O mote estampado no título da matéria usado por ativistas do feminismo é seguido à risca por musicistas brasilienses. Embora se destaquem como cantoras, compositoras ou instrumentistas, elas não se contentam em exercer apenas esses ofícios e mostram que têm talento para executar outras funções no universo que atuam.
Ao Correio seis delas, ligadas a diferentes gêneros musicais, falaram do trabalho que realizam como arranjadora, produtora, criadora de projetos e também enquanto orientadora de novos profissionais no campo das artes. Veja o que disseram Janette Dornellas, Daniela Firme, Márcia Tauil, Cris Pereira, Thanise Silva e Karen Parreira.
Janette Dornellas, cantora lírica – Artista a gente nasce artista, não tem jeito. Produtor a gente se torna, mas de qualquer forma produzir não é uma tarefa que todo mundo está disposto a executar. O produtor em primeiro lugar tem que ser um agregador. O produtor lida com várias pessoas que realizam várias funções, então ele tem que ser um agregador e tem que gostar muito de gente, trabalhar com gente. Tem que saber selecionar equipe. Eu comecei a produzir porque quis me aproximar mais do universo da ópera.
Comecei a trabalhar com a Associação Ópera Brasília como divulgadora. A poucos fui aprendendo outras funções. As coisas vão acontecendo naturalmente, pela necessidade de fazer as coisas acontecerem. A gente vê o mercado de trabalho e percebe que precisa agitar esse mercado. Mas isso aí é perfil. Cada pessoa tem o seu perfil. Produzir entrou na minha vida com muita naturalidade. Além de cantar gosto de ser produtora.
Daniela Firme, cantora e compositora — Eu divido a minha vida entre as funções de cantora, compositora e empresária. Fico na estrada com a Rock Beats de quinta a domingo. De segunda a quinta administro a Musimix, que é a produtora responsável pela banda e cuida de toda logística para que os shows aconteçam, além da nossa lojinha virtual, que atende todo Brasil, organizo ensaios e repertório para o show do fim de semana seguinte e ainda coordeno a manutenção da Elizabeth (nosso ônibus, que nos leva nas turnês).
No tempo que sobra, preciso dar conta da minha vida pessoal e abrir espaço para compor músicas novas. É bastante difícil conciliar tudo, e o desafio é ainda maior por ser mulher, porque além de lidar com a montanha russa da oscilação hormonal ainda precisamos acrescentar os desafios de quase toda mulher moderna: me maquiar, cuidar do cabelo, unhas, essas coisas. Minha sorte é amar muito o que faço. No fim das contas o saldo é positivo.
Márcia Tauil, cantora e compositora — A tranquilidade e a autonomia. Para qual lado a balança deve pesar? Reinventar-se, manter-se atualizado sobre leis, sobre editais, sobre mídia. E não perder a ternura!! O artista é uma pessoa sensível. Já o produtor precisa ter facilidade para confrontos e estresses. São dois lados opostos que o artista também produtor deve dominar. Produzir, realizar, colocar um projeto em andamento e ainda subir no palco e cantar exige enorme disciplina, gerenciamento de tempo e conhecimentos além da música. Coordenar necessidades suas e do grupo que está com você.
É necessário ter empatia e compreensão com as pessoas envolvidas, enquanto o artista dentro de você precisa ser resguardado neste mesmo tempo em que você gerencia o orçamento, cuida da divulgação, do som que você necessita, tanto no conceito como no aluguel físico da aparelhagem. E ainda tem a pós produção. Ou seja: pós show é hora de continuar trabalhando. Ter um produtor alivia e muito a carga de responsabilidades pré, durante e pós show. Porém, produzir é necessidade para seguir em frente e buscar oportunidades novas quando não se está contratado para projetos. Então, continuo fazendo produção toda vez que é necessário e realizando apresentações contínuas. Para não deixar a peteca cair!
Cris Pereira, cantora e compositora — Com mais de 10 anos de atuação artística, empresto minha voz voz para demarcar posicionamentos firmes em defesa do samba e da cultura afro-brasileira. Meu primeiro disco Folião de Raça (2013) tem participação de Dona Ivone Lara e foi indicado ao Prêmio da Música Brasileira.
