Novas visões de sociedade estão na mira da cineasta Laura Diniz, que, ao lado da irmã Daniela, tem conciliado narrativas que unem medo e ironia para chacoalhar percepções consolidadas nos espectadores. "Temos bandeiras como o protagonismo feminino na frente e por trás das câmeras. Num recente trabalho, o curta Ocorrência, tivemos 70% de mulheres envolvidas", observa Laura. Contempladas pelo edital do Fundo de Amparo à Cultura (FAC) para a realização de longa (Dia útil, com metade dos custos assegurados), ambas trarão o fruto de trabalho junto ao núcleo criativo Realize. Content, ao lado de Catarina Accioly e Teidy Hanada. A leva de cineastas atuantes na cidade tem registro crescente, como apontam os filmes em andamento (ou prontos) assinados por Carina Bini, Dácia Ibiapina, Rafaela Camelo, Patrícia Colmanero, Marisa Arraes, Nathalya Brum, Carolina Mote Rosa e Juliana Corso, entre outras.
"As mulheres, assim como as demais minorias, têm lutado incessantemente para ocupar mais espaços nas cabeças de direção dos projetos audiovisuais. Houve avanços, mas não foi superando ainda nem a marca dos 20% em comparação com o universo explorado pelos homens", analisa Daniela Diniz, que, interessada por textos e dramaturgia, cursou direção de cinema na New York Film Academy. Alinhada ao desenho, à dança e às artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB), Laura conta que, no desenvolvimento das obras audiovisuais, cultiva amplas referências do artista visual e arquiteto Friendensreich Hundertwasser. Com inspiração em artistas como Ana Maria Tavares e Adriana Lodi, Daniela reforça que busca novos públicos em thrillers e fitas de ação dispostas à proposição de equidade social e de gênero.
Dia útil, como ela adianta, será um terror sociopolítico voltado para discussão da violência doméstica no Brasil — "o quinto país com mais feminicídio no no ranking da ONU". Confira, a seguir, carreira e obra de outras diretoras com atuação em Brasília.
Visão internacional
A entrada de diferenciadas diretoras no mercado, “apesar das dificuldades”, tem feito a alegria da diretora Renata Diniz. “Me deixa bem feliz ver uma nova geração trazendo temas importantes como política e o preenchimento da lacuna nas narrativas negras”, avalia. “Hoje, se explora com mais profundidade o protagonismo feminino com diversas questões”, comenta a premiada diretora que mora na Vila Planalto. Com o curta O véu de Amani (2019), ela obteve o Kikito de melhor roteiro no Festival de Gramado, além de recebido o prêmio de melhor filme no Los Angeles Brazilian Film Festival, enquanto, o anterior, Requília (2013) faturou reconhecimento no San Diego Internacional Kids Film Festival, e, ainda na Mostra Brasília, além de ter vencido o Guarnicê (Maranhão).
Formada em publicidade, antes mesmo da faculdade, Renata integrava curso de cinema, e participava de mostras pelo Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul), ia às sessões no extinto cinema da Academia de Tênis e nunca deixou de prestigiar o Festival de Brasília. Enquanto formata o roteiro da pretendida estreia em longa, com Rodante, Renata vê dois documentários dos quais fez o roteiro ganharem forma: Xerifes ao mar (Cláudia Daibert) e Jardim Piloto (Dani Azul).
Giro das emoções
Na observação da diretora e atriz Catarina Accioly, fazer cinema demanda valentia. “Muito mais, se você for mulher — fato é que temos que nos afirmar, e lutar por espaço, a todo tempo. Isso repercute demais no trabalho e na vida de todas nós”, completa. Catarina, nunca esquece de uma depreciativa crítica que tachava sua estreia na direção (Uma questão de tempo, de 2006), como “um filme menstruado”. “Comecei a dirigir num período em que o percentual de mulheres dirigindo, escrevendo e colocando suas histórias na tela era muito pequeno. Nunca vou dizer que é fácil; seria vender uma ilusão”, comenta.
Pernambucana, filha de funcionários públicos, Catarina chegou à capital por causa do trabalho do pai. No cenário, conta que o cinema e o teatro sempre lhe pareceram locais “onde a existência ganhava tons encantadores, mágicos”. Nisso, a nova empreitada em cinema se esparrama: o documentário Rodas de gigante, que ela descreve como “um improviso poético” sobre o multi-artista uruguaio-candango Hugo Rodas, “maestro e influenciador de uma grande parte de artistas do DF e de outras paragens latinas”.
Até 2018, quando abriu a Stelios Produções, Catarina Accioly acumulava rápida pelo curso de economia, isso antes de fazer artes cênicas, na UnB, em 1992. Entre teatro e audiovisual, ela contabiliza parceria com Gustavo Galvão, e, ao lado de Iberê Carvalho, conduziu o curta Entre cores e navalhas, integrado a mais de 50 festivais, por 20 países. Apaixonada pela construção cinematográfica, e depois de anos transitando em cursos de audiovisual, Catarina assinou o curta A obscena senhora D, com roteiro adaptado da obra de Hilda Hilst, e que rendeu seu grande papel no teatro, Hillé, a famosa senhora D, um alter-ego de Hilst.
