fundo, acho que a coisa mais importante para mim, ao compor e ao criar música, é que isso flua de forma natural e tocante para quem escuta, e não de uma forma construída."

Homenagem afetiva

Sá vem de sô, diminutivo de senhor. É a forma como a avó mineira de Ligiana a ensinou a chamar as mulheres da família: "Vem aqui, sá; quê que cê comeu, sá?". O trabalho, portanto, não deixa de ser uma homenagem à dona Lígia Rosa do Rosário, cujo nome deu origem ao nome da cantora.

, porém, não veio para exaltar questões que dizem respeito somente a Ligiana, mas a toda a humanidade. É um oratório para a Terra, afinal. A artista leu diversos livros sobre o tema e um, em específico, a marcou e deu norte a todo o projeto: Metamorfoses, do filósofo contemporâneo Emanuele Coccia. "Resumindo numa frase, num mantra: nós [todos os seres vivos do planeta] somos uma mesma e única vida", afirma. "Ele [o filósofo] passa para além do antropoceno e observa a vida como uma coisa muito mais ampla e mais profunda, tirando o ser humano desse centro que eternamente nos faz ser destruidores do planeta."

Toda a criação musical é enriquecida por criação dramatúrgica. Paralelamente à composição e à produção das oito canções e peças-corais que compõem o álbum, foi pensado projeto cênico que compreende o conjunto da obra — que inclui mais coros do que os que estão presentes no disco. O álbum, portanto, é parte do todo, mas a integridade do projeto é o espetáculo, uma vez que o oratório é um gênero dos séculos 16 e 17 que combina música e drama — parecido com a ópera e com a cantata, ele cria narrativas a partir de textos e combinação de vozes.

Musicalmente, Ligiana considera uma continuação do trabalho anterior, E.V.A. (Errante Voz Ativa), que dá foco ao primitivo da voz somado ao moderno da tecnologia e do pop. E.V.A. é trabalho inteiramente vocal, que junta a voz dela a outras quatro; Sá soma a elas mais 24 do Coral Jovem do Estado de São Paulo, além de camada eletrônica. "Sá acabou se tornando um espetáculo que é muito a minha cara, porque conversa muito com a tradição operística, com a tradição dos oratórios também, e com a tradição contemporânea, com a contemporaneidade, com a modernidade, com a tentativa de novos rituais dramatúrgico-musicais."

De acordo com a cantora, o espetáculo é quase uma revanche ao oratório tradicional, que costumava abordar temas sacros a partir de textos de escrituras. "Nenhum ser vivo merece mais um oratório neste momento do que a Terra", comenta. "A Terra merece esse ritual" — que, segundo ela, imprescinde da realização ao vivo.

Agora, portanto, depois de toda a produção e composição do trabalho que mais a orgulhou até aqui, o que resta a Ligiana é trazer, ao vivo, o resultado da paixão à cidade que ajudou a cultivá-la: "Talvez o meu objetivo maior seja trazer esse espetáculo para Brasília, ainda mais nesse contexto deste novo governo, que pensa na Terra, que está trazendo os povos originários como pauta fundamental e principal", afirma. Além dela, a atriz e dançarina que dá vida a Gaia — deusa grega que representa a Terra — na parte cênica da obra, Maura Baiocchi, é figura importante da cena cultural brasiliense. "Vai acontecer, se Gaia quiser e se tudo der certo", finaliza.

Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco

 

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