Antonio Poteiro deu muitas voltas até chegar às tintas e pincéis. E não se pode dizer exatamente quando encontrou a pintura como meio de expressão. O português filho e neto de ceramistas, nascido e criado em olarias, construiu um mundo de mitos e fantasias inspirados em questões sérias e reais, uma mistura cuja dimensão pode ser acompanhada com detalhes em As matérias vivas de Antonio Poteiro: Barro, cor e poesia. Em cartaz no Museu Nacional da República a partir desta quinta-feira (15/12), a exposição tem curadoria do também artista Divino Sobral e traz um percurso bastante completo sobre a trajetória do português que era também goiano e ganhou o Brasil com pinturas e esculturas naifs.
Antonio Poteiro morreu há 10 anos. Se estivesse vivo, estaria prestes a completar 97. Pensando nessa trajetória que se estende por praticamente todo o século 20, Divino Sobral foi atrás de obras capazes de sintetizar os percursos do artista e contextualizá-lo em um tempo, em uma região e na própria família. "O grande volume de obras são do Porteiro, mas tem três gerações da família, que são três peças do pai, que era português e chegou ao Brasil um ano depois do nascimento de Poteiro. Ele era de uma família de ceramistas da região de Braga. Para mim, Poteiro carrega no sangue essa herança de arte, embora ele, durante grande parte da vida, não quisesse ser poteiro", diz o curador.
Escultura
O artista vagou por várias searas antes de encontrar a pintura e a escultura. Ele não queria seguir a tradição da família. Tentou ser poeta, oleiro, garçom, guarda da noite, garimpeiro. Faliu três olarias ao longo da vida, inclusive uma que o fez ganhar bastante dinheiro com esculturas e reproduções. Chegou a dormir debaixo de viaduto após sucessivos fracassos que o colocaram em dificuldade financeira. "No decorrer da vida, ele sempre foi uma pessoa aventureira e avessa a qualquer normatização ou enquadramento e acabou se tornando artista por acaso. E esse por acaso é entre aspas, porque acho que o destino faz um grande novelo com nossa vida enrolada nas mãos dele", diz Sobral.
Foi a pintora e folclorista Regina Lacerda, figura de referência entre a intelectualidade e artistas goianos, quem puxou Antonio Poteiro definitivamente para o mundo das artes. Durante uma conversa, ela o convenceu a assinar a própria produção e a adotar o sobrenome Poteiro, uma fantasia cheia de raízes simbólicas e familiares. O encontro se deu por volta de 1967, quando Poteiro chegou a Goiânia, após viver o auge e a decadência de uma olaria com a qual ganhou algum dinheiro vendendo filtros, potes e botijas no entorno de Brasília, durante a construção da capital.
Na feira hippie da capital goiana, ele vendia esculturas em cerâmica que chamaram a atenção de Regina. Alguns anos depois, em 1972, foi a vez de Siron Franco se deparar com Poteiro e sentenciar: "você é pintor". O ceramista nunca havia manejado tinta e pincel, mas Siron não sossegou enquanto não o colocou diante de um cavalete. "Siron o abrigou por dois anos no ateliê e, ali, o pintor Antônio Poteiro nasceu, por isso ele dizia que era pintor por acaso", conta Divino Sobral.
Todas as 61 obras da exposição no Museu Nacional da República pertencem ao Instituto Antonio Poteiro, de Goiânia. Foi uma opção do curador trabalhar apenas com obras mais acessíveis dos que as locadas em coleções particulares. "Tendo esse pressuposto, fiz uma escolha de obras que pudessem levantar alguns temas. Primeiro, a própria mitologia do pote, a relação ancestral com o pote vindo de uma família de ceramistas, evocando essa memória poética ligada à terra, à agricultura, aos povos das primeiras comunidades humanas", comentaa.
Carajá
Sobral optou também por mesclar a tradição portuguesa com a carajá, já que, nos anos 1940, Poteiro morou dois anos na Ilha do Bananal em um aldeamento dessa etnia na qual as mulheres são conhecidas por serem as grandes mestras da cerâmica indígena brasileira. "A cerâmica carajá é patrimônio da cultura e um exemplar máximo da arte indígena ameríndia", explica. "Com esse saber junto aos carajás e a tradição da própria família, mais a referência ao imaginário barroco brasileiro. ele chegou à conclusão de que fazia uma arte barroca e carajá."
Para o curador, as telas de Antonio Poteiro são fruto de uma combinação que entrelaça o movimento, a cor e a música. Seja nas danças do folclore do interior, como a festa do divino, a folia de reis e as cavalhadas, seja na representação das lendas goianas e do trabalho rural, o movimento está presente, assim como a música. Instrumentos e músicos são figuras constantes nas telas do artista, assim como o elemento religioso, no qual ele estabelece pontes curiosas entre o profano e o sagrado.
A combinação de cores primárias e a composição na tela, muitas vezes marcada por uma narrativa, completam uma linguagem na qual não há espaço para os vazios. "Ele preenche o espaço e usa o espaço com uma função narrativa. Este espaço simbólico e decorativo é uma coisa que herda da família. Ele tem horror ao vazio, preenche o espaço com cores, figuras, objetos, detalhes", repara Sobral.
Além das obras de Antonio Poteiro, o curador decidiu incluir também cerâmicas do pai e do filho do artista. "Trago essas obras para fazer esse cotejo entre o elemento ornamental forte em Poteiro e essa herança que vem da família", explica. "O filho, Américo Poteiro, continua com a tradição herdada do pai. É uma coisa que está na família e eu achava legítimo mostrar isso."
As matérias vivas de Antonio Poteiro: Barro, cor e poesia
Curadoria: Divino Sobral. Visitação de quinta-feira (15/12) até 12 de fevereiro, de segunda a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República
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