HOMENAGEM

Gal Costa reuniu 200 mil pessoas no aniversário de 22 anos de Brasília; relembre

Há 40 anos, a cantora atraiu mais de 200 mil pessoas para a Torre de TV de Brasília, em 1982, durante a comemoração da, então, jovem capital

Aline Brito
postado em 09/11/2022 22:40 / atualizado em 09/11/2022 23:40
Vestido dourado decotado e batom vermelho: a artista baiana trouxe também atitude para o palco na Torre de TV  -  (crédito: Joaquim Firmino/CB/D.A Press)
Vestido dourado decotado e batom vermelho: a artista baiana trouxe também atitude para o palco na Torre de TV - (crédito: Joaquim Firmino/CB/D.A Press)

Em 1982, durante o 22º aniversário de Brasília, Gal Costa fez história na capital federal. Em comemoração à jovem cidade, a cantora apresentou, no dia 21 de abril daquele ano, o show Festa do Interior, que atraiu mais de 200 mil pessoas para a praça da Torre de TV. Na época com 37 anos, a artista baiana causou euforia entre os presentes e recebeu destaque nas páginas do Correio Braziliense, que acompanhou a festa. 

Mais quatro décadas se passaram desde a grandiosa noite, as fotos em preto e branco não são suficientes para transmitir o brilho da artista completa que os moradores da capital tiveram o privilégio de contemplar. O vestido dourado, decotado e os lábios pintados com um batom vermelho ardente, sinais da atitude e audácia de uma artista que revolucionou gerações, ficaram marcados na memória dos que conseguiram assistir ao espetáculo.

Até aquele momento, Brasília não havia presenciado um evento tão grandioso. O show de Gal Costa foi o maior desde a inauguração da cidade e continuou sendo um dos espetáculos com maior público durante alguns anos. “Foi uma experiência divina. Antes desse evento, nós já tínhamos cantado com grandes nomes como Raul Seixas, Walter Franco, Kid Abelha, em festivais conhecidos aqui em Brasília, como o Rock Cerrado, mas não me lembro de ter visto um público tão grande como no show da Gal. Mesmo depois desse ano, demorou um bom tempo para ter outra festa grandiosa como aquela”, relembrou Paulo Mattos, integrante da banda Mel da Terra, que abriu o show da artista.

As milhares de pessoas vibravam com a ideia de ver a cantora. Mesmo antes do início do show, 150 mil espectadores já aguardavam ansiosos pela chegada do ícone. Os sucessos que fizeram parte da trilha sonora de muitos brasileiros, foram cantados em coro com a multidão que assistia, com os olhos brilhando, a dona de uma das maiores vozes da música brasileira. “Estou muito emocionada porque a Gal é a cantora que mais admiro e estou vendo-a de perto”, confessou, na época, a fã Maria Helena Dias, que assistiu ao show.

  • 21/04/1982. Crédito: Joaquim Firmino/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Show da cantora Gal Costa durante comemorações do 22º aniversário da capital, na Torre de TV. Caption Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • Vestido dourado decotado e batom vermelho: a artista baiana trouxe também atitude para o palco na Torre de TV Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • 21/04/1982. Crédito: Joaquim Firmino/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Show da cantora Gal Costa durante comemorações do 22º aniversário da capital, na Torre de TV. Caption Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • 21/04/1982. Crédito: Joaquim Firmino/CB/D.A Press. de Gal Costa no aniversário de 22 anos de Brasília na Torre de TV. Caption Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • Espetáculo reuniu mais de 200 mil pessoas: último evento do mesmo porte havia ocorrido na inauguração da cidade Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • Brasil. Brasilia - Df. Pauta: Torre de TV/Multidao. Brasilia. Foto: Adauto Cruz/CB. Festa dos 22 anos da cidade, show da cantora Gal Costa na Torre de TV. Publico22 abr. 1982. Caderno 1, p. 15. Caption Adauto Cruz/CB/D.A Press

Uma artista de voz madura, potente e revolucionária

O espetáculo sem precedentes não só entrou para a história da cidade, mas também contribuiu para a formação cultural de Brasília, como avalia o cantor e compositor Paulo Mattos. A Capital do Rock, como é conhecida, além de ser influenciada por bandas como Legião Urbana, Capital Inicial e Raimundos, antes disso, teve sua identidade alicerçada na Música Popular Brasileira (MPB), com forte contribuição de Gal Costa.

“O show de 1982 da Gal foi uma contribuição para a identidade cultural de Brasília. A efervescência cultural em que ela estava inserida, na crista da carreira, pós Tropicália e com a influência muito forte desse movimento, propiciou o nascimento de Brasília. A cidade se identifica com essa época cultural”, avaliou Mattos.

As bandas que deram ao Distrito Federal o título de Capital do Rock surgiram no mesmo ano, ou depois, da apresentação de Gal no palco do 22º aniversário de Brasília. Até 1982, os artistas e canções que faziam parte do cotidiano cultural brasiliense eram da música popular, o que explica o grande sucesso do show da cantora baiana. “Na minha visão foi um dos maiores shows de toda a história de Brasília e, para mim, o mais marcante. Foi o que mais me impressionou, nunca vi algo daquele porte, tão monumental. Quase 20% da população daquela época esteve presente no evento, foi um momento que marcou todos nós”, opinou o vocalista da banda Mel da Terra, que, naquele tempo, tinha 19 anos.

Vale lembrar que, segundo o Censo Demográfico, no ano de 1980 a população do Distrito Federal era de 1,2 milhão de habitantes, o que torna ainda mais grandioso o show de Gal para 200 mil pessoas. 

