Artes visuais

Fundação Athos Bulcão completa 30 anos enquanto luta para sobreviver

A Fundação Athos Bulcão, responsável pela preservação e difusão da obra do artista mais importante de Brasília, celebra três décadas de existência

Severino Francisco
postado em 06/12/2022 13:49 / atualizado em 06/12/2022 14:12
 (crédito: José Varella/CB/D.A Press)
(crédito: José Varella/CB/D.A Press)

Nesta quinta-feira (8/12), a Fundação Athos Bulcão, criada em 1992, comemora 30 anos de existência. Com certeza, a obra do artista mais importante da história de Brasília se tornou mais conhecida e reconhecida graças ao trabalho da instituição, principalmente no campo da educação. A Fundação conseguiu inserir na grade curricular do quarto e do quinto anos do Ensino Fundamental uma matéria sobre a arte de Athos Bulcão.

Para celebrar a passagem dos 30 anos, quem passar pela sede da Fundação Athos Bulcão (510 Sul, Bloco B), na quinta, ganhará um calendário de parede, com obras menos conhecidas do artista, como brinde: "Não temos dinheiro para fazer comemoração como gostaríamos", conta Valéria Cabral, secretária executiva da instituição. Desde que perdeu patrocínio, o calendário é bancado em esquema de vaquinha levantada em site pela internet: "Este ano, faremos também um calendário de mesa, em primeira edição, a pedido e com patrocínio da Casa da Moldura", explica Valéria Cabral, secretaria Executiva da Fundação Athos Bulcão.

E, nesta entrevista, Valéria fala sobre a luta pela sobrevivência da entidade, as ações educativas, a relação dos brasilienses com o artista, a situação de descuido das obras públicas em Brasília, a repercussão internacional e o impasse sobre a construção da sede definitiva da Fundação Athos Bulcão, projetada por Lelé Filgueiras.

Entrevista: Valéria Cabral 


Como foi a doação que Athos Bulcão fez da obra dele para a Fundação que leva o nome dele?

Para que uma fundação seja constituída, é preciso que haja um acervo. No caso, Athos doou parte do acervo dele, constituído por pinturas, desenhos, máscaras e projetos. Tudo foi registrado em cartório. Mas ele ainda estava produzindo muitas obras.

O que há para celebrar em 30 anos de Fundação Athos Bulcão? Qual a importância e quais as ações que a Fundação desencadeou no campo da educação?
Desde 2009, conseguimos que a obra do Athos se tornasse matéria obrigatória na grade de educação no quarto e quinto anos do Ensino Fundamental. A obra pública dele foi toda tombada. O Iphan inventariou a totalidade da obra dele no Distrito Federal. Athos é infinitamente mais conhecido do que era antes da Fundação. Nós priorizamos projetos que sempre envolvam ações que favoreçam o contato com a obra do Athos por pesssoas com menos acesso à educação e à cultura. Trabalhamos muito com as escolas públicas. É uma fundação que se mantém há 30 anos com o próprio trabalho. Além disso, organizamos muitas exposições no Brasil e no exterior.

Por quê a Fundação mudou a sede da 402 Sul para a W3 Sul?
Mudamos para oferecer um espaço mais amplo e mais digno para o Athos. Temos uma galeria permanente com o acervo da obra dele, uma galeria para exposições temporárias de outros artistas, uma sala de oficinas, um sala de palestras, a loja e o café. Com isso, podemos receber melhor o público e as escolas.

Como a Fundação conseguiu sobreviver durante esses 30 anos?

O Athos assinou documento em cartório no qual autorizou a reproduzir as suas obras em qualquer suporte, desde que não fosse descaracterizada. Então, isso permitiu reproduzir os painéis das obras públicas para ambientes internos. É uma forma de vender obras para a manutenção da instituição. Nem todo mundo tem dinheiro para adquirir painéis do Athos. Por isso, passamos a criar produtos mais acessíveis. Não inventamos, só nos apropriamos do que fazem tantas outras instituições mundo afora. Você visita uma exposição do Picasso, não pode comprar o quadro, mas compra um copo com a reprodução da imagem. Athos é um artista múltiplo que trabalha com geometria, isso é propício à reprodução. Temos o maior cuidado e critério nessa apropriação. Fizemos camiseta com a Cleusa da Magrella. E também com Ronaldo Fraga e Maria Bonita para roupas. Atualmente, temos parceria com a Dane-se, que é uma marca da cidade. As molduras com azulejos do Athos começaram a partir de demanda do embaixador Jorge Prata, quando era o chefe do cerimonial do Itamaraty. Durante o primeiro mandato do presidente Lula, o embaixador pediu três produtos para que presenteasse representantes de outros países que visitavam o Brasil. Até a presidente Dilma doou uma para o Papa, saiu em todos os jornais do mundo. O que a gente ouve das pessoas que visitam a loja é que os objetos com os desenhos das obras do Athos são os melhores presentes de Brasília que se pode levar. Não tem um diplomata estrangeiro que não leve ao menos uma moldura com desenhos do Athos.

Como você avalia a relação dos brasilienses com o Athos e qual a situação das obras dele na cidade?

