O Museu Nacional da República (MUN) se junta aos palcos montados na Esplanada dos Ministérios para celebrar, a partir de amanhã, a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma exposição formada por 180 obras de artistas brasileiros. Com curadoria de Lilia Schwarcz, Paulo Vieira, Márcio Tavares e Rogério Carvalho, Brasil futuro: As formas da democracia é uma homenagem ao regime democrático desenhada a partir de recortes de gênero, raça, diversidade e região. "São várias gerações com atenção grande para artista negros, negras, da comunidade LGBTQIA e indígenas", explica Lilia.
Do total de obras, 105 vieram do Rio de Janeiro e São Paulo e 75 são dos acervos do Museu de Arte de Brasília (MAB) e do próprio MUN. Três núcleos foram pensados para propor reflexões relacionadas a temas como a formação social e cultural brasileira, o lugar da política e do diálogo na vida da população e a importância de reconhecer as diferenças e semelhanças, mas a divisão não chega a ser um caminho nem confere alguma ordem ao percurso da exposição.
A ideia dos curadores é que os temas levem a pensar a democracia como um regime aberto e transformem o museu em espaço de diálogo após quatro anos de ataques e censura a exposições de arte na tentativa de cercear a liberdade de expressão. "A beleza da democracia é que ela se abre para a incompletude com essa ideia de que você sempre tem novos direitos civis e sociais aos quais tem que responder. A ideia da exposição é essa, pensar os desafios da democracia num país com tanto racismo e tão desigual. Quais os desafios que se colocam para uma democracia tão excludente quanto a brasileira?", questiona Lilia.
Saiba Mais
- Diversão e Arte Evento de Ano Novo no Complexo Fora do Eixo terá Zé Felipe & Miguel
- Diversão e Arte Só sidra? Aprenda 3 receitas de sobremesas para turbinar a ceia da virada
- Diversão e Arte Renata Lo Prete esquece de tirar tênis e precisa trocar de sapato no meio do jornal
- Diversão e Arte Com apenas 9 anos, Larissa vence a 2ª temporada do Masterchef Júnior
O núcleo Retomar símbolos reúne obras que espelham uma tentativa plural por parte de artistas com vários marcadores sociais de raça, sexo, gênero e região de redesenhar a bandeira e o mapa brasileiros a partir da suas emoções e experiências. "Uma nação é uma comunidade imaginada", lembra a curadora. "E esse é um tema muito importante na agenda dos últimos quatros anos. A maneira como nossos símbolos foram sequestrados a partir de um projeto único, branco, de classe, supostamente heteronormativo, com o perfil de uma religião. E sabemos como os artistas foram censurados, como sofreram com o fim do ministério da cultura e com a entrada de ministros tão racistas quanto os que tivemos." Esse núcleo inclui nomes como os de Adriana Varejão, Emmanuel Nassar, Mario Ishikawa e Edgar Kanaykó Xakriabá, que fazem suas próprias releituras da bandeira brasileira e das cores nacionais.
Em Descolonizar, a intenção é recontar a história da arte a partir de uma perspectiva menos europeia e classista. "A história da arte é um braço do imperialismo e esse núcleo traz artistas que projetam outras formas de imaginar o mesmo território a partir de sua própria cosmologia e filosofia", diz Lilia. Os curadores quiseram convidar o olhar do público a uma visita a um passado que não é branco nem masculino, e sim fruto de experiência diversa que inclui diferentes origens, raças, gêneros e sexos. Aqui, o passado autoritário também ganha espaço para ser relembrado como parte da construção de uma história brasileira. Uma série de pinturas do artista indígena Jaider Esbell, morto em 2021, integra esse núcleo.
No terceiro núcleo, Somos nós, a pluralidade da formação social brasileira ganha destaque em um diálogo que tem, de um lado, a pintura A Queda do Céu ou A mãe de todas as lutas, realizada por Dayara Tukano diretamente no muro do museu, e a tela Orixás, de Djanira, do outro. Na faixa que emoldura a cena da mãe terra com um ser antropomorfo desfalecido nos braços e rodeado de onças, Dayara escreveu frases em uma espécie de aviso. "O buraco é mais embaixo e o céu é mais em cima", alerta a artista, que insiste: "A floresta que segura o céu já disse: democracia é democracia em todas as terras indígenas. Terra é mãe de todos os entes".
Do outro lado, os cinco orixás de Djanira são uma lembrança da diversidade e do perigo da exclusão: a obra ocupava a parede de uma sala de recepção no Palácio do Planalto, mas foi retirada durante o governo de Jair Bolsonaro por representar símbolos da religião de matriz africana. "Somos nós é um núcleo central, que abre com a questão da pluralidade e das várias formas de ser brasileiro e brasileira. E temos Djanira de um lado, que para nós é uma obra simbólica, é um símbolo que nos foi sequestrado", avisa Lilia.
Para a curadora, ter a democracia como tema de uma exposição de arte é também uma maneira de valorizar a pluralidade de ideias após quatro anos de ataques por parte do governo a boa parte da produção cultural brasileira. Lilia acredita que a arte tem o poder de abrir espaço para a inclusão e para a reflexão. "A exposição é feita com afeto no sentido de afetar as pessoas. Nossa ideia é que as pessoas que visitam Brasília sejam contaminadas por esse vírus da arte, que foi muito prejudicada. Queremos mostrar a potência da arte. A gente sabe que a arte não é produto e sim produção. Acreditamos que esse é um espaço de diálogo, e não de ofensa a ninguém", diz.
Antropóloga e historiadora, autora de livros como Sobre o autoritarismo brasileiro e Brasil: uma biografia, Lilia lembra que a arte também pode ser instrumentalizada por governos autoritários, como mostraram episódios históricos do nazismo e de ditaduras longevas. "A arte sempre foi um instrumento muito grande de manipular as emoções contra o pensamento que liberta", diz. "Governos autoritários sempre patrocinaram um tipo de arte grandiosa, monumental e com imensa iconoclastia que, no geral, elevam o mito. E acabaram com uma arte mais livre e libertadora."
Saiba Mais
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.