Marjona Khasanova, violoncelista do Tajiquistão, chega a Brasília para uma série de apresentações até o dia 3 de setembro. Nesta sexta-feira (19/8), a partir das 19h30, no Auditório da Escola de Música de Brasília, ocorre a primeira performance. A artista conversou com o Correio sobre a vida e a cultura do país asiático e o fato de ser a primeira musicista tajique da história a se apresentar na capital brasileira.
No centro da Ásia Central, imerso em cordilheiras e relevos montanhosos, encontra-se a República do Tajiquistão. Marcada na história como rota da seda e pela integração à antiga União Soviética, a jovem nação tornou-se independente em 1991, à ocasião do dissolvimento do estado socialista. Um ano depois, uma guerra civil se instalou no país e perdurou até 1997. Na conturbada história de uma resiliente nação, houve espaço para que a arte e a música aflorassem. Entre os talentos emergentes dali, a musicista tajique Marjona Khasanova, cuja idade se equipara à do país, usa do imponente violoncelo para mostrar ao mundo o rico valor cultural de uma região do globo ofuscada por infundados estigmas.
Em dezembro de 2018, a pianista estadunidense Jennifer Heemstra, hoje residente em Brasília, foi a Duchambé, capital do Tajiquistão, para se apresentar em um evento organizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Escalada para complementar os arranjos do piano estava a jovem Marjona Khasanova. O evento reuniu músicos e jovens para trazer luz aos problemas de violência doméstica e violação de direitos humanos ao redor do globo. “Marjona e eu apresentamos um movimento de The offering, uma obra para quinteto de piano escrita por Elena Kats-Chernin. Nós nos conectamos musicalmente, mas também dividíamos diversos interesses. Nós continuamos a apresentar recitais como duo no Tajiquistão”, conta Jennifer, em entrevista ao Correio. A amizade entre as duas resultou em um convite para conhecer o Brasil, nova casa da pianista. “Eu estou muito feliz de poder apresentar o Brasil a ela e, com sorte, iniciar um intercâmbio musical duradouro entre o Brasil e a Ásia Central”, completa.
O encontro não poderia se dar sem música. Ambas programaram um roteiro de apresentações que se inicia nesta sexta (19/8), no Auditório da Escola de Música; passa pela Universidade de Brasília no dia 24 de agosto; no dia seguinte, se apresenta com o Instituto Reciclando Sons, na Casa Thomas Jefferson; no dia 31 de agosto, a musicista leva positividade ao Hospital Sarah Kubitscheck; por fim, para fechar o circuito, Marjona performa no Iate Clube de Brasília.
Majorna falou, em entrevista ao Correio,sobre a vida de um tajique nos dias atuais: “Um cidadão tajique vive bem em 2022. A cada ano, nossa república progride. Infelizmente, depois do colapso da União Soviética, nós tivemos uma guerra civil e isso afetou nosso desenvolvimento. Agora, tudo já foi restaurado e o país faz de tudo para que o povo viva bem”. A violoncelista também contou sobre a vida de um músico, especialmente mulher, no país. “Mulheres musicistas são muito ativas e bem sucedidas na indústria musical do Tajiquistão. Há muitas mulheres e garotas nas orquestras do país. Na orquestra em que toco, a sinfônica do Teatro Ópera Ballet S. Aini, nomeado em homenagem a uma mulher, as mulheres ocupam 40% das vagas. Musicistas de lá são muito ativas: tocam em orquestras, ensinam música em escolas e têm abertura para se apresentar, assim como os músicos homens”, garante. Majorna expande o leque e fala sobre a mulher tajique como um todo, “Agora, estamos no século 21 no Tajiquistão. Mulheres são bem sucedidas não só na música, mas também nos negócios, ciência, política e ocupam posições de prestígio no governo”, diz.
Ainda que Majorna se dedique à música clássica, que não difere da difundida no Brasil e no mundo ocidental, há a música tradicional do Tajiquistão, que tem forte ligação com a ancestralidade. “Os tajiques têm orgulho da rica música ancestral chamada shashmaqom. Em suma, esse gênero consiste em seis ‘magoms’, ou melodias: Burzuk, Rost, Navo, Dugokh, Segokh e Irok. Cada um desses magoms inclui duas partes: uma instrumental, mushkilot, e uma cantada, nasr. O shashmaqom usa instrumentos tajiques, como a doira, o tanbur, sato e o rubab tajique”. Se tornar um músico de shashmaqom, contudo, exige dedicação: “O treinamento leva, pelo menos, 15 anos”. A instrumentista explica que a música é muito importante para o povo. “A vida dos tajiques foi e continua muito ligada à música. Em todas as estações, existem grandes festivais de música tradicional local ao redor do país. No sul, há um gênero especial baseado no folk chamado falak. Essa música costuma ser tocada em casamentos e outras cerimônias importantes. Nós somos muito protetivos quanto a nossa música tradicional. É muito importante para nós”, diz.
O paralelo entre o Tajiquistão e o Brasil não se sustenta apenas em diferenças; há similaridades, as quais Marjona conseguiu detectar com o pouco tempo de exploração das terras brasileiras. “A hospitalidade é muito parecida. Há pessoas receptivas no Brasil e no Tajiquistão. Os dois países são muito ensolarados e quentes. Em ambos, o povo ama ir a shows, eventos e celebrações; eles gostam de se divertir e curtir a vida”. Majorna, então, tira tempo para elogiar o que tem visto por aqui: “Eu amo o Brasil. Todo mundo é positivo e carrega um sorriso no rosto. A beleza natural é arrebatadora. Brasília é uma cidade incrível com parques verdes e construções fantásticas”. Enfim, a artista revela a inusitada parte brasileira que carregava consigo no Tajiquistão: “Na minha visita ao Rio de Janeiro, eu realizei meu antigo sonho de ver as montanhas encontrarem o mar naquela cidade única. Eu vi o Rio pela primeira vez na TV como pano de fundo do meu programa preferido quando era criança: a novela O clone”.
Por fim, Marjona revela acreditar que a vinda dela ao Brasil é uma novidade para ambas as partes. “Eu acredito que sou a primeira musicista tajique a tocar no Brasil. O Tajiquistão se tornou independente em 1991, um pouco depois do meu nascimento. Nenhum músico viajou para o Brasil, visto que é muito longe de nós. Foi uma viagem de 28 horas”. A distância se justifica pelo prazer de se apresentar: “Eu estou muito feliz de ter a oportunidade de tocar aqui e conhecer músicos brasileiros”.
*Estagiário sob supervisão de Nahima Maciel