O público mais jovem, que não guarda recordações dos anos 1990, provavelmente será "muito influenciado" em suas opiniões sobre a monarquia britânica pela dramatização daquela época na quinta temporada da série de TV The Crown, segundo uma especialista na realeza britânica.
"Acho muito provável que esses episódios da Netflix serão considerados um semidocumentário", afirma a professora Pauline Maclaran, do Centro de Estudos da Monarquia Moderna do Royal Holloway, da Universidade de Londres. "Nós já sabemos que a realeza é muito menos popular junto a essa geração."
E ela espera que a nova temporada da série, que aborda o complicado relacionamento entre a princesa Diana e o então príncipe Charles, gere ainda menos simpatia pela monarquia entre os jovens.
"Eles provavelmente perceberão Diana como vítima do tratamento que ela recebia de Charles", diz a escritora especializada na realeza.
Existem questionamentos sobre a realidade dos fatos mostrados na série, mas Maclaran afirma que o impacto real do programa de TV é a sua mensagem emocional, especialmente depois de filtrada pelas redes sociais.
A série tem elementos característicos de uma novela sobre a realeza. A dramatização dos relacionamentos humanos gera emoções e opiniões no público, independente de qualquer advertência sobre sua imprecisão histórica.
Entre os espectadores da Geração Z, Maclaran espera ver Diana emergir como "ícone cultural", com os jovens identificando-se com suas dificuldades pessoais, sua defesa de causas públicas e seu questionamento das instituições formais. Nas redes sociais, a princesa é um meme para os marginalizados.
A história de Diana, interpretada pela atriz Elizabeth Debicki, é a principal da última temporada. Os mais jovem não têm recordações da princesa ainda viva.
"Essas representações na mídia podem ser muito poderosas", segundo a professora Maclaran.
Os jovens também parecem mais dispostos a aceitar a autenticidade da versão de The Crown. Uma pesquisa do instituto britânico YouGov concluiu que os jovens com 18 a 24 anos de idade estão três vezes mais dispostos que os idosos com mais de 65 anos a acreditar que a nova série de The Crown é precisa.
A Netflix descreve a série sobre a realeza como "dramatização fictícia, imaginando o que pode ter acontecido a portas fechadas".
Maclaran relembra que a monarquia já se beneficiou anteriormente desse tipo de abordagem, que incluiu o filme A Rainha (2006), com a atriz Hellen Mirren no papel principal e o roteirista Peter Morgan, criador de The Crown.
Com sua mistura de simples minimização dos fatos e fortes sentimentos, A Rainha mostrou como Elizabeth 2ª precisou ajustar-se aos novos tempos para humanizar a família real britânica.
"A imagem de Elizabeth 2ª realmente foi beneficiada por A Rainha. O filme deu a ela um lado emocional que as pessoas não tinham observado", afirma Maclaran.
Mas ela espera que a nova temporada de The Crown deixe uma impressão muito mais heterogênea da monarquia, principalmente entre os espectadores mais jovens.
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'Mudou minha opinião sobre o rei'
A série da Netflix serve de lição de história para a jovem Linzi Cormack, de 29 anos, que mora na cidade de Stockton-on-Tees, no nordeste da Inglaterra.
"Eu era criança quando tudo aconteceu", explica ela. "Assistir à série realmente abriu meus olhos para toda a família real e tudo o que aconteceu."
Cormack acredita que a realeza esteja sendo retratada na tela exatamente como teria acontecido por trás dos portões do palácio. E admite que a série fez com que ela tenha mais respeito pela rainha Elizabeth.
"Honestamente, ela mudou minha opinião sobre a família real. Para começar, fez com que eu me interessasse por ela", afirma. Mas a temporada anterior aumentou muito seus sentimentos negativos sobre o rei Charles 3°."
"Ela mudou minha opinião sobre o rei e não acho que Camilla deveria ser rainha", ela conta. "Acho que o que eles fizeram com a princesa Diana foi horrível, considerando o quanto ela era adorada."
