Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Festival de Brasília aposta em descentralização com Espumas ao vento

Espumas ao vento, dirigido por Taciano Valério, segundo longa da mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a ser exibido hoje, é centrado em uma tragédia ocorrida com uma trupe de artistas

Ricardo Daehn
postado em 15/11/2022 00:01 / atualizado em 16/11/2022 13:15
 (crédito: Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação)
(crédito: Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação)

Segundo filme a ser exibido na mostra competitiva do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, nesta terça (15/11) às 20h30, Espumas ao vento, pelo que adianta o diretor Taciano Valério, coloca o espectador diante da vida e da morte. "O filme redimensiona nosso espaço de incertezas, mas aponta para transformações em que não podemos ficar paralisados. É preciso correr", observa o realizador pernambucano. O enredo da nova fita está centrada em uma tragédia ocorrida entre uma trupe de artistas. "Falamos de sonhos interrompidos. De alegria, dor e do cuidado. Há uma questão numa igreja, por exemplo, que serve como pano de fundo, diante da situação da personagem Manu (Rita Careli) que vivencia um dilema de dar conta da família, da arte e não realizar seus desejos. A peste aparece também, mas ocupa um outro significado por meio de Aninha (Patricia Niedermaier), irmã de Manu", conta o diretor.

Com um enredo afirmado na cultura popular, Taciano (que esteve em competição, no Festival de Brasília com o longa Pingo d'água, em 2014) conta que Bye Bye Brasil (de Cacá Diegues) sempre foi uma inspiração. "Não assisti a O grande circo místico (também de Cacá), mas acho que quaisquer trabalhos que anteverem o universo de trupes, mamulengos, o circo e brincantes, dialogam entre si", diz.

Com muitas atrizes de Caruaru (PE), o filme é animado pelo protagonismo feminino. "Ele foi se tornando, de forma muito concreta, a partir das mulheres. O filme toca por meio de uma família, e principalmente, pela via de duas irmãs, o descaminho que a arte e a cultura popular têm projetado, quando há formas de exploração que não legitimam as suas transmissões. Padecemos sim de legitimação, quando há uma destruição de vários setores da cultura. O futuro presidente Lula é um agente que faz com que as pragas se afastem", pontua o diretor, destacando o conterrâneo.

"O governo Lula nos trouxe um sentimento de que não precisamos repetir e realizar certos itinerários como achar que um filme, por exemplo, ou uma formação cinematográfica, somente seja possível em certas regiões do país. Isso foi o que incomodou muita gente nesse Brasil. A 'casa grande' perdeu completamente a sua dimensão de detentora de um saber para poder agir de forma opressora quando houve uma descentralização e alargamento das fronteiras da arte", avalia o cineasta.

Centro de respiro

Longe dos grandes centros urbanos e das áreas de conglomerados financeiros, Taciano se diz realizado, morando no Agreste de Pernambuco. "Viver aqui no Agreste já nos conduz a uma forma de resistência diante de tantas narrativas existenciais, ao longo do tempo dos nossos antepassados. Sem a maneira como os governos Lula e Dilma estruturaram a política de audiovisual no Brasil, com a fomentação de diversos programas, arranjos e leis de incentivos, eu não teria conseguido realizar Espumas ao vento da forma como realizei", comenta. Como fundamental para o projeto, ele aponta esforços da produtora Carla Francine, além de vozes como a de Mestre Sebá, um "visionário" artista de teatro de mamulengos, e de Anderson do Pife, um "exímio" músico da cultura popular.

Personagens se aprofundaram no mergulho em oficinas de Cultura Popular, com Amne Berto (à frente da personagem Lucy) e o próprio Mestre Sebá. O trabalho resultou em consistência para as personagens Manu, Aninha, Seba (Everaldo Pontes) e Seu Pio (Everaldo Pontes). "A música colaborou muito. Construí letras e arranjos com Anderson do Pife. Paralelamente, desenvolvi um trabalho de envolvimento e técnica com atores e técnica", destaca o diretor.

Diálogos, ensaios e performances formataram, organicamente, os personagens do palhaço (Odecio Antonio) e do pastor Damiro (Tavinho Teixeira). Consequências de um fato trágico, disposto em Espumas ao vento, despertam lembranças, laços oníricos e certo amargor de desejos pendentes. Constituído de núcleos, o longa teve Anderson do Pife e Odecio Antonio como preparadores de elenco. Na trama, a presença de um pastor, que planeja alargar o reino divino, é bem demarcada.

A dimensão religiosa do roteiro foi incrementada pelo escritor Vanderson Santos. As cenas que projetam a Igreja Baralho de Deus vêm embaladas por música, como no trecho: "Aqui Deus da as cartas/ Ouro para o senhor/ Espada no Diabo/ Pau no Satanás/ Na copa de Deus, o trunfo é o Pai: Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! ". "O apelo religioso é como um anátema (excomunhão), usamos a figura do pastor Damiro (Teixeira) como um ser que explora a fé alheia e quer o espaço artístico dos mamulengos para transformar numa outra Igreja. Na verdade, ele tem uma escola de possessão em que João (Odecio Antonio) se desloca como obreiro", adianta Taciano Valério.

 

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