Nas paredes da galeria, enfileiradas e cheias de intervenções, páginas de livros antigos dão o tom da exposição individual Ar-reverso, de Luciana Paiva. Um conjunto de cinco séries retoma os papéis antigos em um exercício de ressignificação no qual a artista transforma os caracteres utilizados para construir sentidos em simples símbolos gráficos destinados a um propósito estético e conceitual. "Reconfiguro o espaço dessas páginas fazendo tramas de papel", avisa Luciana.
Boa parte dos livros utilizados são técnicos e alguns trazem outros alfabetos, caso de páginas grafadas com ideogramas japoneses. Recombinadas com as interferências da artista, as páginas fazem uma referência a Brasilia e suas fachadas, mas também ao gesto de criar novos sentidos para objetos e combinações de letras normalmente usadas para esclarecer e informar. É "a página como possibilidade de jogo para a torção da língua. A página como possibilidade de revirar do avesso a língua e a linguagem", escreve Natália Quinderé, curadora da exposição em cartaz no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul.
As tramas também aparecem em Seixos, construídos com páginas de livros impressos em japonês e tiras de papel. "Essas imagens que vão se formando são geométricas. Toda a exposição gira em torno das imagens que estão entre imagens geométricas, mas que também apresentam informações aproveitadas de outros impressos", explica Luciana. De livros de engenharia, a artista aproveita as formas geométricas e cria um novo universo de símbolos no qual insere tiras de papel azul. "É uma referência ou alusão a um outro tipo de informação, que não é essa informação mais rígida do livro de engenharia. Isso remete a outros trabalhos onde essa informação dos livros técnicos que utilizo são reconfiguradas a partir desses desenhos geométricos mais manuais que vão surgindo", diz.
A exposição como um todo parte de uma investigação sobre as relações entre a escrita e o espaço. Para Luciana, Ar-reverso tem também, de maneira mais forte e marcante, a filiação neoconcreta que acompanha a artista. "Existe esse desdobramento da página no espaço. É algo muito característico da poesia experimental brasileira da década de 1950. E é parte dessa investigação, só que utilizo sempre essa informação de livros técnicos, dicionários, livros de engenharia, reconfigurando essas informações, aproximando as informações de imagens geométricas abstratas e ou reconfigurando para o sentido mais poético também", descreve.
A escolha pelos livros técnicos tem uma razão de ser. Para a artista, esse tipo de literatura se distancia de um sentido narrativo. "E para mim, a narrativa está muito próxima de algo figurativo então, ao me distanciar da narrativa, chego mais perto dessas imagens abstratas e geométricas, e o sentido fica mais aberto para o espectador poder criar sua própria narrativa", garante.
O titulo Ar-reverso, Luciana explica, foi retirado da tradução de um dos livros do poeta Paul Celan. A ideia de reverso está relacionada à definição de poesia para Celan e também ao ato de deixar o verso dos trabalhos à mostra, principalmente da série de colagens feitas de tramas de papel.
Saiba Mais
Ar-reverso
De Luciana Paiva. Curadoria: Natália Quinderé. Em cartaz a partir de amanhã e até 25 de agosto no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul), de terça a sexta, das 10h às 20h, e sábados e domingos, das 12h às 20h.