Jornal Correio Braziliense

Entrevista com Zélia Duncan

Você iniciou a carreira artística em Brasília há 40 anos, enquanto artista. Que importância atribui ao período em que viveu aqui?

Brasília é um pedaço fundamental da minha história. Além de ter descoberto que tinha uma voz para cantar, Brasília me deu o espaço que eu precisava para praticar. Foi o meu mais precioso test drive, porque eu comecei a cantar muito jovem. Quando mandei aquela fita para a Funarte, com o Marcelo Sabá, eu tinha 16 anos. Fazem 41 anos daquele maio de 1981, que inclusive conheci você. Você veio e disse pra mim: 'você está pronta'. E aquilo foi muito importante pra mim. Mas até hoje não me sinto pronta, porque tenho muito a aprender a viver. Mas Brasília incentivou. Tive a oportunidade de cantar com a Orquestra da Escola de Música; cantei com o Quinteto Instrumental; cantei com Marco Pereira e Elenice; cantei muito à noite. Foi fundamental para mim estar em Brasília. Participar do musical de Oswaldo Montenegro, conhecer Cássia Eller, e isso só aconteceu por eu estar em Brasília. Além de Cássia, estive com vários músicos que estão até hoje na minha vida: Nelson Faria, que hoje está no Rio, Jorge Helder, Lula Galvão. Gravei um dos álbuns mais importantes da minha vida, que se chama Eu me transformo em outras, com Marco Pereira, Hamilton de Holanda e Gabriel Grossi, três caras que são de Brasília. Marco é paulista, mas o conheci na capital. Brasília, se não está no meu DNA biológico, certamente está no meu DNA artístico.

O que a levou a escrever o Benditas coisas que eu não sei?

É um livro que eu tava, de alguma maneira, me devendo. Junto com o canto, veio logo também a escrita, que estava entre os meus amores, as coisas que amo fazer. Eu sempre escrevi minhas músicas e também outras coisas. Talvez você não saiba, mas eu escrevi muitos dos meus releases de shows e eventos em Brasília. Depois que fiquei mais conhecida, escrevi ainda release e textos para vários colegas meus. Escrevi release para Rita Lee, Pepeu Gomes, Elba Ramalho. Estou escrevendo o release do álbum novo de Olívia Hime. Depois escrevi, por dois anos, para o jornal O Globo, como colunista. Sou roteirista do Prêmio da Música Brasileira há cinco anos. Este vai ser o sexto ano. Então, escrever para mim é tão importante quanto cantar. Estava me devendo este livro, porque eu queria colocar algumas conversas no papel. O Bendita é isso. São conversas com as pessoas. Tem alguns fatos, lembranças e memórias. Por exemplo, quando cantei pela primeira vez na Funarte, em Brasília, quando a gente perdeu Cássia. Mas eu converso muito sobre a voz, silêncio e música. Falo de alguns cantores, conto de alguns projetos. Eu quero muito que as pessoas tenham prazer em ler. É uma leitura leve e eu tive muita alegria em escrever esse livro. E é uma frase de uma música minha com Mart'nália, chamada Benditas.

Com atuação relevante nas redes sociais, onde tem incontáveis seguidores, como militante do segmento LGBTQIA , que contribuição acredita estar dando à causa?

A contribuição é um caminho. São as escolhas que eu faço, as minhas atitudes. Faço o que minha cabeça e meu coração mandam. Não conseguiria deixar de me colocar. E isso é o que eu vou continuar fazendo. Espero que isso possa aliviar muita gente, na medida em que dou depoimentos do quanto gosto de ser eu, do quanto essa luta para gente existir, se visibilizar e ganhar respeito é importante. Isso está em tudo o que eu faço. Enquanto eu viver esta causa vai estar comigo, com muito orgulho e firmeza, querendo encontrar as pessoas e abraçar as pessoas.

Com o país vivendo um momento tenso às vésperas da eleição, que expectativa faz em relação ao futuro do país?

Não dá pra falar de futuro no Brasil antes do dia 30 de outubro. Esse dia, provavelmente, vai acontecer a decisão mais importante do Brasil. O Congresso já foi escolhido. De um modo geral é uma temeridade, mas ao mesmo tempo tem muitos avanços. Tem gente importante que conseguiu entrar. Um pouquinho mais de mulheres, falta muito ainda, assim como mais do povo negro, mais mulheres trans. Temos Marina Silva de volta, Guilherme Boulos com uma votação expressiva, temos duas indígenas... Mas o futuro do Brasil a gente vai saber no dia 30. Espero que o Brasil se escolha, porque o que está em jogo não é Lula e Bolsonaro, mas nosso futuro, a gente preferir escolher a evolução, a civilidade e o lado mais humano dessa história, que a gente sabe muito bem qual é.