Literatura nacional

Editoras independentes do DF democratizam o sonho de publicação autoral

As editoras independentes do Distrito Federal permitem que autores retirem seus rascunhos das gavetas e apresentem para os leitores

Criar, redigir, editar, imprimir, costurar página por página. Esses são alguns dos processos na hora de "dar a luz" a um livro em uma editora independente. Um trabalho artesanal que dá à obra e ao autor uma relação quase parental. As editoras independentes chegam como uma solução à democratização da publicação, dando espaço para que escritores possam levar suas criações ao público. Foi com essa missão que as editoras Semim, Avá, Padê e Maria Cobogó foram concebidas.

Thaís Mallon - Tatiana Nascimento, da Padê Editorial: empoderamento
Glenio Dettmar - Coletivo Maria Cobogó: projeto circula em feiras literárias e bienais
Thaís Mallon - Costura manual feita pela editora Avá: um trabalho artesanal
Ed Alves/Esp. CB/D.A Press - José Sóter: maneira de dar visibilidade a autores da cidade

A mais antiga delas, a Semim nasceu em 1977 no auge da geração dos livros mimeografados e dos poetas marginais, que utilizavam a tecnologia do mimeógrafo e da xerox para rodar livros independentes e fazê-los circular. O editor e poeta José Sóter relembra a dificuldade de publicação. "As editoras só publicavam best sellers ou alguém com algum QI ("quem indica"), passando pelo crivo dos escritores já publicados. E, com a tecnologia, nos apropriamos, podíamos ter a ideia, fazer a boneca, datilografar e no outro dia estávamos com o 'livrim' rodando pela cidade", relata, afirmando que essa foi a motivação por trás da criação da editora: democratizar a publicação de livros da rapaziada.

Para ele, as edições independentes e marginais contribuíram para democratizar a produção de livros e o acesso dos leitores aos mesmos. "Conseguimos mostrar para nossa comunidade que poetas existem em todo lugar e não apenas nos livros premiados, e isso serviu para que a poesia entrasse no cotidiano dos brasilienses e iniciasse o processo de formação de uma linguagem e uma identidade própria", pontuou.

Coletivo de mulheres

O Coletivo Editorial Maria Cobogó, criado em 2018, foi uma iniciativa de um grupo de mulheres do movimento nacional do Mulherio das Letras, com o objetivo de dar visibilidade e transparência à literatura de qualidade feita no DF. "Somos um celeiro de bons autores, mas com pouca visibilidade", explicou Ana Maria Lopes, uma das criadoras da editora.

Para Ana Maria, que também é escritora, uma das vantagens da publicação independente são as escolhas do material, do texto e de todo o processo produtivo do livro. "Faz com que também sejamos incentivo para muitos autores inibidos a tirarem seus manuscritos das gavetas e expô-los ao mundo", completou. No entanto, há também a desvantagem. "É o calcanhar de aquiles de toda editora independente: a distribuição. O que fazemos? Levamos nossos livros às feiras, bienais, festivais de literatura. Assim, vamos espalhando nosso trabalho", explicou.

LGBTs e negras

A Padê Editorial, criada em 2016 pelas poetas Tatiana Nascimento e Bárbara Esmênia, ambas lésbicas e negras, é hoje a editora com o maior catálogo nacional de títulos de autoria LGBTQIA . Os livros são todos artesanais e cartoneiros (livros com capa de papelão reutilizado, de caixas de supermercado). Tatiana conta que cada publicação depende muito da participação dos autores. "Os livros são feitos manualmente um a um e fazemos oficinas de encadernação em que compartilhamos ferramentas, formas de fazer, afeto; depois que o livro é lançado, a pessoa autora fica com o PDF do miolo, além do saber artesanal, para que assim possa seguir fazendo seus livros e vendendo-os, com renda exclusiva para ela", destacou.

"Para mim, a importância de ter uma editora é poder publicar meus escritos, e os escritos de outras pessoas que, como eu, nem sempre cabem em projetos editoriais alheios — autônomos ou hegemônicos. Isso, obviamente, está relacionado à invisibilização da dissidência sexual na autoria negra e vice-versa, pois ainda há uma colonização mental que cria expectativas editoriais de que literatura negra seja sempre heterossexual e cisgênera, e de que literatura LGBT seja sempre branca", analisa.

Visibilidade

Criada em 2018 pela poeta Natália Cristina Aniceto, a editora Avá também nasceu do desejo de democratizar a literatura e o livro, assim como promover ações de incentivo à literatura e escrita. Natália explica que na Avá, os livros são realizados com o autor e não para o autor.

"Isso porque, nesse processo, toda a cadeia produtiva do livro é um saber que passa a ser socializado com o autor, para que ele expresse sua criatividade e abstração. Com isso, ele se apropria de todo o processo de editoração, publicação e também distribuição, e se torna sujeito da produção artística de forma integral. É assim que a gente entende todo esse processo e entende que é necessário", analisou. "Acreditamos que, ao final, não se lança apenas um livro, mas sim uma expressão do ser — que cria e se recria a partir da própria narrativa", finalizou Natália.

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