Um documentário sobre David Bowie que fizesse jus ao camaleão jamais poderia ser linear, com narrativa convencional e sequências previsíveis. Isso é tudo que Bowie não era. Felizmente, Moonage Daydream nada tem de tradicional. O filme de Brett Morgen que estreia hoje nos cinemas é um mergulho no universo Bowie inteiramente narrado pelo cantor e compositor, uma experiência imagética muito mais que um filme. Montado com dezenas de trechos de entrevistas, shows e imagens inéditas, o longa convida o público a se perder na mente genial do criador de Ziggy Stardust.
Bowie gostava de estar no limite, se isolava radicalmente para poder se perder em si mesmo. Descobre-se tudo isso em Moonage Daydream pela voz do próprio Bowie. Morgan não ouviu terceiros e preferiu trechos de entrevistas do pai do glam-rock, algumas inéditas, a maioria suficiente para delinear o personagem.
Assim como havia feito em Kurt Cobain: montage of heck, em 2015, optou por recursos cinematográficos como colagens e montagens. No filme sobre o vocalista do Nirvana, Morgen utiliza vídeos caseiros e animação. Em Moonage Daydream, opta por colagens de cenas de clássicos do cinema intercaladas com as falas de Bowie.
Há momentos desconcertantes, como a entrevista concedida em figurino de Ziggy Stardust na qual admite se proteger do amor e da paixão para que não roubem tempo do trabalho, ou quando, anos mais tarde, admite ter "aversão" a essa declaração. "Queríamos criar o século 21 em 1971", explica Bowie, à certa altura, para, em outra entrevista, dizer que se sente "à deriva" e "distante de tudo" no mundo.
O material é tão rico que Morgen consegue dar conta do personagem e de todas as suas fases. O importante não é explicar cada uma, mas o que movia Bowie. "Quero que as pessoas gostem do que gosto, em vez de dar a elas o que gostam", explica o autor de Space oddity, que sempre quis entender o quão perto do "limite" poderia chegar, como poderia "expandir os horizontes". Mutante na arte, Bowie também evitava situações confortáveis na vida. Experimentou a pintura, o cinema, o teatro, a Broadway, a confecção de vídeos e animações, mas também vários tipos de deuses, crenças e filosofias. Podia começar a semana com Nietzsche e terminá-la com Buda ou com os deuses gregos. Não acreditava em Deus, mas tinha certeza de que parte do humano não era terrestre. E , sobretudo, dizia ter pavor do convencional, do estabelecido, do "meio da estrada", do normal. Preferia aqueles que "têm a integridade de operar fora do sistema".
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