Junto com a expectativa, o cineasta e professor Vladimir Carvalho guarda a ansiedade de ter em mãos um registro — o livro UnB anos 70 — Memória do movimento estudantil — que retrata efervescente momento do qual tomou parte. Primeira parceria indissociável entre o cineasta paraibano e a cena da capital que o acolheu, o curta em preto e branco Vestibular 70 será exibido, no lançamento do livro,nesta quarta-feira (27/7), às 18h, no Cine Brasília. O professor emérito Vladimir, num gesto singelo, promete oferecer a exibição de Vestibular 70 (a ser projetado com outros filmes) para Fernando Duarte, codiretor do filme. Duarte, em fins dos anos 1960, foi a ponte para o mestre acessar o universo retratado no livro organizado por Maria do Rosário Caetano. Nesta terça-feira (26/7), às 18h30, a autora lança o livrio também na UnB, no Anfiteatro 9 do câmpus Darcy Ribeiro. "O filme traz a atmosfera opressiva flagrada com a ditadura no momento mais brutal, com Emílio Garrastazu Médici no poder. O filme veio na onda da saída de dezenas de professores da Universidade de Brasília (UnB). Num cenário inusitado, com o Minhocão ainda em obras, tiveram que juntar a estudantada na área externa e subterrânea", comenta Vladimir.
"O livro UnB anos 70, ao somar testemunhos de nossa geração, que foi muito aguerrida e solidária, tenta tirar das sombras uma experiência pouco lembrada", pontua a jornalista e pesquisadora Maria do Rosário. No capítulo Filmografia está o resultado da pesquisa feita ao lado de Berê Bahia. Impera um primeiro levantamento da presença da UnB no audiovisual, desde sua criação em 1962. Em meio à pandemia, as autoras do capítulo somaram lembranças e enfatizaram aspectos como o das realizadoras-mulheres. Chegaram a quase 20 filmes, muitos deles documentários. Depararam, ainda, com dezenas de vídeos produzidos pelo CPCE-UnB (Centro de Produção Cultural e Educativa, criado em 1986, na gestão do reitor Cristovam Buarque), um embrião para a TV UnB. "No livro, há citação de filmes de fino acabamento, de densa atmosfera, como Vestibular 70, um dos mais belos documentários produzidos no país. O Universidade de Brasília — A construção da liberdade (de Jorge Bodanzky) mostra que tem um grande profissional na sua manufatura. Há um plano aéreo do ICC, o popular Minhocão, que é de tirar o fôlego. A UnB não passava de um sonho. Na pesquisa, levantamos registros dos filmes da pioneira Maria Coeli Vasconcelos — muitos com grande valor documental, sobre Anísio Teixeira e Honestino Guimarães", observa Maria do Rosário. Dácia Ibiapina comparece, pela condução do média-metragem Conterrâneo velho de guerra, e a ex-estudante Maria Maia (diretora de cinema) está na obra, num testemunho da época.
Recepção temperada
Responsável por uma breve cinebiografia de Rogério Costa Rodrigues (falecido professor de estética), o diretor Jimi Figueiredo também terá um filme mostrado, feito a partir de obra ainda não restaurada, o curta Kiss, kiss Kissinger (1981), retrato de uma nada reverenciada visita do secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, saudado pelo arremesso de ovos e tomates. "Os estudantes não foram convidados, e tudo ficou restrito à reitoria. Houve daí a manifestação contra o que a reitoria representava", conta Jimi.
Um cerco ao Auditório Dois Candangos, apinhado de deputados, senadores, ministros e representantes das embaixadas, marca o ápice de Kiss, kiss Kissinger. "Kissinger teve que sair de camburão, numa alternativa improvisada, para não passar por maior constrangimento", destaca o diretor. Feito em super-8, com linguagem experimental, Kiss, kiss é bom representante de um cinema com conceitos. No capítulo orquestrado por Maria do Rosário e Berê Bahia, despontam iniciativas como a série universitária Estação Ciência, temas variados que retratam de serenata de Natal a eleições, passando pela condição dos indígenas. Quanto aos nomes rememorados, a lista alcança Darcy Ribeiro, Armando Bulcão, Hélio Doyle, José Eduardo Belmonte, Tânia Montoro e o livreiro Chiquinho, entre muitos outros.