Saias, sombras nos olhos, unhas pintadas e decotes fazem parte do guarda-roupa de Harry Styles. O cantor britânico ganhou popularidade mundial ao fazer parte da ex-boy band One Direction, entre 2010 e 2016. Desde que lançou o primeiro álbum solo, em 2017, Harry adotou um estilo de se vestir diferente do que ele usava e do que era esperado por uma sociedade que determina — ainda — o gênero de roupas. Por isso, ele foi definido pelos fãs como uma pessoa queer.
O queer é, de acordo com o coordenador do curso de pós-graduação em cultura e sociedade da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Leandro Colling, um termo criado pela sociedade europeia e estadunidense para definir pessoas, na maioria LGBTQIA+, que começaram a adotar outras formas de se vestir e se portar diferentes do gênero. O termo, em tradução literal, significa estranho, esquisito, excêntrico.
Alvo do preconceito, os membros da comunidade LGBTQIA+ decidiram, liderados por ativistas e estudiosos da época no fim da década de 80, se apropriar do termo e usá-lo de maneira positiva. Dessa forma, frases de ordem como “Yes, we’re queer!” passaram a ser utilizadas em protestos.
“A proposta é dar um novo significado ao termo, passando a entender queer como uma prática de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas”, define Colling no artigo Teoria Queer publicado no Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura.
A essência do termo queer é exemplificado na postura de Harry: agir em contraponto a heteronormatividade — um conceito usado para definir uma ordem cultural e de pensamento que define o que é aceito socialmente a partir do olhar heterossexual, como roupas e acessórios para homens e mulheres; brincadeiras infantis de menino e de menina, relacionamentos monogâmicos ou apenas entre homens e mulheres, entre outras normas.
Além disso, os fãs LGBTQIA+ de Harry o colocaram em um lugar de exemplo queer não só pelas roupas, mas também pela postura do cantor em não querer se definir em um gênero ou afirmar ter uma orientação sexual definida — pessoas queers também podem ser aquelas que se definem como gênero fluído ou de sexualidade fluída.
“Mesmo que o masculino e o feminino existam, seus limites são o tema do jogo. Não precisamos mais ser isso ou aquilo. Acho que agora as pessoas estão apenas tentando ser boas. Na moda e em outros campos, esses parâmetros não são mais tão rigorosos quanto antes e dão origem a uma grande liberdade. É estimulante”, disse o cantor em 2019 ao ser entrevistado pela revista L’Officiel.
A fala do cantor se parece muito com a de teóricos da cultura queer. "Ser queer é entrar e celebrar o espaço lúdico de uma indeterminação textual”, afirma o professor Colling ao se referir ao pesquisador Donald Morton.
De exemplo queer a queerbaiting: o que fizeram os fãs mudar de opinião
Até então, Harry Styles era admirado pelos fãs por assumir uma postura queer — mesmo ao obter sucesso sendo um garoto nos "padrões comuns" em One Direction.
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No entanto, a postura de Harry passou a ser questionada há poucos meses e as críticas estouraram nas últimas semanas nas redes sociais. Desde abril, o cantor foi tenta evitar comentar sobre relacionamentos e sobre as preferências amorosas. “Eu tenho sido muito aberto com meus amigos, mas essa é minha experiência pessoal”, disse à revista Better Homes & Gardens.
juro esse harry styles é tãooo insuportável o rei do pink money e do queerbaiting pic.twitter.com/K6f7oJlEYS
— marya (@benedictfilms) August 24, 2022
Os fãs dele inundaram as redes sociais de críticas sobre o artista não querer se posicionar e trazer o fortalecimento para a comunidade LGBTQIA+. O cenário piorou quando, em maio, admitiu um relacionamento sério com a atriz Olivia Wilde. Os fãs afirmam que, apesar de ter um discurso queer, Harry só assumiu relacionamentos públicos com mulheres.
