Cinema

Leia crítica de 'Espumas ao Vento', fita de Pernambuco no Festival de Cinema

Dirigido por Taciano Valério, o longa apresenta sopros do regionalismo em uma singularidade narrativa. Por vezes, a trama derrapa em excessos.

Ricardo Daehn
postado em 17/11/2022 11:46 / atualizado em 17/11/2022 11:47
Aninha (Patrícia Niedermaier) é coadjuvante de peso, no longa de Taciano Valério  -  (crédito:  Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação)
Aninha (Patrícia Niedermaier) é coadjuvante de peso, no longa de Taciano Valério - (crédito: Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação)

Crítica // Espumas ao vento **

A vida como martírio?

Caruaru (Pernambuco) é celeiro de músicos, de artistas populares e de orquestra de pífanos. Lá, se contempla paragens famosas como morro Bom Jesus, e — como registra o longa-metragem do cineasta Taciano Valério — também pode ser acolhida uma banda ruim: interesseiros infiltrados em edificações neopentecostais. Seguindo a andamento de um cordel de fim inesperado, o roteiro de Taciano e Vanderson Santos se desvincula de rigor e se afunda nas peculiaridades de regionalismo. Numa avalanche de criatividade (com valor orgânico, mas nem sempre fácil de ser digerido, até pela lida direta com elementos mais caros ao teatro), o filme transborda singularidade narrativa. Sendo a igualdade branca; a fraternidade, vermelha; por que não a liberdade, no longa, abraçar tons multicolores?

Espumas ao vento descortina um universo lúdico (pleno e rudimentar, na bela fotografia de Breno César), em que as irmãs Manu (Rita Carelli, muito convincente) e Aninha (Patrícia Niedermaier) testemunham o ocaso da receptividade à cultura popular. Entregue a caprichos de Seu Pio (Everaldo Pontes) e Mestre Sebá, que lideram uma trupe de mamulengueiros, Manu desaparece e anula desejos pessoais. "Talvez a única coisa que sou é ser outra", simplifica ela. A manipulação da realidade e um teor de apropriação indevida de teatro, igualmente, alcança a escola de possessão, um braço de fraudulenta entidade com pretenso fundo religioso. Na dramaticidade do filme, que toma rumo de cores berrantes, entram figuras como o pastor (Tavinho Teixeira) e um misterioso palhaço (Odécio Antonio, que bem abraça o risco de um papel desafiador), uma espécie de cordeiro em pele de lobo, batizado João.

Uma exagerada corrente de mortes de personagens e torrente de situações metafóricas atrapalham o filme. Há poesia como no caso da marcação do tempo, determinado pela dinâmica da feira, e o filme traz discreta e bela trilha de Anderson do Pife. O lirismo ainda alcança situações como a do reflexo da pandemia na trama, junto a qual personagens de sentem "lixo", vivendo na cidade e, "bicho", no cotidiano passado em sítios. Há poesia ainda em citações peculiares como a de seres humanos que, no comezinho, "Amanhecem grandes e anoitecem pequenos". Pena o espetáculo trazido por Taciano Valério, por vezes, derrapar em tantos excessos.

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