A Igrejinha da 307/308 Sul, o Parque da Cidade, o Aeroporto e o triste Teatro Nacional são as obras que estão mais integradas na vida das pessoas. O parque tem 16 paradas com obras do Athos, estão lá e as pessoas sabem. As crianças quando estudam Athos se identificam imediatamente e são os melhoroes divulgadores porque a obra dele encanta pelo lúdico e pela simplicidade. Eles entendem e sensibilizam os pais. Mas em órgãos públicos nós temos obras muito muito malcuidadas. Basta ver a situação do Teatro Nacional, fechado há quase nove anos e se deteriorando. O painel do Bolo de Noiva do Itamaraty está em péssimas condições. As paradas do Parque da Cidade também. O painel da Torre da TV, que tem um restaurante, onde o BRB toma conta, está completamente descaracterizado, contraria as normas do patrimônio cultural. Tem balcão, grade com copos e geladeiras vedando o painel. E tudo fica por isso mesmo. Recebemos um convite em 2010 do Conselho Federal de Direitos Difusos com doação para fazer o restauro de obras públicas. Restauramos os painéis da escola da 408 Norte, do Instituto de Saúde Mental do Riacho Fundo e do Mercado das Flores. A Escola pede novo restauro, o Instituto de Saúde Mental está em boas condições. É preciso fazer manutenção, senão será necessário restaurar tudo algum tempo depois. Acho que as pessoas precisam aprender mais quem é Athos Bulcão e o trabalho monumental que ele nos legou. É um descaso, ficam pensando que painel é revestimento. E não é, é obra de arte.

Por quê Athos Bulcão, o artista mais importante de Brasília, não tem direito a um terreno para construir a sede definitiva da Fundação que leva seu nome, quando todos merecem espaço na cidade?

Eu também gostaria que alguém me respondesse a essa pergunta.

Os governantes alegam que a Fundação Athos Bulcão é uma entidade privada e o governo não tem nada a ver com isso. Como avalia esse argumento?

Acho que falta vontade política. Porque tenho um projeto doado a Fundação Athos Bulcão feito pelo Lelé Filgueiras, um dos maiores arquitetos brasileiros, reconhecido internacionalmente. Quando estava construindo o Beijódromo, na Universidade de Brasília, ele me telefonou para ver se eu conseguia o terreno porque estava com o canteiro de obra montado e poderia construir a sede definitiva para a Fundação Athos Bulcão. A única pessoa que se sensibilizou foi Paulo Otávio, que, na época, era vice-governador do DF. Fez o lançamento da pedra fundamental, organizou cerimônia e abriu processo na Terracap. É um terreno pequeno de 1.200 metros. Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Israel Pinheiro, todas as pessoas importantes que participaram da criação de Brasília, tiveram lotes doados para construir as suas fundações. Ninguém dá nada à Fundação Athos Bulcão, mas todos usam a imagem do artista para representar Brasília. Não tenho mais esperança, a última que tinha era a de que o governo de Rodrigo Rollemberg resolvesse a questão, mas não resolveu. Eu também não entendo porquê.

Em que medida Athos Bulcão se tornou reconhecido em termos internacionais?

O crítico Agnaldo Farias escreveu que Athos não é só um artista de Brasília ou do Brasil. É um artista de relevância internacional. A recepção a obra dele tem se ampliado muito. Levamos exposições para o México, a Holanda e os Estados Unidos. Muita gente estuda e faz teses de mestrado e de doutorado sobre o Athos.

E como é que o livro sobre o Athos publicado pela Fundação apareceu em uma tomada do filme Madre Paralelas, do cineasta espanhol Pedro Almodóvar? É uma coincidência?

Não, apareceu porque eu enviei para ele. Tenho um amigo, o Miguel, que esteve no Brasil, prestando serviços para a secretaria iberoamericana. Ele trabalhou com o Almodóvar. Quando ele retornou à Espanha, eu entreguei um livro para ele e disse: "Dê para o Almodóvar". Ele gosta muito do Brasil. Quando rodou Madres paralelas, em uma sequência com Penélope Cruz, Almodovar fechou o foco em cima dela, com os livros do Athos e do Sebastião Salgado no fundo. Recebi mensagens do mundo inteiro me comunicando.

Quais são os planos e as perspectivas de trabalho para a Fundação Athos Bulcão?

Nós nos inscrevemos no edital FAC multicultural, fomos aprovados em duas etapas, esperamos ser aprovados na próxima. Com esse apoio, podemos receber as escolas públicas, com arte educadora que faz a mediação. Oferecemos oficinas para escolas, palestras sobre patrimônio e sobre Brasília. Esperamos ter condições para continuar o trabalho de divulgar, sensibilizar, preservar e multiplicar a obra de Athos Bulcão. Ele gostava de dividir o conhecimento.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Valéria Cabral
    Valéria Cabral Foto: Edílson Rodrigues/CB/D.A Press
  • Projeto de Lelé Filgueiras para a  
sede definitiva da Fundação Athos Bulcão: impasse não superado
    Projeto de Lelé Filgueiras para a sede definitiva da Fundação Athos Bulcão: impasse não superado Foto: Fotos: IBTH/Reprodução
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação