O hip-hop abriu os olhos para uma forma de vida que antes era atribuída aos marginalizados. Hoje, quem dita a tendência são homens e mulheres negros, mesmo estabelecidos como uma minoria nas cabeças de grandes corporações e marcas. Muito disso se deve a como a cultura hip-hop se difundiu por meio das músicas. Uma batida envolvente leva as vivências dessas pessoas para os ouvidos daqueles que nunca chegaram nem perto da realidade que está sendo cantada.
Em um processo de mudança na indústria fonográfica, rappers, trappers, cantoras do R&B e ritmos com referências africanas se viram em uma nova posição, dentro da música pop. Dessa forma, o hip-hop que para muitos foi a salvação da vida se mesclou com a música pop e deu a esses homens e mulheres, de maioria negra, o microfone e o holofote, para a partir de rimas, referências afro e de cultura e vida urbanas poderem alcançar um público muito maior e uma relevância até então sem precedentes.
Porém, o fato é uma consequência de bons trabalhos e uma maior difusão entre um público mais amplo. A cultura hip-hop não deixou de sofrer preconceitos, os artistas ainda se sentem marginalizados e os talentos ainda vêm das periferias. O movimento é sobre o estilo de vida, a forma de portar e os acessos que foram negados. hip-hop surge na busca por um espaço de expressão. "O branco não tem acesso negado a lugar nenhum, mesmo na cultura preta ou indígena, ele sempre consegue. Por que os minorizados não podem ter esse acesso também?", clama BK', nome artístico de Abebe Bikila Costa Santos, um dos maiores nomes da cena carioca do rap atual.
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O rapper acredita na cultura hip-hop como uma lente para ver um mundo melhor para si próprio e os próximos. "Além de salvar minha vida na questão financeira e dos acessos, o rap me salvou porque me fez me entender como preto nessa sociedade maluca que a gente vive. Aprendendo a me defender e a gostar de mim mesmo", conta o músico. "O hip-hop é uma cultura que me ajudou a me entender e me enxergar como homem preto na sociedade. Foi dela que veio a forma como eu me visto e que comecei a me amar de verdade", explica.
O músico lançou no último dia 17 o disco Icarus, uma obra que tem como conceito a luta constante do rapper para sair dos labirintos que a vida impõe, mesmo que isso faça com que ele, às vezes, voe perto demais do sol. "Me permito errar no meio do caminho, porque é isso. O ídolo é posto em pedestal muitas vezes, em que não são aceitas falhas e isso para mim é complicado. Sou uma pessoa que erra bastante, mas eu estou sempre melhorando e tentando ser o mais verdadeiro possível", explica o artista.
O disco novo faz parte do trabalho do rapper para devolver para essa cultura que o salvou. "Tento dar o melhor no meu trabalho, entregar algo de volta para o hip-hop, buscando colocar sempre essa cultura que me acolheu no topo. Essa é a forma que eu tenho de somar e ser essa mão", conta o músico que mantém os estudos para estar sempre em movimento. "A partir de todas as estruturas e referências, você parte para as próprias vivências e encontra um lugar que é só seu. Isso é a minha cabeça e a minha mente", completa
E neste lugar BK se encontrou e está feliz. Este é o quarto álbum da carreira e bateu mais de 2 milhões de ouvintes em menos de 24 horas do lançamento no Spotify. Amanhã, o rapper ainda lança o primeiro videoclipe do disco. "Não tenho como negar que eu sou bem feliz com as coisas que eu consegui conquistar e com o que eu consegui me tornar para minha família, os meus amigos, meus fãs e para a própria cultura", conta. Ele faz um trabalho tão distinto. É como se a partir dele, a cena toda que ele se insere tivesse mudado. "Eu fui desenvolvendo um estilo que agora é como se BK fosse um estilo de rap. A minha brincadeira é essa, BK se tornou uma vertente do rap", fala em tom de piada. "Eu tenho um público fiel que hoje sabe que o BK faz coisas que só o BK faz", completa.
"Não é questão de rap, é questão de vida"
Há 12 anos, Rashid leva esse trecho na canção Acendam as luzes, faixa do seu álbum de estreia, Hora de acordar. Para o rapper, essa frase ainda é mais verdadeira do que na época do seu lançamento.
"Hoje eu percebo que o rap me abriu tantas portas que eu entendo ele hoje como um hub, praticamente. Porque ele me relacionou com a literatura marginal, com os saraus, com a comunicação, com a galera preta das artes cênicas, das artes plásticas e com muitas outras coisas que, quando eu tava lá só com a mochilinha nas costas, eu imaginava que era só ali. Então hoje, mais do que nunca, é questão de vida, e é muito louco imaginar que tudo isso volta para o rap, porque é onde eu vou concentrar todas as minhas experiências e bagagem que busco lá fora. Mas colocando em prol da cultura hip-hop brasileira, o que faço e vai trazer de relevante pra esse universo, além da bolha".
Já dizia Nina Simone que é próprio dever do artista refletir o tempo em que está inserido. Rashid segue perpetuando essa ideia na firmeza da sua música. Mesmo no rap, o rapper de São Paulo resgata influências da sua bagagem ancestral.
"Eu escuto Fela Kuti, escuto Cartola, escuto Moacir Santos, mas talvez isso não seja palpável, ou as pessoas não consigam escutar essas referências dessa forma no meu trabalho, mas está ali: nos tambores, nas melodias, nas construções musicais e até na literatura, como a Arte da guerra e Divina Comédia", afirma.
Contudo, a multiplicidade dessa linguagem aparece no projeto novo do Rashid, Movimento rápido dos olhos. Com referências dos quadrinhos orientais, artista paulista faz no novo trabalho ambientar os ouvintes na proposta lírica e em áudio-drama. A narrativa traz uma jornada épica do futuro distópico, onde as grandes cidades deixam de ser polos econômicos e se tornam vazios de concreto a população, então, migra para as regiões interioranas atrás de recursos.
Com um tempero de utopia, sonho e heroísmo, a narrativa é pautada no processo de autodescoberta de Samurai, protagonista que tem a companhia de Proceder, Oráculo, Davila e Patriarca ao longo da história. Uma comunidade instalada na região vive em harmonia até ser dizimada por homens subordinados ao vilão, e reafirma o formato das radionovelas. Para dar vida a estes personagens, Rashid convidou a jornalista e apresentadora Adriana Couto, o publicitário Rodrigo Carneiro e o dublador Guilherme Briggs.
Nomes como Liniker, BK', Marissol Mwaba, Amiri, Don L, Curumin, Macedo Bellini e Stefanie se unem como participações especiais nas 15 faixas. Estas constroem uma jornada de mudanças regida pela evolução pessoal e pelos questionamentos às regras. Para Rashid, a ordem de coletividade, exposta tanto na história quanto na composição do álbum, é primordial para se afirmar no hip-hop nacional e acessar o que vai além do gênero.
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