“Existem várias formas de amor e eu preciso de todas elas”, escreveu Erasmo Carlos na última postagem nas redes sociais, feita em 18 de novembro para comemorar a vitória no Grammy Latino de 2022. Quando escrita, essa frase era apenas um bonito agradecimento. Porém, na manhã de ontem, ganhou um novo significado. Agora, todos mandam todas as formas de amor para ele. Aos 81 anos, morreu Erasmo Carlos, o eterno tremendão.
O cantor e compositor estava internado no Barra D’Or, hospital da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele deu entrada pela primeira vez no início de novembro para tratar de uma síndrome edemigênica, doença que gera um excesso de retenção de água nos tecidos. Recebeu alta em dois dias. Há 20 dias,voltou ao hospital, foi entubado e não resistiu. A causa da morte foi um quadro de paniculite (inflamação na gordura abaixo da pele) agravada por uma infecção de origem cutânea. O velório de Erasmo será restrito a familiares e aos amigos.
Um dos grandes nomes da música brasileira, Erasmo Carlos é imortal pelo que fez e por conta de um extenso legado que deixou. Somando álbum de estúdio, discos ao vivo e regravações, são 38 álbuns, além de diversos sucessos que marcaram épocas e embalaram gerações. O Tremendão, como ficou conhecido o cantor, é um dos mais produtivos compositores da história da música nacional, com mais de 600 músicas escritas e sucessos como Se você pensa, Vem quente que eu estou fervendo, Festa de arromba, De noite na cama, Mesmo que seja eu, Minha fama de mau, Gatinha manhosa, entre outros.
Alegria
Sua última apresentação foi no Teatro Guaíra, em Curitiba. Contudo, a derradeira passagem marcante ao vivo ocorreu no festival João Rock, em Ribeirão Preto, ainda neste ano, em 11 de junho. Em post após o evento, Erasmo escreveu em suas redes sociais: “Alegria inenarrável pisar no palco do João Rock com meu rock’n’roll, levando amor pra todo mundo. Que energia maravilhosa tocar num palco tão importante para o rock nacional! Eu e minha banda amamos cada palma e carinho do público!”
Erasmo teve três filhos no casamento com Narinha, o primeiro do cantor. Gil Eduardo, Leonardo Esteves e Carlos Alexandre, morto em um acidente de moto em 2014. Narinha, que foi companheira de composição, morreu em 1995 em decorrência de suicídio. Em homenagem à amada, escreveu, ao lado de Roberto Carlos, a canção É preciso saber viver.
O cantor se casou pela segunda vez com a pedagoga Fernanda Passos em 2018. A viúva escreveu um texto de despedida nas redes sociais. “Perdi a capacidade de me lembrar de como era a vida sem você, talvez ela nem tenha existido... e talvez tenha sido tão simples esquecer porque a gente se acostuma facilmente com a paz. Não foi de primeira, você brigou muito para mostrar, mas por fim encontrei a paz em você”, escreveu.
Carreira
Antes de o Tremendão ganhar tal título, Erasmo Carlos foi o “rapaz da Tijuca”. O cantor nasceu no bairro da Tijuca, Zona norte do Rio de Janeiro, e iniciou a carreira musical em 1957, aos 16 anos. Desde a infância conhecia Sebastião Rodrigues Maia, que mais tarde viria a ser conhecido como Tim Maia, e iniciaram a amizade durante a juventude porque ambos dividiam a paixão pelo rock and roll.
Após a ruptura do grupo The Sputniks, composto por Tim Maia, Arlênio Lívio, Wellington Oliveira e Roberto Carlos em 1957, Arlênio foi o único remanescente e, no ano seguinte, convidou Erasmo, Edson Trindade e José Roberto para ingressar em nova banda. The Sputniks passou a ser chamada The Snakes e acompanhava tanto Tim Maia quanto Roberto Carlos nas agendas de shows. Neste mesmo período, Tim ensinou Erasmo Carlos a tocar violão.
