Longa da sessão hors concours de encerramento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o documentário Diálogos de Ruth de Souza será exibido, hoje, a partir das 18h. Um filme que fala sobre o passado, mas conversa muito com o presente do Brasil e que dá o palco para a primeira mulher negra do país a superar todos os obstáculos para dominá-lo.
O longa mistura história e ficção em uma narrativa desenvolvida pela diretora Juliana Vicente, a partir de conversas com a própria cineasta, arquivos da atriz e citações ao universo criado em volta dessa figura que abriu as portas para que pessoas negras pudessem ser representadas nas artes cênicas. Três anos após a morte de Ruth, em decorrência de uma pneumonia em 2019, ela protagoniza um longa em um dos mais importantes festivais do país.
Ao Correio, Juliana Vicente fala sobre a influência de Ruth de Souza para a arte e a importância de ecoar as palavras dela no encerramento do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Entrevista // Juliana Vicente
Qual a importância de falar sobre Ruth de Souza na atualidade considerando o mundo em que vivemos e o histórico de luta dela?
A Ruth foi uma pioneira nas artes, ela foi a primeira atriz brasileira a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a primeira atriz brasileira a ser indicada a um prêmio internacional (no Festival de Veneza). Como atriz, ela já foi única. Como atriz e mulher negra, ela foi um fenômeno. Falar da Ruth com a Ruth é parte de um movimento essencial para a gente, é a afirmação de contar as nossas narrativas, dos nossos, com os nossos para os nossos. E isso é apenas a ponta do iceberg. Falar da Ruth é contar parte da nossa história para as próximas gerações, mas é também poder falar para as gerações anteriores sobre as conquistas delas e mostrar que vamos, sim, desfazer esse apagamento histórico sofrido.
Ruth de Souza é uma figura histórica para o Brasil. O que você acha que o país ainda precisa aprender com ela?
Acredito que uma das coisas mais importantes que temos que reconstruir no Brasil é a nossa história, porque construída obviamente ela já foi, mas também apagada. E sabemos da importância no desenvolvimento de um país onde todos conheçam a própria história, a história de uma perspectiva mais honesta. A Ruth sabia da importância do registro, ela se registrou por 98 anos. Temos imagens da Ruth criança, adolescente, nos primeiros passos no Teatro Experimental do negro, em Nova York, recebendo prêmios, atuando em projetos na Globo, em festas exclusivas e etc. E praticamente todas as imagens vieram do acervo pessoal da Ruth. Eram dezenas de pastas. E ela não se calou, ela contava a história dela e mostrava através dessas imagens, já que apesar de quase 60 anos de carreira, as imagens de arquivo de artistas pretos no Brasil, são muito escassas. Isso foi fundamental para o filme.
Sobre fechar o festival em um ano tão significativo para o Brasil. Como você vê esse filme encerrar um evento tão relevante para o cinema brasileiro?
Olha, a Ruth falava o quanto ela sentia falta de na velhice, em um momento de hiato, de ser convidada para os festivais. Nos anos finais, ela estava sendo celebrada, inclusive como tema de samba enredo da Acadêmicos da Santa Cruz, uma das maiores honras para uma personalidade brasileira. Mas o cinema era o amor da vida da Ruth, então, para mim, participar e fechar o Festival com ela é honrar a história e desejos da Ruth. E estar com dois documentários estreando este ano, que falam tanto da construção da nossa história, de construção real, feita no dia a dia, por pessoas que ultrapassaram todos os limites impostos para levantar legados, é mais uma sincronia. Ter o Diálogos com Ruth de Souza encerrando o festival em 2022, reflete esse momento de renovação de esperança nesse caminho de permanência da construção.
Homenagens na tela grande
Ao descartar a falsa modéstia, o diretor paraibano Vladimir Carvalho deixa escapar a alegria sentida por momento especial, no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: a homenagem a ele prestada com a exibição do documentário Quando a coisa vira outra (de Márcio de Andrade). “Sinto-me abençoado por Deus; de vez em quando, é bom receber uma injeção de ânimo, um bálsamo qualquer — algo que nos revigore, e nada melhor do que uma homenagem”, comemora. A sessão será às 15h de hoje, no Cine Brasília (EQS 106/107), templo caro para a carreira de Vladimir que, nos anos de 1970, adotou a capital, justo depois de apresentar o curta A bolandeira no festival. Com curtas que exploraram cenários da cidade, como Vestibular 70 e Brasília segundo Feldman, Vladimir, desde Conterrâneos velhos de guerra (1991), a cada década tem aumentado a filmografia da trajetória de Brasília, com fitas como Barra 68: sem perder a ternura e Rock Brasília — Era de ouro (2011).
Com a obra analisada em primeiro plano no filme Quando a coisa vira outra, o documentarista desvia de autoavaliação. “Falar de si mesmo é uma coisa muito chata”, observa. Vladimir, aos 87 anos, nota que os filmes feitos por mais de 50 anos formam conjunto que conversam uns com os outros. “Digo, para mim, que foi e tem sido um trabalho absolutamente agradável de fazer. Me sinto realizado com filmes que fiz. Trago a sensação de dever cumprido, sem nenhum sofrimento. Gostei da batalha e tenho projeto para o futuro”, diz.
Quando a coisa vira outra traz o olhar “muito bem construído e sensível” de Márcio de Andrade. “O filme se refere também a uma fraterníssima relação minha com meu irmão Walter Carvalho (diretor de fotografia de longas como Central do Brasil e Lavoura arcaica). Ele conduz o filme, por meio de falas de apoio. Ele conversa com o espectador, numa triangulação muito legal”, adianta Vladimir Carvalho. Na ode à amizade dos irmãos, pesa um detalhe: com a morte prematura do pai dos cineastas, por 13 anos de diferença nas idades, Vladimir assumiu fortes responsabilidades. “Brinco que ele é meu irmão, e que sou pai dele”, diverte-se.
Mais paternidade
Uma tentativa de libertação, no auge do período trágico da pandemia, em 2021 marca O nosso pai, curta-metragem que será exibido na solenidade da premiação do Festival de Brasília, às 20h, no Cine Brasília. Depois de abraçar filmes afirmados na maternidade, como Mãe só há uma (2016) e Que horas ela volta? (2015), vencedor do Prêmio Especial do Júri em Sundance (vencido por Regina Casé e a brasiliense Camila Márdila), a diretora Anna Muylaert se prepara para os festejos da exibição do curta-metragem, estrelado por Camila Márdila, Grace Passô e Dandara Pagu. No filme, personagens arquitetam meios para desafogar causas e efeitos da pandemia. “O nosso pai nasce agora no Festival de Brasília como um filme de época — um filme que expressa um desejo de ação num momento de destruição e impotência — ele nasce como memória de um tempo passado contando uma história que todos sabemos que não aconteceu de fato”, adianta Anna Muylaert.
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