No palco montado entre a Torre de TV e a fonte luminosa, a artista mostrou toda sua potência e maturidade vocal, construída ao longo dos 18 anos de carreira que ela tinha na época. “Ela estava em uma parte muito alta da carreira. Estava uma artista madura, que não estava trabalhando só com a doçura da voz, mas ela tinha um controle vocal maior, tinha aberto o leque de interpretações da voz dela. Além disso, depois da passagem dela pelo Tropicália, ela se tornou um ícone, então foi um show muito importante”, recordou Mattos.

“Eu, inclusive por estar no Tropicália, a admirava pela atitude. Além da voz, ela tinha essa questão do movimento cultural. Então ela fazia da arte dela um movimento de transformação da sociedade. Tinha uma pegada revolucionária. Essa é uma marca dela: ser instrumento transformador”, afirmou o cantor.

O show interpretado por Gal, o Festa no Interior, já havia passado pelo Rio de Janeiro e São Paulo, com lotação máxima em todas as apresentações. Colecionando outros sucessos igualmente estrondosos, os espetáculos da cantora eram descritos como uma claraboia, um lugar onde entra a luz, o ar. Na passagem por Brasília, o sentimento não foi diferente, como registrou o Correio. “Essa fonte de energia que flui espontaneamente de Gal, é transparente no seu trabalho. Esse encanto, essa energia juvenil, estava em Festa do Interior, uma festa para a massa, concebida sem nenhum sentimento de culpa ou medo”, escreveu o repórter Irlam Rocha, no dia seguinte ao evento.

Acompanhada do guitarrista Victor Biglione, Gal mostrou aos brasilienses, ao vivo e a cores, o duelo de voz com a guitarra, durante a apresentação da música “Meu nome é Gal”, característico de suas interpretações nos palcos. “Ela estava tocando com o guitarrista, foi muito marcante. Ela estava maravilhosa no palco”, relembrou Mattos. Depois de mostrar a força da voz, que nem mesmo um instrumento elétrico era capaz de derrotar, a cantora baiana encerrou o show cantando “Parabéns Para Você”, em homenagem à Brasília, com direito a um espetáculo à parte, proporcionado pelos fogos de artifício.

400 desmaios em meio à loucura

A multidão eufórica do show na Torre de TV se espremia para conseguir ficar mais perto de Gal. A excitação com a chegada da artista aflorou os ânimos dos 200 mil fãs ansiosos e acabou gerando alguns transtornos.

O espaço delimitado pela segurança e pelos policiais encarregados de proteger o palco a fim de evitar tumultos, foi sendo diminuído aos poucos, pois os populares não se continham, querendo se aproximar cada vez mais. Os quase 400 policiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros formaram um cordão de segurança com o intuito de conter a massa afoita e inquieta.

Antes de Gal subir ao palco e o estado de encantamento tomar conta do público, diversas mulheres sentiram-se sufocadas, pois uns se comprimiam contra os outros. Paulo Mattos lembra que, durante a apresentação de sua banda, a Mel da Terra, o show teve que ser interrompido algumas vezes para que os socorristas pudessem atender àqueles que passavam mal. Uma vez que não era possível encaminhar essas pessoas para a brigada, os primeiros socorros eram feitos em cima do palco.

“As pessoas começaram a empurrar, estava muito lotado. As pessoas estavam sufocadas, e aquelas que passavam mal eram passadas de mão em mão até chegarem ao palco, onde os bombeiros estavam atendendo”, contou Mattos. Em frente ao palco existia uma área destinada à imprensa, mas que logo foi tomada pelo público geral, que se espremia em busca de uma brecha de espaço mais perto da artista-ícone.

Ao final do espetáculo, ficou um saldo de aproximadamente 400 desmaios, a maioria de mulheres. Além disso, como presenciou o repórter Irlam Rocha, que cobriu o show para o Correio Braziliense, houveram alguns casos de ataques de epilepsia, crises histéricas, choro convulsivo, taquicardia e até "sensação de asfixia". 120 pessoas foram encaminhadas ao Hospital de Base para atendimento e, além disso, muitas crianças se perderam de seus pais.

  • Matéria de 21 de abril de 1982 sobre o show da Gal Costa no 22º aniversário de Brasília Acervo Correio Braziliense
  • Matérias do jornal impresso de 22 de abril de 1982 sobre o show da Gal Costa no 22º aniversário de Brasília Acervo Correio Braziliense
  • Matéria de 22 de abril de 1982 sobre o show da Gal Costa no 22º aniversário de Brasília Acervo Correio Braziliense
  • Capa do Correio Braziliense de 22 de abril de 1982 Acervo Correio Braziliense
  • Matéria de 21 de abril de 1982 sobre o show da Gal Costa no 22º aniversário de Brasília Acervo Correio Braziliense

Gal costa morre, aos 77 anos

40 anos depois da noite histórica, Gal Costa morreu e deixou na memória dos brasilienses o brilho intenso de uma estrela que nunca irá se apagar. Nesta quarta-feira (9/11), a assessoria da cantora confirmou o falecimento, que aconteceu em São Paulo, mas não teve a causa relevada.

Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em 26 de setembro de 1945, em Salvador e, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, se tornou uma das vozes mais importantes da música brasileira.

A cantora esteve em Brasília, mais uma vez, em agosto, para participar do Festival CoMA, em um dos shows mais esperados e lotados do evento. No evento, Gal apresentou o espetáculo “As várias pontas de uma estrela”, em que passeou pela obra de um dos maiores compositores da música popular brasileira, o carioca-mineiro Milton Nascimento.

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