Música

Mônica Salmaso e André Mehmari cantam Milton Nascimento em disco

Cantora paulista e o pianista André Mehmari lançam disco em homenagem ao principal nome do Clube da Esquina cheio de canções sensíveis e oportunas

Milton Nascimento completou 80 anos na última quarta-feira (26/10). A data vem sendo celebrada de diversas formas. Shows, especiais de televisão, lançamento de livro e manifestações de afeto da parte de colegas de ofício e de artistas de outros segmentos nas redes sociais — as homenagens se proliferaram.

Outra reverência vem por meio de disco, gravado por uma das mais expressivas intérpretes da MPB contemporânea, a paulista Mônica Salmaso, acompanhada pelo virtuoso pianista André Mehmari. Milton é o nome do álbum que a Biscoito Fino fez chegar às plataformas digitais no dia do aniversário do cantor.

"A música de Milton Nascimento está entranhada na alma do povo brasileiro, é a trilha sonora do país há várias décadas. A atemporalidade de sua obra é tal, levando a crer que, de uma certa forma, ela sempre esteve presente nas ruas e nas matas brasileiras, mesmo antes de ele existir", exalta Mônica.

Quando se reuniram durante o período de isolamento, determinado pela pandemia, a cantora e o pianista — parceiros há muitos anos — tinham em mente gravar um trabalho, intitulado Quarentena. Isso ocorreu e o CD está veiculado no YouTube. O repertório traz Morro Velho, uma das canções mais antigas de Milton Nascimento.

Sensibilizados com a mensagem daquela música, Mônica e Mehmari decidiram fazer Milton. "Ficamos profundamente tocados com a mensagem que aquela música nos trazia e o que elas trouxe em nós mesmos como artistas. De modo que, quando surgiu a ideia de fazer um especial dedicado a um único autor, pensamos imediatamente no Milton", ressalta o pianista.

Segundo os dois, a seleção das canções para o disco ocorreu de forma natural. Mesmo sendo profundo conhecedor da obra de Milton, Mehmari deu autonomia para que Mônica escolhesse o que gostaria de cantar. A única solicitação dele foi a inclusão de Paixão e fé, parceria do compositor com Tavinho Moura e Fernando Brant.

Na abertura ouve-se A lua girou, adaptação de Milton para um tema tradicional. Dele e Fernando Brant há Saudades dos aviões da Panair, Milagre dos peixes, Credo, com citação de San Vicente. Noites do sertão é outra parceria com Tavinho Moura. A elas se juntam Paula e Bebeto, feita com Caetano Veloso; Casamiento de negros (tradicional, adaptação de Violeta Parra) e Canção amiga, poema de Carlos Drummond de Andrade musicado por Milton.

De acordo com Mônica Salmaso o processo de gravação foi muito rápido, gravado num único dia, 14 de dezembro de 2020, no estúdio Monteverdi, em São Paulo. Além de piano, André Mehmari toca marimba de vidro. Teco Cardoso (marido da cantora) é o único músico convidado. Ele toca sax soprano em Milagre dos peixes e flauta em A terceira margem do rio.

 

Entrevista /Mônica Salmaso

Na sua avaliação, qual é a importância de Milton Nascimento para a música popular brasileira?

Milton é o Brasil nas suas misturas. Ele traz a ancestralidade mais profunda, misturada com todas as linguagens musicais. Ele (com seus parceiros) escreve sobre o Brasil, sua fé, sua desigualdade e também sua força. E carrega na sua voz, em tudo que canta, uma força de Terra Mãe. Ouvir Milton é da ordem do religioso.

Enquanto cantora, quando se deteve sobre a obra de Milton?

Cresci ouvindo Milton, Chico, Caetano, Gil, Dorival Caymmi. E essa lista se ampliou a partir do meu amor à música brasileira que eles me deram. Milton foi uma escuta impactante desde sempre, pela força da sua voz. Não há quem não se emocione com ela. Ou não pode haver!

Você havia gravado música do líder do Clube da Esquina em algum dos seus discos?

Não tinha gravado ainda, apesar de ter cantado muitas delas e de ter gravado Beatriz (Edu Lobo / Chico Buarque) que é uma música que nasceu "definitiva" na voz do Milton.

A decisão de gravar Milton, para celebrar os 80 anos do compositor, partiu da intérprete ou da fã?

A decisão foi das "duas" a partir da pandemia. Estávamos em isolamento, (eu e o Teco Cardoso no interior de SP e o André na casa dele na Cantareira) sentindo muita falta de fazer música de forma presencial. Eu estava produzindo os vídeos do Ô de Casas, sempre à distância e o André fazendo projetos solo no estúdio dele. Decidimos fazer um encontro no estúdio, somente nós três para uma sessão de gravação, da qual nasceu o conteúdo que mostramos no YouTube chamado Quarentena. Nele, gravamos a canção Morro Velho e nos emocionamos tanto com ela, que nasceu a vontade de fazer um encontro seguinte dedicado ao Milton.

Diante de um acervo musical tão rico, qual foi o critério para a definição do repertório?

O André (Mehmari), muito fã da obra do Milton, disse que eu poderia escolher o que quisesse cantar porque ele adorava tudo. Eu fiz um mergulho pela obra inteira, revisitei músicas que não escutava há muitos anos. Fiz uma lista grande de escolhidas e fomos apurando. Algumas músicas chegaram naquele momento como muito necessárias para serem cantadas: Credo, Paula e Bebeto... Cantar Drummond, homenagear Guimarães Rosa... Estávamos precisando demais deste Brasil poético, rico em beleza, libertário e cheio de força.

O que a levou a deixar de lado canções consagradas pelo público?

Não deixei de lado. Paula e Bebeto é uma delas, não é? Eu não faço esta distinção entre canções mais ou menos conhecidas. Para mim, todas têm peso igual na formatação de um novo trabalho. Quem "decide" é o próprio trabalho, a partir dos afetos, dos instrumentos, das personalidades musicais de quem toca, do momento em que vivemos e do que queremos dizer com o trabalho.

Como descobriu Canção amiga, poema de Drummond musicado por Milton?

Tenho adoração por ela desde a primeira vez que escutei há muitos anos.

Entre as canções escolhidas as que remetem a algum momento marcante de sua trajetória artística ou da sua vida?

Há canções que remetem a tempos distantes da minha vida, quando eu nem imaginava que pudesse vir a ser cantora. Algumas me levaram às casas onde eu morei, como viagens no tempo. Mas cantá-las a partir deste momento fez enorme diferença. Elas eram músicas atemporais que passaram a ser temporais!

O que representou para seu trabalho a retomada da parceria com o virtuoso pianista André Mehmari?

Nosso duo existe desde 2003, portanto quase 20 anos de convivência musical. Temos uma grande intimidade de criação conjunta, nos conhecemos musicalmente. Isso é uma maravilha! Ele, com sua infinita criatividade e mãos que respondem a todas as suas ideias, eu, com minha forma de cantar e oferecer as canções. É uma experiência linda do fazer musical. Faltava a gente ter um disco juntos. E é lindo que o disco seja este porque foi feito em um momento muito importante e necessário pra gente.

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