Diálogos contemporâneos, projeto ligado à literatura, chega à quinta edição tendo convidado escritores de diferentes gerações. Desde o mês de setembro, o auditório do Complexo do Museu da República, na Esplanada dos Ministérios, apresenta nomes de destaque das artes brasileiras. Hoje, às 19h, a convidada é a cantora, compositora e produtora fluminense-brasiliense Zélia Duncan; enquanto amanhã, no mesmo horário, quem marca presença é o memorialista e dramaturgo paulistano Marcelo Rubens Paiva.
Zélia Duncan, que iniciou a trajetória musical em Brasília, há 40 anos, sempre manteve laços estreitos com a capital federal. Em sua participação no projeto, a artista fará uma palestra em que abordará o tema Afetividade na tradição musical e na literatura brasileira. A mediação será do sociólogo e ex-ministro da Cultura Juca Ferreira.
"Não farei propriamente uma palestra. A ideia é uma conversa, um diálogo com o público", adianta Zélia, que lançou neste ano o livro Benditas coisas que eu não sei — Músicas, memórias, nostalgia felizes, lançamento da Editora Agir. A conferência tem como proposta uma reflexão sobre sentimento. "O afeto, especialmente neste momento, tem sido um imenso desafio para todos nós, tanto para exercitá-lo quanto para enxergar nossa qualidade, nossa potencialidade", ressalta a cantora. "Este é um momento também de fortalecer o combate à escalada de discursos e ódio na sociedade. A cultura é nossa arma e nosso escudo".
Marcelo Rubens Paiva, o palestrante de amanhã, autor do clássico contemporâneo Feliz ano velho, vai discorrer sobre memória e literatura, tendo como mediadora a escritora Teresa Cruvinel. O autor pop, é detentor de três prêmios Jabuti e um da Academia Brasileira de Letras.
Outros dos seus livros são O homem ridículo (2019), Serie — O Livro (2021) e Do começo ao fim (2022). "Eu faço autobiografia desde que comecei a escrever e está também na história que aconteceu comigo", diz Marcelo. "Nesse momento de muita desesperança, pouca crença na humanidade, é fundamental falar de coisas importantes como o amor", complementa.
Entrevista com Zélia Duncan
Você iniciou a carreira artística em Brasília há 40 anos, enquanto artista. Que importância atribui ao período em que viveu aqui?
Brasília é um pedaço fundamental da minha história. Além de ter descoberto que tinha uma voz para cantar, Brasília me deu o espaço que eu precisava para praticar. Foi o meu mais precioso test drive, porque eu comecei a cantar muito jovem. Quando mandei aquela fita para a Funarte, com o Marcelo Sabá, eu tinha 16 anos. Fazem 41 anos daquele maio de 1981, que inclusive conheci você. Você veio e disse pra mim: 'você está pronta'. E aquilo foi muito importante pra mim. Mas até hoje não me sinto pronta, porque tenho muito a aprender a viver. Mas Brasília incentivou. Tive a oportunidade de cantar com a Orquestra da Escola de Música; cantei com o Quinteto Instrumental; cantei com Marco Pereira e Elenice; cantei muito à noite. Foi fundamental para mim estar em Brasília. Participar do musical de Oswaldo Montenegro, conhecer Cássia Eller, e isso só aconteceu por eu estar em Brasília. Além de Cássia, estive com vários músicos que estão até hoje na minha vida: Nelson Faria, que hoje está no Rio, Jorge Helder, Lula Galvão. Gravei um dos álbuns mais importantes da minha vida, que se chama Eu me transformo em outras, com Marco Pereira, Hamilton de Holanda e Gabriel Grossi, três caras que são de Brasília. Marco é paulista, mas o conheci na capital. Brasília, se não está no meu DNA biológico, certamente está no meu DNA artístico.
O que a levou a escrever o Benditas coisas que eu não sei?
