Pedalada cinematográfica

Cine Bike no CCBB alia cinema, ciclismo e discussões sobre mobilidade

Evento no CCBB, o Cine Bike alia cinema, aprendizado de ciclismo e discussões sobre a mobilidade urbana e a importância de inserir a bicicleta como meio de transporte urbano

Ricardo Daehn
postado em 17/07/2022 18:57 / atualizado em 17/07/2022 18:59
Animação 'As bicicletas de Belleville' -  (crédito:  CCBB/Divulgação)
Animação 'As bicicletas de Belleville' - (crédito: CCBB/Divulgação)

Selecionado para a mostra de cinema Cine Bike, repleta de ações paralelas de cidadania, o curta-metragem Circulando pelo enquadramento (1988), estrelado por Tilda Swinton, é dos títulos que sintetiza o intuito do evento promovido pelo CCBB: provocar a reflexão sobre os vícios da mobilidade urbana e estimular rupturas no dia a dia agitado. O filme criado por Cynthia Beatt mostra paisagens do Muro de Berlim, feitas no movimento de bicicletas, instigando o fim de circuitos de imobilidade e estagnação. Impensadas mudanças, um ano após a produção, viriam a derrubar a realidade, desde 1961, imposta pelo Muro de Berlim. Na base da conscientização, o Cine Bike pretende difundir aspectos da boa prática do ciclismo.

Oficinas, praça de food-bikes e demandas ambientais entram em pauta, no evento que transcorre entre 19 e 30 de julho. Um passeio ciclístico, dia 30 de julho, a partir das 9h, e que contará com apoio do Detran, levará os amantes das bikes a pedalarem por seis quilômetros, partindo do CCBB e retornando, com direito à participação em festa julina. Hábitos saudáveis, incentivo à sustentabilidade e diversão com filmes de várias épocas, selecionadas na produção de oito países, estão no Cine Bike. A abertura (às 19h30) trará o longa-metragem português A alma de um ciclista (de Nuno Tavares) e, ainda, um curta histórico, O menino e a bicicleta, que deflagrou, em 1965, a premiada carreira de Ridley Scott (Blade Runner). O acesso é livre para a mostra de filmes, a partir da retirada antecipada de ingressos. No dia 20, às 20h, o destaque será Bikes vs. carros, filme sueco de 2015, assinado por Fredrik Gertten, que debate a influência da indústria automobilística em fatores como poluição e aquecimento global.

Com curadoria do professor e crítico Sérgio Moriconi, Cine Bike trará painéis com especialistas que enfatizarão Os avanços dos planos de mobilidade urbana no Brasil (no dia 21) e ainda vão tratar do tema Ruas e cidades humanizadas — Slowmovement (previsto para dia 28). Atividades educativas e demonstrações práticas de reparos em bicicletas ganharão contornos divertidos, com apresentações de repentista e mímicos. No próximo domingo, entre 10h e 12h, a autora Josi Paz lançará o livro Pedalar é suave.

A visão humanista de  Ladrões de bicicleta está presente na mostra
A visão humanista de Ladrões de bicicleta está presente na mostra (foto: CCBB/Divulgação)

Longas consagrados de cineastas reconhecidos como os irmãos belga Luc e Jean-Pierre Dardenne, caso de O garoto da bicicleta (2011), estarão na programação, que aposta em clássicos como o primeiro filme de François Truffaut (o curta Os pivetes, de 1957), e ainda no italiano vencedor do Oscar como melhor filme internacional, Ladrões de bicicleta, (1948), exemplar neorrealista de Vittorio de Sica que, com relevo humanista, associava trabalho no pós-guerra com injustiça social. No sábado, dia 23, a partir das 16h, uma tela especial exibirá filmes como Pedalando com Molly (animação britânica de 2021) e Escola de carteiros (1947), filme eternizado pela criatividade de Jacques Tati (o mesmo de Carrossel da esperança, de 1949, também na programação do evento), centrado na modernização do serviço postal da época, a partir dos esforços de um distraído carteiro francês. O evento oferece, também, treinamentos para o aprendizado de iniciantes no projeto Pedalando com a Bike Anjo, numa ação que reacende a memória do sociólogo e ativista Raul Aragão, morto em 2017.

Com exibição no dia 23 (às 15h30) o curta brasiliense Lulu vai de bike (de Edson Fogaça) presta tributo ao biólogo Pedro Davidson, morto em 2006, em circunstâncias que, por meio da lei 13.508/2017, levaram à instituição do Dia Nacional do Ciclista. Filha de Pedro, Luisa participa da produção, que teve por cenário o Eixão Sul. Brasília igualmente abriga a trama de catadores-ciclistas, projetada no longa de Carol Matias No rastro das cargueiras (atração do dia 21, às 18h).

