Com um legado que ultrapassou 500 obras para o audiovisual, o compositor Ennio Morricone se projetou pelas criações de notas musicais para o spaghetti western e renovou todo o histórico das trilhas sonoras em escala mundial. Ele ganhou, dois anos após a morte, uma homenagem no cinema, com o documentário Ennio, o maestro. O filme que será mostrado hoje, às 18h, no Itaú Cinema Casa Park, teve comando de Giuseppe Tornatore, cineasta de longas como Cinema Paradiso e Malèna. O longa integra a nona edição da 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, estendida até 10 de agosto, e que promoverá exibição de uma dúzia de filmes italianos.
Laborador, vigoroso até a morte, aos 91 anos; Morricone conduziu renovados arranjos para músicas de Mina e Paul Anka, viveu humilhações por depender da música para o sustento, sempre foi persistente, defendeu posturas extravagantes e, por vezes, abruptas. O homem que reconsiderou a trajetória artística e eternizou partituras para filmes como A missão, 1900 e Houve uma vez na América cultivou admiradores que vão de Quentin Tarantino aos componentes do Metallica. Ennio levou apenas um Oscar competitivo, ao final da carreira, por Os oito odiados — isso depois da vitória de um Oscar Honorário. Confira, abaixo, a entrevista do Correio com Marco Morricone, filho do maior expoente das trilhas de cinema, no século 20.
Entrevista // Marco Morricone
Quando não estava envolvido com trabalho, que tipo de música fazia a cabeça de Ennio?
Meu pai não ouvia muita música que não a que ele chama de absoluta, ou seja, a música clássica. Em casa também não ouvíamos música. Era proibido ouvir música para não influenciar o ouvido do meu pai. Nem mesmo as músicas que ele criava a gente podia ouvir. A gente tinha muita liberdade, podíamos aprontar o que quiséssemos em casa, pois ele tinha uma capacidade de concentração incrível. A gente podia fazer tudo, menos ouvir música.
Existiam dois profissionais: quando trabalhava na Itália era diferente do criador para os filmes de Hollywood?
Ennio era sempre o mesmo Ennio, um homem absolutamente dedicado aos estudos, a seu trabalho, mas também à família. Claro que a sua formação de vida, sua formação cultural e seus estudos imprimiam em sua música a influência da cultura italiana, mas ele estudou os maiores mestres da música. E isso se revela em seu trabalho, quando ele incorporava Bach a um tema de uma trilha, ou Beethoven a outro tema. Este diálogo entre música para o cinema e música erudita foi uma grande marca de seu trabalho.
Como ele assumia a responsabilidade do peso atrelado ao seu nome? E o que ele achava de premiações?
Ele realmente passou a sentir o peso de seu nome e reconhecimento no exterior quando começou a viajar em turnê, ao sentir o carinho do público. Eu me lembro de um concerto em Londres em que ele, até pouco antes de entrar no palco, estava com medo de que não fosse ninguém. E ele ficava me pedido para ir checar se chegava alguém. E, veja só, o concerto estava completamente lotado. Ele não ligava para os prêmios. Quer dizer, claro que ficava feliz, honrado com o reconhecimento, mas era consequência. Sua preocupação, inclusive quando ganhou o Oscar, era seu trabalho. Quando criava música para os filmes, sua preocupação era encontrar, criar a música certa, a música que melhor contasse aquela história.
Que compositores em particular inspiraram Ennio?
Difícil reduzir a um ou outro compositor. Ele tinha muitas referências, estudou muito e com afinco. Nunca parou de estudar. Mas certamente Igor Stravinsky, Bach, Beethoven e seu professor e mestre Goffredo Petrassi, e também o trabalho que fazia com o Gruppo di Improvvisazione Nuova Consonanza, pesquisando a música contemporânea e de vanguarda, eram influências fortíssimas.