Música

Luedji Luna lança versão deluxe do disco 'Bom mesmo é estar debaixo d’água'

A artista continua a carreira marcada por uma estética refinada e com coragem de experimentar

Pedro Ibarra
postado em 27/11/2022 00:01 / atualizado em 27/11/2022 15:16
Luedji Luna: na luta pelo reconhecimento das cantoras negras -  (crédito: Henrique Falci/Divulgação)
Luedji Luna: na luta pelo reconhecimento das cantoras negras - (crédito: Henrique Falci/Divulgação)

Fruto de um amplo estudo e de viagens para países como Quênia, Burundi e Madagascar, o disco Bom mesmo é estar debaixo d'água, de Luedji Luna, foi lançado no meio da pandemia, em outubro de 2020. Bem recebido pelo público e pela crítica, o trabalho passou muito tempo sendo escutado em casa e demorou para que o público pudesse cantar as músicas com a artista em eventos presenciais. Pensando nisso, Luedji lança Bom mesmo é estar debaixo d'água deluxe, onde revisita o álbum adicionando 10 canções inéditas, além de remixes das canções de mais sucesso.

A cantora sente que o tempo do álbum ainda não acabou, que dá para explorar mais. "O começo do Bom mesmo é estar debaixo d'água aconteceu em um contexto super estranho de pandemia. Eu não pude fazer shows, então eu queria prolongar essa história", explica a artista. Ela aproveitou o fluxo de trabalho intenso que teve e repaginou as sobras. "Eu tinha muitas canções que não entraram no disco. Então, esse trabalho tem muito mais cara de lado B do que realmente um deluxe", complementa.

A ideia ainda é a mesma, falar sobre o amor sob o ponto de vista das mulheres negras. A cantora convidou outras vozes negras como Yoùn, Linn da Quebrada, Aza Njeri, Mayra Andrade, Winnie Bueno e N.I.N.A para compartilhar essa  jornada do disco. Pautada majoritariamente em melodias que conversam com o jazz, o neo soul, o R&B e a black music. As canções novas têm um tom mais urbano do que a primeira versão do disco. "Permaneço no mesmo conceito do antecessor, apenas em outra estética sonora e visual", comenta.

Mudança

Essa é mais uma mudança, uma experimentação de Luedji na carreira. A cantora pauta a própria trajetória em inventar e explorar o novo. "Hoje, eu me sinto cada vez mais confortável em mudar. Eu abraço minhas ideias, minhas experimentações. Eu percebo que, por mais que seja diferente, tem coerência. Então,  me sinto cada vez mais à vontade por estar experimentando", conta. "Minhas estéticas conversam, mas, em termo de som, são bem diferentes. Mais diferentes ainda se comparadas com o primeiro disco. Foi um salto", complementa.

Luedji entende que não faz exatamente a música que agrada a fatia maior do público, mas,  pouco a pouco, tem se posicionado como uma artista do mainstream, meio mais popular da música. Ela atribui o sucesso a um grande ponto para além do próprio trabalho: o público. "Há uma demanda espontânea do público e isso pressiona os festivais e as mídias a olharem para mim", pontua. "O crescimento devo ao meu público, que pede e lota os meus shows e pressiona para ter minha presença nos lugares", agradece.

Apesar de estar vivendo uma fase positiva na carreira, Luna ainda vê que o mercado é desbalanceado. No ponto de vista dela, as portas ainda se abrem muito mais para cantoras brancas do que para negras. "Eu estou há sete anos fazendo minha carreira em São Paulo e ainda permaneço no processo de crescer e alcançar o grande público, uma coisa que cantoras brancas conseguem em um ano", analisa. "As cantoras brancas conseguem notoriedade, relevância e essa validação é muito mais fácil", completa.

A cantora mencionou a polêmica mais recente do mercado da música brasileira. A produtora de shows Queremos! anunciou a cantora e ícone da música negra Erykah Badu para apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo no mês de janeiro. Porém, nos atos de abertura, foram colocados a banda Gilsons, a cantora Céu e o grupo Bala Desejo. Sendo assim, nenhuma cantora negra brasileira foi convidada para abrir o show de uma das maiores cantoras negras das últimas gerações. "É um soco, uma pancada, um desrespeito, um disparate, uma ofensa. Não tem mais adjetivos para falar como o mercado se comporta em relação às cantoras negras desse país", critica e  propõe uma reflexão: "Se um festival que vai trazer Erykah Badu não cogita em colocar uma cantora negra para tocar, imagina aqueles que não são encabeçados por artistas negros". Após uma série de críticas à curadoria, a banda Bala Desejo decidiu cancelar a participação no evento.

O que mais incomoda Luedji é a negligência que ela vê no tratamento de uma geração que julga excelente. "A cena é a melhor possível, sempre próspera e pioneira. A cena é linda, não é só porque eu faço parte dela, mas, para mim, o que tem de mais refinado, chique, bonito e primoroso na música brasileira tem sido feito por mulheres negras", exalta. "Mesmo assim, não temos o mesmo reconhecimento e validação nem por parte da velha guarda nem pelo mercado em geral. No sentido de entender que o que a gente faz é importante, revolucionário e bonito esteticamente", lamenta.

Ela sabe da distância que ainda está da igualdade de oportunidades, mas sonha com um mundo melhor. "Eu gostaria de ver um mundo onde a gente tenha a nossa humanidade e dignidade respeitada, um mundo onde meu filho possa andar livremente pelas ruas sem ser abordado, perseguido ou visto como um predador ou alvo. Esse é o futuro que estou construindo e que eu quero. Se eu tiver viva até lá é o que vou ver", vislumbra.

O respiro do Brasil

É nesse tom de esperança que a artista enxerga a atualidade do Brasil. "Acho que é um momento de pelo menos respirar, pensando a partir do meu lugar de mulher negra, de pessoa negra", avalia. "A palavra ainda não é comemoração, ainda há muito trabalho a fazer, muita coisa horrível ainda está acontecendo à nossa revelia", adiciona e ainda faz uma metáfora com os tempos que vivemos. "Parece que o Brasil foi extubado", conclui.

Quando ainda estava vivendo os momentos de tensão da eleição, teve a oportunidade de gravar E vamos à luta, de Gonzaguinha, ao lado de Criolo para as chamadas da Copa do Mundo do SporTV Luedji, que diz amar cantar clássicos, afirmou uma experiência intensa e boa ao entoar esse hino da MPB. "Quando gravamos ainda não tinha o resultado das eleições. Então, cantamos nessa intenção de esperança de pedido de mudança. Quase uma campanha política", lembra. "Graças a Deus e a nós isso passou", alivia-se.

 


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