Com parte de eventos on-line, Cine Bike trará cinco filmes (com acesso disponibilizado por 24 horas, em: www.cinebikebrasil.com.br). Na lista, há o inclusivo Todos os corpos na bike; Explorando as ruas de Estocolmo, com o impacto de um projeto que, no emprego de transportes alternativos, pretende zerar mortes por acidentes. E, ainda, O porta-voz, filme australiano em torno de uma espécie de museu vivo de bicicletas de todas as eras. Uma das melhores experiências cinematográficas está marcada para o dia 24, às 18h30, em um telão montado no CCBB, no qual será projetado As bicicletas de Belleville, animação de 2004 criada por Sylvain Chomet, e que, em meio a enredo que faz uso da competição batizada Tour de France, vem pontuado por gags e tons críticos.

Cena do filme Lulu  vai de bike, tributo ao ciclista brasiliense  Pedro Davidson
Cena do filme Lulu vai de bike, tributo ao ciclista brasiliense Pedro Davidson (foto: CCBB/Divulgação)

Na leva de 35 filmes elencados para a mostra, o recente A volta em Minas, de Fernando Biagioni, revela os frutos de uma jornada de 14 dias, dos extremos de Minas Gerais, unidos ao longo de 1500 quilômetros perfeitos e que proporcionam situações de freio ao consumismo exagerado e o acirrar de amizades, temas comuns ainda a Mama Agatha (de Fado Hindash). Nessa fita, há exame da dedicação de uma ganense na formação de migrantes e refugiadas do sul de Amsterdã, que ingressam no mundo das pedaladas. Outro destaque na mostra, o média-metragem A rainha bicicleta (2013) revela passos de democratização e a importância, na segunda revolução industrial, do movimento das bikes, entre franceses, num panorama que contempla período entre 1890 e a época atual.

Entrevista com Sérgio Moriconi, curador da mostra

No exterior há circuito consolidado similar aos temas do Cine Bike? O que fomenta a adoção do ciclismo na capital?

Existem festivais similares no mundo, e em Brasília, fomos pioneiros, o que não deixa de ser surpreendente. Brasília é singular em relação ao tema. Pela própria geografia plana, e há o favorecimento pelo clima da cidade. Temos períodos enormes não chuvosos. Há favorecimento de as pessoas irem para o trabalho de bicicleta, sob temperaturas frescas. Notamos muitas características, ao se caminhar domingo, no Eixão. Há quantidade de coletivos de bike e há grupos que se reúnem para passeios como a volta ao Lago Paranoá. No Parque da cidade há quantidade enorme de ciclistas. Houve, nos últimos anos, incremento muito expressivo nas ciclovias que, claro, podem ser melhoradas.

Sergio  Moriconi
Sergio Moriconi (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Os filmes têm teor educativo?

Em teor secundário, são educativos. Mas exploramos questões sobre as formas do ciclismo, do competitivo à inserção da mobilidade urbana. É um tema premente no mundo inteiro. David Byrne, que redescobriu Tom Zé, escreveu o livro Diários de bicicleta. Nele, mostra como andou de bicicleta em várias capitais do mundo e mostra como que é fundamental que as megalópoles, hostis à bicicleta e ao pedestre, injetem preocupação com políticas de mobilidade urbana. No livro, ele demonstra que, quanto mais auto-estradas e vias se constroem nas cidades, mais carros passam a circular, provocando ainda maiores engarrafamentos do que anteriormente.

Há inovações surpreendentes, no exame dos filmes, e o que tornam eternos os clássicos listados?

Na leva dos clássicos, um exemplo está em O garoto e a bicicleta, o primeiro filme do Ridley Scott, feito ainda na escola, em Londres. O filme traz o aspecto do flâneur, que circula, observando a cidade e meditando sobre a vida. O garoto mata um dia de aula e sai para os lugares dos quais gosta, refletindo sobre a vida dele. Os pivetes, do Truffaut, traz muitos elementos da Nouvelle Vague, e este filme a inaugura, de certo modo. Cuidamos de trazer títulos que demarquem a associação com o cinema mesmo. Isso além das temáticas levantadas sobre mobilidade urbana, sustentabilidade e mudança de matriz energética no mundo. A mudança de matrizes fósseis para matrizes não fósseis. Nos filmes do Jacques Tati, a bicicleta, no centro, favorece o convívio social entre as pessoas, ao proporcionar um modo de vida mais lento que otimiza interações sociais. O evento ainda abrange aspectos de inclusão, em filmes como O Sonho de Wadja, que mostra uma menina na Arábia Saudita, onde é vedado às mulheres andar de bicicleta, apaixonada por uma bicicleta. Nisso ficam evidentes preconceitos relacionados às mulheres.

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  • Filme 'As bicicletas de Belleville' é um dos destaques
    Filme 'As bicicletas de Belleville' é um dos destaques Foto: CCBB/Divulgação
  • A visão humanista de 
Ladrões de bicicleta está presente na mostra
    A visão humanista de Ladrões de bicicleta está presente na mostra Foto: CCBB/Divulgação
  • Cena do filme Lulu 
vai de bike, tributo ao ciclista brasiliense  Pedro Davidson
    Cena do filme Lulu vai de bike, tributo ao ciclista brasiliense Pedro Davidson Foto: CCBB/Divulgação
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Moriconi
    Sergio Moriconi Foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press
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