A princesa Diana é a única razão que faz Louise Wilson assistir a The Crown. Ela tem 25 anos de idade e mora em Dumfries and Galloway, no sul da Escócia. Wilson admite que, às vezes, esquece que se trata de uma série de ficção.
Ela não assistiu às três primeiras temporadas, mas começou a acompanhar quando Diana entrou na história em 2020, interpretada pela atriz Emma Corrin. "Ela parecia simplesmente uma pessoa comum", segundo Wilson.
E a série também mudou sua opinião sobre o então príncipe Charles e Camilla. "Eu realmente não gostava deles antes de assistir à série, mas ali entendi que eles estavam destinados a ficar juntos", ela conta.
Já Tori Cooper, jovem de 29 anos do Texas, nos Estados Unidos, diz que grande parte da temporada é novidade para ela.
"Eu não sabia que Charles havia conhecido Camilla antes de conhecer Diana e foi interessante ver suas ligações telefônicas e como ele ama Camilla todo o tempo", disse ela à BBC News, em frente ao Palácio de Buckingham, em Londres.
"Às vezes, acho que é 100% real", ela conta, admitindo que chega a tratar a série como documentário. "Mas certamente eles tomaram algumas liberdades em muitos assuntos."
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Mística x ceticismo
A disparidade de opiniões sobre a monarquia entre as gerações é clara.
Pesquisas realizadas pelo YouGov em outubro de 2022 concluíram que:
- 30% das pessoas com 18 a 24 anos de idade acreditam que a monarquia é "boa para o Reino Unido", em comparação com 73% entre as pessoas com mais de 65 anos.
- 45% das pessoas com 18 a 24 anos de idade acreditam que Charles fará um bom trabalho como rei; entre as pessoas com mais de 65 anos, este percentual é de 83%.
O historiador da realeza Ed Owens acredita que isso seja parte de um ceticismo muito mais amplo com relação às instituições em geral, não apenas com a monarquia.
"Existe uma sensação de desencanto entre os jovens sobre a forma em que a sociedade e a política funcionam atualmente. A monarquia é uma instituição que incorpora o establishment político e as pessoas a veem como parte de um sistema antiquado que não funciona para elas", afirma Owens.
Se os jovens têm menos entusiasmo sobre a monarquia, a professora de história Heather Jones, do University College de Londres, afirma que também falta distinção clara sobre a forma em que a realeza é retratada.
Ela acredita que o efeito geral de The Crown sobre os jovens será de "reforçar a mística da monarquia" e não de prejudicá-la. Mas a professora se preocupa com a mistura entre uma série de entretenimento, com um roteiro criativo, e os registros históricos.
"Existe uma lacuna real no conhecimento histórico, de forma que os jovens muitas vezes acreditam que o que estão vendo no drama histórico é real", afirma Jones.
Ela indica filmes de guerra, como 1917 e Dunkirk, como outros exemplos em que ela constatou a falta de reconhecimento de que são "versões ficcionais da história, interessantes e envolventes".
Outro ponto que levanta ainda mais questões éticas sobre The Crown, segundo Jones, é o fato de que muitos dos seus protagonistas ainda estão vivos. Não se trata de uma simples imaginação do passado, mas sim da dramatização das vidas de pessoas que ainda fazem parte do momento presente.
E, quanto mais série se aproxima dos dias atuais, mais problemática fica essa questão. Pode se tratar de ficção dramatizada, mas as perdas e lutos são muito reais. E a morte da personagem central — a rainha Elizabeth 2ª — ainda é muito recente.
"The Crown sempre foi forte quando se manteve próxima dos eventos históricos de forma precisa", afirma Jones. "Quando ela se envereda por território inventado, muito dramático, ela se enfraquece... ela faz sensacionalismo com eventos que já são suficientemente 'sensacionalizados'."
O Palácio de Buckingham disse à BBC que não se pronunciará sobre The Crown.
A Netflix afirma que a sua série de TV representa uma "década significativa para a família real — que já foi analisada e bem documentada por jornalistas, biógrafos e historiadores".
"The Crown sempre foi apresentada como dramatização com base em eventos históricos", diz a Netflix.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63578233
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