Representar um pacifismo e a capacidade do perdão e da misericórdia, elementos, por décadas, trabalhados pelo médium Chico Xavier, foi o percurso para que o cineasta Wagner de Assis chegasse ao núcleo do documentário Chico para sempre, recentemente exibido nos cinemas. Sem o peso da interferência de produtores, o diretor — que, com o longa Nosso lar, ultrapassou 40 milhões de espectadores, nas janelas de exibição daquele blockbuster — explica do "alimento" e das bases para a realização do filme. "Na propagação de Chico Xavier, que conheço desde há muito, sei que há inúmeras histórias; incríveis que atendem a gêneros conhecidos, que narram dramas e épicos e até tramas de humor, com muita potência. É o humano além do que entendemos de humano", demarca.
No discorrer da liderança espiritual, Wagner de Assis — que lançará, em 2023, o longa Nosso lar 2 — Os mensageiros (baseado em sucesso da coleção A vida no mundo espiritual) — buscou ouvir fontes primárias e informações que narrassem o homem e suas questões. A jornada sui generis de Chico implicou em certezas: "Você pode questionar o Chico pelos fenômenos, eventualmente, mas não há como negar as atitudes fraternas em benefício de seus semelhantes". Para o filme de 135 minutos, foram ouvidas mais de 80 pessoas. "É um exercício de síntese, mesmo assim. O Chico é muito grande, imensurável, pelo legado que deixou para o país", avalia. A cada 10 dias, no mínimo, Wagner recebe mensagem, muitas vezes do exterior, acerca do impacto de Nosso lar, que já alcançou mais de 40 países. As filmagens foram encerradas em junho passado.
Mesmo 20 anos depois da morte de Chico, na avaliação de Wagner, ele segue presente nas atitudes morais e no legado com mais de 500 livros, e "pelas inúmeras histórias pacíficas e em busca de uma sociedade onde todos fossem vistos com igualdade — inclusive igualdade espiritual —, uma atual lacuna". E, para o diretor, o que o momento político sinalizaria para os seguidores de Chico Xavier? "Que momentos políticos — e políticos — passam e o que fica são as suas, as nossas, atitudes pessoais, a forma de encararmos o mundo que queremos para todos. O que nos une — e o que Chico vivenciou — deve ser maior do que o que nos diferencia. Não há porta-vozes do Chico. Não há quem fale por ele. E, assim, ao menos para mim, conhecendo sua jornada, o que fica para as pessoas que também o conhecem, respeitam e entendem são as suas ações em benefício do semelhante", avalia.
Ecletismo
Depois do longa Predestinado — Arigó e o espírito de Dr. Fritz recentemente ter atraído quase 270 mil espectadores, envolvidos por enredo que trata de operações espirituais, quem também encampa temas de outro plano é o cineasta Marcos Pimentel, à frente do documentário Fé e fúria. "Não tenho religião. Respeito todas elas e acredito que a pluralidade de crenças religiosas é fundamental para a diversidade da cultura brasileira. Mesmo sem adesão a crença alguma, sempre tive muita convicção de que o respeito à diferença é algo que precisa ser perseguido e defendido com todas as forças", conta Pimentel, em entrevista ao Correio. Ao falar do filme feito na urgência, ele reitera: "Fé e fúria não é feito somente para evangélicos, umbandistas e candomblecistas, que são as religiões envolvidas nos conflitos que mostramos na tela. É um filme feito para quem se preocupa em entender o país onde vivemos e que quer ler e perceber camadas presentes por trás dos episódios que mostramos, que são capazes de revelar valores presentes na sociedade brasileira que influenciam de forma brutal a vida de todos nós", observa.
"É um dos desafios fundamentais filmar o inefável, revelar o que não se vê ou toca. A união destes elementos dentro do filme O santo de todos (que chegou às telas do Brasil, em lançamento combinado com os mercados chileno e argentino) se dá de modo concreto", comenta para o o diretor espanhol Pablo Moreno, ao Correio. Com o mérito de chegar ao concorrido mercado norte-americano com a fita, ele diz que a fita se manteve lá apenas por duas semanas, "diante da chegada de outras estreias com temas parecidos". No México, Pablo celebra o público superior a 10 mil espectadores. Permeado por referências à Virgem Maria e a Deus —, o novo filme do codiretor de Fátima, o último mistério (2017) investe em um personagem nem tão conhecido do grande público: Antônio Maria Claret.