Dos anos passados, trabalhando como diretora e roteirista de tevê pública, ela absorveu o gosto pela linguagem documental, e o aprendizado de criar com escassos recurso e de enfrentar intempéries nos interiores do país, entre obstáculos e impedimentos. A “imersão esplêndida” nas artes foi acirrada pelos estudos na escola cubana de San Antônio de Los Baños. Na atuação para a telona, a atriz nunca esquece a empreitada com Cássio Pereira dos Santos, diretor de Sobre quando não se tem nada a dizer, um curta que lhe rendeu “muitas alegrias” e também o retorno, em New Life S.A., posterior à maternidade. Enquanto se esforça na rota — Catarina esteve em recente contato com a premiada Anna Muyllaert, a fim de receber consultoria para o projeto de suspense psicológico Ourives —, a diretora encampa a missão de criar roteiros com protagonistas “mulheres ou LGBTQ+, em poéticas lutas”.
Arquitetura da imagem
A formação da cineasta Denise Vieira diz muito da elaboração visual da mestre em arquitetura, pela UnB, que acalenta projetos que vão desde a concepção de melhorias para camelôs concentrados no centro de Ceilândia até o roteiro do longa Pisa manso, couro grosso, que trata da relação íntima entre uma benzedeira de meia-idade e a cidade que ela habita. Sem imaginar que um dia trabalharia com cinema, Denise fez filmagens aéreas, antes da perceber a interferência do poder público na remoção do comércio informal na Ceilândia. Atuante, inicialmente, no cinema na direção de arte de uma penca de filmes, entre os quais muitos de Adirley Queirós, Denise, em 2006, foi “puxada pelo braço”, como ela diz, pelo cineasta Cássio Pereira dos Santos (recentemente falecido), e levada para a sétima arte.
“No cinema, a relação entre a cidade, o feminino e a sexualidade, me interessa, desde o meu primeiro curta, Meio fio (2014) — isso está ainda no curta que atualmente monto (A mulher da noite) e ainda no longa que devo filmar em 2023, A mulher no quarto ao lado”, conta a cineasta, altamente influenciada por Cássio e Adirley. Como diretora de arte, Denise realizou 10 projetos de curtas sete longa metragens, em parcerias com as diretoras Dácia Ibiapina e Joana Pimenta e com diretores de fotografias como Leonardo Feliciano, Arauco Hernandez e Dani Azul.
Temas como a solidão feminina (presente em Meio fio) devem retornar nas obras de Denise, observadora de personagens ligadas à prostituição (tema correlato ainda a pesquisas). “O exercício de como colocar corpos em cena, de como filmar o sexo, de como trazer para personagens a potência e o domínio sobre o corpo e sobre o desejo do outro me estimula”, conta a diretora. Enquanto finaliza A mulher da noite, no qual teve à disposição a “grande atriz, cantora, performer e poeta da Ceilândia” Pietra Sousa, Denise urde o roteiro de A mulher no quarto ao lado, desenvolvido dentro do Núcleo Criativo Ceicine e que mostra um futuro em que a prostituição é regulamentada. Outro objetivo está no comando de uma oficina de direção de arte, para 2023.
No berço, a história
Antes mesmo de, aos 19 anos, ir estudar teatro na Itália, na romana Accademia Internazionale di Teatro Circo a Vapore — que a afiou no improviso, e no trabalho corporal, junto com a dança —, a diretora, roteirista e atriz Cibele Amaral estava em peças de Fernando Villar e dos irmãos Guimarães. Ainda criança, a futura diretora de longas como Um assalto de fé (2011) adaptou feitos de Dom Bosco e parte da literatura de Monteiro Lobato para encenações infantis. Cibele tateava o contato com a veia dramatúrgica, mas, no senso comum, os elogios sempre eram para a “ótima atriz”. Antes de recentes trabalhos com diretores como Douro Moura, Santiago Dellape e Thiago Foresti, Cibele Amaral passou pela experiência de dirigir a si mesma, no premiadíssimo curta Momento trágico (produzido por José Eduardo Belmonte) e Um assalto de fé. “Penso que meu maior reconhecimento como atriz ainda está por vir”, avalia, mesmo diante do confesso “orgulho”, pela encenação em Subterrâneos (2000).
Cursos de roteiro e direção, um deles com a “inspiradora” Suzana Amaral e outro na Rai italiana, seguiram dando cancha para a diretora que atualmente tem o longa Rir pra não chorar projetado nos cinemas. “Estar nas salas de cinema virou artigo de luxo, daí o sucesso ter acontecido. Passo pelo momento de nutrição, de ouvir elogios, de ver as pessoas saindo felizes e emocionadas dos cinemas”, comemora Cibele, que, agora, formada em psicologia, acha tempo para estudar direção de arte e fotografia. Isso numa conjuntura em que finaliza dois longas: Ecoloucos e O socorro não virá.
Com o lançamento da ficção científica O socorro não virá previsto para 2023, a amante do gênero adianta ter apostado na mistura “comédia e lowfi” para o longa que tem traço “psi” forte: “falo de um autor narcisista que coloca sua obra acima das pessoas”. E Cibele teria uma marca autoral? “Acho que meus filmes são bem psicologizados. Estou buscando cada vez mais me conectar com o sofrimento, com questões sociais; a masculinidade tóxica é tema de um projeto que quero muito realizar, e o abuso norteia outro projeto”.
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