Em 22 de agosto, as redes sociais explodiram críticas contra o cantor após, em uma entrevista à Rolling Stone sobre o novo filme que participa, My Policeman. Na trama, Harry é um policial casado, mas se envolve com um colega de corporação. Na entrevista, Harry diz que “não é uma história gay sobre caras serem gays”.
“Acho que todo mundo, inclusive eu, tem sua própria jornada para descobrir a sexualidade e ficar mais confortável com isso. Não é como 'Esta é uma história gay sobre esses caras serem gays.' É sobre amor e sobre perda de tempo para mim”, disse.
A frase foi criticada principalmente pela comunidade LGBTQIA+, que apontou o artista enquadrando os relacionamentos casuais entre homens como algo “sem ternura” e, assim, menos dignos de respeito e de representatividade, já que “ninguém se refere assim a cenas de sexo casuais em obras audiovisuais entre homens e mulheres”.
A discussão deu início a acusação de Harry fazer queerbaiting, prática definida pelo Urbam Dictionary como um artista ou uma produção audiovisual utiliza a estética fluída dos queer para angariar atenção e apoio financeiro da comunidade LGBTQIA+, mas sem se identificar pessoalmente com a causa.
Para os críticos do cantor, Harry utilizou as roupas, unhas e o discurso sobre não definição de gênero e sexualidade para ter a atenção e se diferenciar no mundo pop, mas sem realmente se identificar como parte da comunidade.
“Quando criticamos o comportamento de alguém como 'queerbaiting', no entanto, estamos afirmando um ponto sobre suas intenções e não apenas suas ações. Na verdade, estamos acusando que eles estão abusando deliberadamente de seu privilégio e até mesmo nos enganando sobre sua própria compreensão de si mesmos para atrair atenção e até se beneficiar social e financeiramente dessa atenção. Pode ser que eles estejam, de fato, fazendo exatamente isso!”, afirmou o doutor e professor de História Queer Justin Bengry, da Universidade de Londres, em entrevista ao portal EuroNews.
Um fã pontuou a frustração dele no Twitter. “A estranheza (queer) está sob ataque constante. Especialmente em alguns estados onde você não pode nem dizer gay. Nem todos podemos viver em 2050, onde a sexualidade ambígua é a norma. Estamos vivendo em 2022 e precisamos de aliados que falem alto e fiquem conosco”, escreveu.
Em entrevista à revista Rolling Stones, em agosto, Harry comentou sobre as acusações de queerbaiting, mas só falou sobre as acusações de que só assumiu relacionamentos com mulheres. “Às vezes as pessoas dizem: 'Você só esteve publicamente com mulheres', e eu não acho que tenha com qualquer um. Se alguém tirar uma foto sua com alguém, isso não significa que você está escolhendo ter um relacionamento público ou algo assim”, disse.
Afinal, as acusações estão certas?
O professor Justin Bengry, que instituiu a primeira classe acadêmica sobre o estudo queer em Londres, afirma que é difícil dizer se Harry faz realmente queerbaiting. Isso porque a prática é mais fácil de ser definida em ações comerciais e de marketing, como propagandas ou produtos, onde é possível ver, em dados e no histórico das empresas, se há o apoio real de pessoas queer nas ações e se a instituição realmente apoia a causa.
Tal determinação é complexa porque o termo queer é o que é definido como “expressão guarda-chuva”, que pode ter várias definições. Uma delas é que não apenas pessoas LGBTQIA+ podem se definir como queer. Os heterossexuais podem, sim, ser queer, desde que adotem o estilo de maneira verdadeira na vida deles, já que a essência do queer é ir contra a heteronormatividade.
O professor Leandro Colling cita uma fala do teórico Joshua Gamson sobre a definição da essência do queer. “A política queer (...) adota a etiqueta da perversidade e faz uso da mesma para destacar a ‘norma’ daquilo que é ‘normal’, seja heterossexual ou homossexual. Queer não é tanto se rebelar contra a condição marginal, mas desfrutá-la”, lembra.
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