Morreu, neste sábado (17/12), aos 85 anos, a escritora Nélida Piñon. Mundialmente reconhecida pelo trabalho literário, Nélida era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e foi a primeira mulher a ser presidente da instituição, ainda em 1996.
Nélida era carioca, mas atualmente morava em Portugal. A escritora morreu em Lisboa. As causas da morte não foram divulgadas
Ruy Castro, um dos imortais da ABL, confirmou a morte de Nélida ao Jornal GNews, da GloboNews. “Viveu em função da literatura, viveu para a literatura, ela foi uma das primeiras mulheres a integrarem a academia e abriu portas para outras (mulheres)”.
“A delicadeza, a gentileza é uma marca dela e ainda transparece na obra dela”, disse Castro.
Sonhos, utopias e o último trabalho
No começo de 2021, a repórter Nahima Maciel, do Correio Braziliense, fez uma entrevista com Nélida. Na ocasião, a escritora lançava Um dia chegarei a Sagres (após ficar 14 anos sem lançar um romance). O livro foi o último romance da escritora.
Na saga narrada por Nélida, Mateus é um homem pobre, filho bastardo criado pelo avô que vai em busca das origens do infante dom Henrique e se revela um apaixonado pelas figuras épicas de Portugal no século 15. Um dia chegarei a Sagres se passa no século 19 e, para encontrar a história e mergulhar na narrativa, a autora foi morar em Portugal durante um ano. “Eu tenho uma sensibilidade muito apurada, entendo a analogia das coisas, a analogia enriquece a criação literária. Fui em busca das paisagens, dos resíduos de uma língua que eu precisava ouvir, que vinha do século 15, a língua de Camões, que foi se implantando no mundo e que ele, Mateus, vai amar no século 19”, conta Nélida. “Visitei as aldeias e tudo que enriquecia minha imaginação. O imaginário é uma composição de todos os saberes. Isso foi extraordinário, eu tinha a impressão que estava convivendo com o infante, que ele me ditava regras sobre seus poderes, da expansão do império.”
Foram 14 anos sem um romance, mas Nélida não deixou de publicar durante esse tempo. Escreveu três livros de memórias — O livro das horas, Una furtiva lágrima e Coração andarilho — e um de contos — A camisa do marido. Um dia chegarei a Sagres só não saiu antes por duas razões: Gravetinho o cãozinho da autora, não aguentaria a viagem a Portugal e ela estava comprometida com afazeres na ABL.
Quando Gravetinho morreu, em 2017, a escritora se organizou para uma temporada no país de Camões. “Eu me preparei para passar um ano em Portugal. Sempre fui uma apaixonada pelos séculos, sempre li muita história, então intensifiquei meus estudos entre os séculos 15 e 19, porque o romance ia se passar no 19 mas tinha uma simbologia intensa no 15, por causa do infante e dos navegantes”, conta. Enquanto viaja ao encontro do passado, Mateus revela um presente particular: o Portugal rico das grandes descobertas e navegações agora parecia empobrecido e triste, com aldeias famintas e um atraso em relação aos avanços do resto da Europa. Mas Mateus se dá conta de que, apesar de parecer um miserável, é herdeiro de um país povoado por figuras míticas, como o infante dom Henrique, quinto filho de dom João I, conhecido como o navegador, responsável por expedições que descobriram e povoaram ilhas do Atlântico como Madeira e Açores.
É atrás dessa ideia de um país épico e utópico que o personagem se aventura com a mesma devoção destinada a Deus e aos animais, que ele tanto ama. “Mateus nasceu na margem do rio Minho, entre Portugal e a Galícia, numa daquelas aldeias pobre, miseráveis, nas quais a lavoura é penosa, a terra é seca. Ele pensa que está condenado à miséria, que não tem salvação para os camponeses portugueses. E o menino vai se dando conta de que não é miserável porque nasceu numa terra que tinha heróis, que viveu a odisseia da navegação, então ele começa a tecer uma história dentro dele como se revivesse o infante. A história toda é em torno disso”, avisa Nélida.
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