Artes visuais

Bené Fonteles lança livro sobre a obra do artista plástico Rubem Valentim

Em 'Geometria do sagrado', Bené Fonteles se debruça sobre a obra de Rubem Valentim, um dos mais importantes artistas brasileiros modernos

Severino Francisco
postado em 21/08/2022 00:01 / atualizado em 21/08/2022 09:36
 (crédito:  Bel Pedrosa/Divulgação)
(crédito: Bel Pedrosa/Divulgação)

O artista plástico, curador e editor Bené Fonteles se encontrou, pela primeira vez, com Rubem Valentim, em uma exposição na Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1977. A conexão espiritual foi instantânea porque o paraense conhecia muito bem o universo do candomblé, uma das fontes da obra do baiano. Ficaram muito amigos e, pouco antes de morrer, Valentim designou Bené para ser o guardião de sua obra. O próprio Bené se autonomeou o "Ogan da obra de Valentim". O Ogan, em iorubá, quer dizer "senhor da minha casa".

E, agora, ele lança o primeiro livro alentado sobre Rubem Valentim: Sagrada geometria (Edições Pinakotheke), que oferece um amplo panorama sobre um dos mais importantes artistas brasileiros modernos. Ele nasceu em Salvador, Bahia, no ano da Semana de Arte Moderna, em 1922, e morreu em São Paulo, em 1991.

Tinha afinidades com o movimento concreto e com movimento neoconcreto. Mas a sua arte transcende essas vertentes, pois Valentim buscava a expressão do sagrado, com a signagem das pinturas e os totens e altares inspirados nas tradições afrobaiana e ameríndia, associadas a culturas ancestrais de outros países.

Valentim morou em Brasília, nas décadas de 1970 e 1980, sofreu o impacto da espacialidade, mas amargou a incompreensão e a frustração de não conseguir organizar um centro cultural, a partir de sua obra. Nesta entrevista, Bené Fonteles fala sobre a relevância, os embates e o legado precioso da obra de Rubem Valentim.

Como situa esse livro dentro da bibliografia de Rubem Valentim?

Apesar da importância dele para a arte brasileira, não havia, ainda, nenhum livro sobre Rubem Valentim. Só existia um livro-catálogo, com fortuna crítica muito boa, mas sem cronologia. Não conseguimos o financiamento completo, e tivemos de reduzir o livro para 300 páginas. O projeto original era de 500 páginas. A fortuna crítica é preciosa, reúne textos de Ferreira Gullar, Frederico Moraes, Paulo Herkenhoff, Emanoel Araújo, Giulio Argan, Roberto Pontual e Olívio Tavares, entre outros. Valentim é o único artista latino americano que teve um texto de Giulio Argan. Nos tempos em que ele era prefeito de Roma, comprou três obras de Valentim para o museu da cidade.

Como avalia a relevância de Rubem Valentim para a arte brasileira?

É uma importância capital, acho que ele é um dos cinco ou sete artistas mais importantes da arte brasileira, alguns críticos consideram. Não são só fundamentais, são raiz, estão no nível de Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Noel Rosa. É um marco, ele influenciou muitos artistas. Paulo Herkenhoff considera que ele não é só um artista negro ou mestiço relevante, é o mais importante artista das américas.

Quais são os traços de originalidade da obra de Rubem Valentim?

Primeiro, ter partido da raiz, dos símbolos afrobaianos e afroamericanos. Ele decodificou as ferramentas dos orixás e mostrou que algumas são cruzadas, têm essa coisa energética e bela tão original da Bahia. Transforma isso em uma obra construtiva, até de muita parecença com os artistas concretos. Aliás, havia essa afinidade também dos concretos com Volpi, mas eles não quiseram participar do movimento, tinham trajetórias muito singulares. Depois, Valentim realiza a transcriação desses objetos associada a outras culturas do mundo. Vai aos tempos da Grécia e da Mesopotânia. Ele tinha uma biblioteca de 2 mil volumes, bebia no I Ching, na cultura dos maias, na cultura dos astecas. Era um homem muito culto, produziu uma obra muito complexa.

A relação de Rubem Valentim com Brasília foi muito conturbada?

Foi importantíssima, a espacialidade da obra dele tem muita relação com Brasília. A cidade impactou sua obra. Queria fazer esculturas no meio do cerrado, chegou a fazer fotos dos seus trabalhos no meio do descampado, queria uma arte monumental para Brasília. Mas nunca conseguiu realizar seu ideal. Tentou criar a Casa Rubem Valentim em um terreno comprado no Lago Sul, com uma exposição inteira que havia vendido para essa finalidade. Montou um escritório na Asa Sul, tentando apoio do governo para a construção. Foi uma frustração muito grande, teve de devolver o terreno com a Terracap. Acho que levou essa mágoa. Os livros da biblioteca dele foram vendidos para um sebo. Montei 17 exposições de Rubem Valentim, os herdeiros foram muito generosos.

Ainda há algo a fazer para reparar o desinteresse de Brasília pela obra de Rubem Valentim?

Não, nada mais. Consegui que o atelier dele inteiro fosse para o Museu de Arte em Brasília, quando o Wagner Barja era diretor. É precioso o que o MAB tem. Ele falava com todos, conversava com ministros, com autoridades, mas ninguém se sensibilizava. O reconhecimento da crítica veio, principalmente, depois que montei uma grande exposição na Pinacoteca de São Paulo com o acervo que deixou com a mulher e com os colecionadores. A geração mais nova não entendia.

Havia afinidades com o movimento concreto. Mas o que separava Valentim dos concretistas?

Os trabalhos de Valentim poderiam estar em uma exposição de arte concreta ou neoconcreta. Mas a liberdade dele era imensa.

Como o misticismo se afina com o lado construtivo?

Ele é um construtivo, mas é muito híbrido. Quando se liberta da figuração, a arte de Valentim se torna uma geometria sensível, como diz Frederico Moraes. É uma geometria do sagrado, fundada na cultura afrobrasileira e ameríndia.

 

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  •  2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim.
    2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim. Foto: Bel Pedrosa/Divulgação
  •  2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim.
    2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim. Foto: Arquivo Pessoal
  •  2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim.
    2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim. Foto: Arquivo Pessoal
  •  2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim.
    2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim. Foto: Bel Pedrosa/Divulgação
  •  2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim.
    2022. Cultura. Gravuras do livro Geometria do Sagrado, do artista plástico Rubem Valentim. Foto: Arquivo Pessoal
  •  Crédito: Reprodução/Pinakotheke Edições. Livro Rubem Valentim: Sagrada Geometria, de Bené Fonteles.
    Crédito: Reprodução/Pinakotheke Edições. Livro Rubem Valentim: Sagrada Geometria, de Bené Fonteles. Foto: Reprodução/Pinakotheke Edições
  • Rubem Valentim: arte afrobrasileira em conexão universal
    Rubem Valentim: arte afrobrasileira em conexão universal Foto: EditoraPinakotheke
  • Bené Fonteles
    Bené Fonteles Foto: Joanna Ramos/Divulgação
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