Junto com conceitos abstratos, de tracejar transcendental, Pablo Moreno apostou em explicitar a corrente humanista que cercou o jesuíta, que, arcebispo de Cuba, teve o passado revisto, a partir do aprofundamento biográfico do católico que se posicionou contra a escravidão e manteve ações progressistas. "A melhor maneira de mostrar fé e, acima de tudo, o que não se vê é através dos atos cotidianos de grande valor, atos de desapego onde, muitas vezes, por amor, um pai ou uma mãe se sacrificam por seus filhos. Nisso estão as ações de grande importância para o grupo de referência (católico). Há atos elucidativos que reforçam elementos espirituais do filme, numa era em que Claret lutou pelos direitos humanos e pelo retorno da dignidade", pontua o diretor.
Pelo que aponta Pablo Moreno, filmes como O santo de todos se torna importante por revelar crenças comuns às pessoas, e que tocam campos espirituais. "No tocante à religião, de forma mais explícita, desponta um conceito do qual gosto: 'com conhecimento, nos tornamos compromissados'. Isso não diz respeito a evangelizar ou obrigar as pessoas a pensarem como nós. Trata-se de compartilhar experiências de vida que levam ao fortalecimento da civilização", diz Pablo.
O resgate da figura de Claret se dá quase concomitante à chegada do filme espírita Nada é por acaso (de Márcio Trigo, baseado na literatura de Zíbia Gasparetto) e ainda à exibição do documentário Purgatório, que traz visões de cientistas e teólogos. "Acho que a pandemia e as crises são um grande choque, elementos que nos abalam como seres humanos e nos fazem repensar questões. Quando as coisas estão boas, com favorecimento do plano econômico, nos preocupamos em ver muito pouco do tema espiritual e, menos ainda, com os outros. Acho que as crises nos trazem a oportunidade de nos provarmos mais generosos e de levarmos em conta aqueles que menos têm", opina Pablo Moreno. Depois de disponibilizar filmes como Coração ardente e O santo de todos, a produtora e distribuidora Kolbe, aposta as fichas para o relançamento de Duas coroas, em torno da devoção mariana de São Maximiliano Kolbe, mártir polonês que despontou na Segunda Guerra Mundial e, em 1982, foi canonizado por São João Paulo II. E
Entrevista // Marcos Pimentel, cineasta
Há como adotar neutralidade, lidando com temas tão espinhosos?
Não tem como ser neutro quando estamos diante de uma situação que agride, cerceia e violenta um grande número de pessoas. O filme Fé e fúria sempre teve um lado, que é o lado dos que estão sendo oprimidos de forma constante e ostensiva, no caso, os adeptos das religiões de matriz africana: umbanda e candomblé. Isso sempre foi muito claro.
Dentre a realidade apreendida com o documentário existiram descobertas?
Comecei o filme achando que estava fazendo apenas um documentário sobre casos de intolerância religiosa. Durante a pesquisa e o contato com os personagens, me dei conta de que não se tratava apenas disso. Percebi que estes casos possuíam muitas camadas e nos permitiam abordar aspectos muito mais profundos. Tratamos das relações obscuras entre religião e poder, tocando em valores que apontam para uma onda conservadora que paira sobre a sociedade brasileira.
No painel político atual, qual o significado de crenças e das forças religiosas?
Religião e poder sempre caminharam de mãos dadas. Neste momento, a pauta religiosa está inflamada pelo processo eleitoral e as chamas só aumentam. O filme chega para o público no melhor momento possível. Precisamos conversar e debater esses temas, porque disso depende nosso futuro como nação. O filme fala de nós e do tempo em que vivemos e pode nos ajudar a refletir mais sobre os agentes envolvidos no processo eleitoral que experimentamos. Enxergamos a forma como um destes lados estruturou seu discurso em cima de pautas que pairavam sobre a sociedade brasileira em 2018, que foram potencializadas durante os últimos quatro anos e chegaram exacerbadas na eleição de 2022.
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