É um livro que eu tava, de alguma maneira, me devendo. Junto com o canto, veio logo também a escrita, que estava entre os meus amores, as coisas que amo fazer. Eu sempre escrevi minhas músicas e também outras coisas. Talvez você não saiba, mas eu escrevi muitos dos meus releases de shows e eventos em Brasília. Depois que fiquei mais conhecida, escrevi ainda release e textos para vários colegas meus. Escrevi release para Rita Lee, Pepeu Gomes, Elba Ramalho. Estou escrevendo o release do álbum novo de Olívia Hime. Depois escrevi, por dois anos, para o jornal O Globo, como colunista. Sou roteirista do Prêmio da Música Brasileira há cinco anos. Este vai ser o sexto ano. Então, escrever para mim é tão importante quanto cantar. Estava me devendo este livro, porque eu queria colocar algumas conversas no papel. O Bendita é isso. São conversas com as pessoas. Tem alguns fatos, lembranças e memórias. Por exemplo, quando cantei pela primeira vez na Funarte, em Brasília, quando a gente perdeu Cássia. Mas eu converso muito sobre a voz, silêncio e música. Falo de alguns cantores, conto de alguns projetos. Eu quero muito que as pessoas tenham prazer em ler. É uma leitura leve e eu tive muita alegria em escrever esse livro. E é uma frase de uma música minha com Mart'nália, chamada Benditas.
Com atuação relevante nas redes sociais, onde tem incontáveis seguidores, como militante do segmento LGBTQIA , que contribuição acredita estar dando à causa?
A contribuição é um caminho. São as escolhas que eu faço, as minhas atitudes. Faço o que minha cabeça e meu coração mandam. Não conseguiria deixar de me colocar. E isso é o que eu vou continuar fazendo. Espero que isso possa aliviar muita gente, na medida em que dou depoimentos do quanto gosto de ser eu, do quanto essa luta para gente existir, se visibilizar e ganhar respeito é importante. Isso está em tudo o que eu faço. Enquanto eu viver esta causa vai estar comigo, com muito orgulho e firmeza, querendo encontrar as pessoas e abraçar as pessoas.
Com o país vivendo um momento tenso às vésperas da eleição, que expectativa faz em relação ao futuro do país?
Não dá pra falar de futuro no Brasil antes do dia 30 de outubro. Esse dia, provavelmente, vai acontecer a decisão mais importante do Brasil. O Congresso já foi escolhido. De um modo geral é uma temeridade, mas ao mesmo tempo tem muitos avanços. Tem gente importante que conseguiu entrar. Um pouquinho mais de mulheres, falta muito ainda, assim como mais do povo negro, mais mulheres trans. Temos Marina Silva de volta, Guilherme Boulos com uma votação expressiva, temos duas indígenas... Mas o futuro do Brasil a gente vai saber no dia 30. Espero que o Brasil se escolha, porque o que está em jogo não é Lula e Bolsonaro, mas nosso futuro, a gente preferir escolher a evolução, a civilidade e o lado mais humano dessa história, que a gente sabe muito bem qual é.
Entrevista com Marcelo Rubens Paiva
Escritor, dramaturgo, roteirista, qual desses ofícios lhe traz mais contentamento de exercer?
Gosto de escrever peças de teatro, roteiros, livros, todos me dão um prazer imenso, são diferentes mas parecidos: falam de pessoas, contam história, nos fazem refletir.
Que importância atribui no espectro de sua obra o best-seller Feliz ano velho?
Feliz Ano Velho me abriu as portas para essa carreira maravilhosa, me fez conhecer gente e o mundo.
Como avalia a adaptação de seus livros para o cinema e o teatro?
É curioso como minha obra reverbera em outros gêneros. Fico feliz de saber que outros artistas queiram adaptá-las, e quase sempre são bem sucedidas.
Filho de um deputado assassinado pela ditadura militar, qual é sua visão do momento político-institucional do país às vésperas da eleição de segundo turno?
O momento pede que todos nós defendamos a democracia, pensemos no que é melhor pro Brasil. Ditadura é o pior dos cenários, minha família é a prova disso.