Sou mestra em história cultural pela Universidade de Brasília (UnB) e idealizadora de projetos como Dia Nacional do Samba na Rodoviária, Samba nas Feiras” e Nós Negras. Compus a canção Corpo meu, gravada por Fabiana Cozza e que se tornou o hino da campanha Levante Feminista contra o Feminicídio em 2021. Atualmente, finalizo meu segundo disco Banzo que tem participação de Mateus Aleluia e Áurea Martins.
Thanise Silva, musicista — Natural de Brasília, sou flautista, compositora, arranjadora e professora na Escola de Música de Brasília (EMB) há 10 anos. Minha formação em flauta e arranjo se deu nessa instituição e também na Universidade de Brasília (UnB), onde hoje finalizo o mestrado em música. Meu trabalho mais recente como arranjadora e diretora musical foi o primeiro álbum do Quarteto Transversal, que é um quarteto de flautas brasiliense. Trata-se de um álbum em homenagem a Hermeto Pascoal, que será lançado em 2023.
Criei um arranjo de flautas no álbum Delicadeza, de Leonel Laterza (lançado em 2020) e fiz parte do grupo de arranjadores do álbum Vai melhorar, de Breno Alves (lançado em 2021). Além de ter participado de mais de 40 gravações como flautista ou arranjadora, realizei shows pelo Brasil e por países como Alemanha, Bélgica, França e Suíça. Nessas oportunidades, ministrei oficinas, cursos e foi curadora e jurada de festivais. Entre projetos atuais, destaco o do meu quinteto, o duo com Dudu 7 Cordas, e os grupos Fernando César e Regional, Choro Prosa e Trio Aretê.
Karen Parreira, violeira e compositora — “O mercado business, fonográfico e cultural, assim como o ambiente dos negócios, exige um nível de conhecimento elevado para acompanhar as diversas mudanças com a chamada quarta revolução industrial, que é a era digital. Voltei a estudar buscando a excelência nos processos e assim poder dar aos trabalhos com a música e viola caipira, desenvolvidos por mim em minha produtora, um maior alcance e visibilidade. Hoje, o Distrito Federal é um polo de distribuição de música caipira. Várias emissoras de rádio do país tocam a produção local. E temos, além de Zé Mulato e Cassiano, uma geração de violeiros que segue seus passos na divulgação da autêntica música sertaneja. A vontade de ver esse trabalho com música e viola caipira crescer, é o que me move para dar conta de fazer tantas coisas ao mesmo tempo.
Os desafios encontrados pelo caminho são combustível para querer sempre mais conhecimento em prol de melhorar a condição dos músicos. Costumo dizer que meu trabalho é realizar sonhos. O sonho do primeiro disco, do primeiro DVD, de ver a música nas plataformas digitais, onde elaboro projetos e capto recursos em leis de incentivo. Isso é fundamental para que o artista independente, o violeiro, o músico e os compositores em geral, possam sobreviver do seu trabalho. O que é isso? Digo sempre que tudo o que se faz dentro da música pode ser monetizado. É um erro do artista independente pensar que sua renda advém somente dos cachês recebidos em shows ou do cover artístico em casas noturnas, e não é só isso. Se estando legalizados, registrados nos órgãos de classe, temos possibilidades de ganhos de direitos autorais e conexos, sendo compositores, intérpretes e produtores fonográficos.
A Oficina Do Autoral ao Digital, que estou ministrando desde o início da pandemia, tem esse viés informativo e instrutivo com a intenção de ensinar aos atores, músicos e intérpretes os processos burocráticos para a legalização, e assim, fazer com que tenham várias fontes de renda relacionadas à sua arte.
Estamos em um momento de digitalização global, e é preciso que a legalização aconteça para que os trabalhos musicais tenham a possibilidade de estarem disponíveis em plataformas digitais ao alcance de todos. Em um futuro bem próximo, quem não se adequar ao ambiente digital, poderá deixar de existir, principalmente em se tratando de trabalhos musicais.