Erasmo decidiu acrescentar Carlos ao nome artístico em homenagem a Roberto Carlos e Carlos Imperial. Depois disso, lançou o compacto que se tornou grande sucesso, puxado pela canção o Terror dos Namorados. Com a chegada da Bossa Nova no final da década de 1950, Erasmo também seguiu pelo gênero e compôs Maria e Samba, interpretado posteriormente por Roberto Carlos.
O Tremendão participou veementemente com Roberto e Wanderléa do programa Jovem Guarda, que teve início em 1965, onde ganhou tal apelido, no afã de se diferenciar do ídolo Elvis Presley. Na década de 1970, iniciou parte da carreira de ator nos filmes Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora, lançado em 1971 e Os Machões, em 1942.
Em meados dos anos 1980, Erasmo criou um projeto pioneiro no Brasil, Erasmo Convida, álbum no qual o cantor interpretou 12 canções em dueto com artistas como Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa, Wanderléa, A Cor do Som, As Frenéticas, Gilberto Gil, Rita Lee, Tim Maia, Jorge Ben e Caetano Veloso. Sentado à beira do caminho foi a canção de abertura do disco obteve grande destaque nas rádios, pois trouxe a participação de Roberto Carlos na música.
Gigante gentil
Durante a década de 1990, o chamado Gigante Gentil voltou a ter visibilidade durante as comemorações dos 30 anos da Jovem Guarda. Em 1996, Erasmo gravou o álbum É Preciso Saber Viver, no qual o destaque foi para Do fundo do meu coração, música com participação de Adriana Calcanhotto.
Em 2020, Erasmo assinou contrato com a plataforma de streaming da Netflix, como ator protagonista do filme Modo Avião, no qual contracenou ao lado de Larissa Manoela. Em fevereiro de 2021, o Tremendão lançou o disco O futuro pertence à... Jovem Guarda, composto por oito canções dos anos 60, que lhe rendeu recentemente, o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa (2022).
Tempos de Jovem guarda
Mais do que um movimento televisivo, a Jovem Guarda foi crucial para consagrar a carreira do artista. Seja sobre melodia própria ou versão de um grande sucesso internacional, as canções dessa leva traduzem a vida cotidiana, onde a juventude classe média já não se encontrava mais na rebuscada elite da bossa nova, tampouco na melancolia do samba-canção. “Era preciso dar um jeito, meu amigo”.
Mais tarde o cantor ganharia notoriedade por fazer versões brasileiras de sucessos rock twist and shout norte-americano, como Splish splash e Dia de escola. Sua primeira composição é Eu quero twist, cantada na voz de Agnaldo Rayol e com co-autoria de Carlos Imperial.
Com um programa dominical apresentado por ele, Roberto Carlos e Wanderléa, Erasmo se jogou no sucesso beatlemaníaco e ganhou repercussão no trabalho solo. Com isso, gravou Terror dos namorados e Festa de arromba, duas músicas que marcaram o início de uma das parcerias mais memoráveis da música brasileira: a dupla Roberto e Erasmo Carlos.
Ao longo da jornada d’Os Inimitáveis, saiu uma lista extensa de clássicos que foi gravada por ele e outros intérpretes do país. É proibido fumar, As curvas da estrada de Santos, É preciso saber viver, Detalhes, De noite na cama, Jesus Cristo, Emoções e O portão são algumas das mais de 682 canções assinadas pelo Tremendão.
Na sequência de sua carreira solo, gravou dois álbuns dignos de reconhecimento perene da crítica: o adorado pelos jovens adultos, Carlos, Erasmo, e Sonhos e memórias 1941-1972.
Premiações
Além de arrastar uma legião de fãs de todas as idades, Erasmo conquistou uma série de premiações e indicações no decorrer da carreira. Foi indicado ao Grammy Latino cinco vezes, entre elas, venceu as categorias de Melhor Álbum de Rock Brasileiro (2014), Prêmio Excelência Musical da Academia Latina de Gravação (2018). Recentemente, se sagrou vencedor da categoria Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa (2022), com o disco O futuro pertence a Jovem Guarda, a última postagem do cantor nas redes sociais comemorou a vitória. “É tão importante entender o conceito, quanto ouvir a música. Esse Grammy é o reconhecimento do nosso trabalho”, declarou Erasmo que ainda agradeceu aos fãs pela vitória.