Em cada mergulho — seja na construção da vida pessoal, na representação do domínio criativo ou na busca pelas raízes musicais, o longa-metragem sobre Elvis Presley exige enorme carga de flashes. À altura para elaborar a identidade gráfica do mito, o diretor Baz Luhrmann (vide O grande Gatsby e Moulin Rouge!) busca um enaltecimento, pelas beiradas, e cria um cicerone polêmico para a jornada cinematográfica: o empresário Tom Parker, um presente para o mais do que convincente Tom Hanks. Ele é quase a alma do filme estrelado por Austin Butler, um ator talhado para o papel do cantor, na juventude, alimentado pelas figuras heróicas dos gibis e pela conexão junto ao gospel, R&B e country. Absorvido e circundado por cantores do Mississippi, no filme, Elvis permanece no recinto, sem resquício de apropriação cultural, por comungar do "espírito" oposto ao racismo imperante no Estado em que foi criado, ainda nos anos de 1940.
Mesmo sem "ser cabeludo", Elvis contribuiu, no melhor dos sentidos, para a efervescente delinquência juvenil, ao causar com números vistos em Baby let´s play house e ousar, com a inicial "maquiagem de menina", os cabelos oleosos e a indumentária cor-de-rosa, tudo emoldurado pela impressionante direção de fotografia a cargo de Mandy Walker. Antídoto à repressão, Elvis surge como fruto proibido, e se apresenta, reluzente, numa ponte para a cultura popular, para a qual contribuiu com a gravação de mais de 700 canções, e se projetou como artista solo de feitos inigualáveis. Numa época de mitos repugnantes, Elvis desestabiliza, caçoando da opressão, e coordenando molejo animalesco, de requebrados sugestivos. Numa perspectiva de público, em show havaiano (via satélite), Elvis, nos anos 1970, foi visto por mais de 1 bilhão de pessoas, anos depois de conquistar os americanos, ao som de It´s all right.
A chave do filme de Baz Luhrmann está justamente na prioridade para o movimento, e, em frequência clipada, a edição do longa, responsabilidade da dupla Matt Villa e Jonathan Redmond, apela para uma tela repleta de mosaicos para encapsular fases da vida de Elvis. Na trama, quem dá moldes ao produto Elvis é Tom Parker — papel de Hanks, que, no cinema, manuseou fantoches em Um lindo dia na vizinhança (2019). Agora, o eterno Forrest Gump assume, no enredo, a coordenação do formatar de um astro embalado para a mídia: toca em merchandising, faz valer proibições do astro "mexer os quadris", aglomera patrocinadores e arquiteta a distribuição nacional do astro. Em suma, como admite, posa de "vilão da história". Vale a lembrança de que, versado nos bastidores dos parque de diversões, Tom Parker aplicou a "arte da ilusão" para otimizar a carreira do cantor, para quem galgou a figura paterna, em momentos de fragilidade. Presa fácil, dada a imaturidade, Elvis, sozinho e perdido, tem lá seus rompantes de convicções juvenis, quando resume: "Posso ser incrível".
Elvis, o filme, tem pontos extras, quando questiona o que "seriam privilégios" da era sessentista (como, por exemplo, o acesso a locais reservados "somente para brancos"). Numa cena genial, ainda jovem, o protagonista espia, por entre uma brecha, agigantados artistas negros e mesmo entusiastas de animados cultos Pentecostais. É o prenúncio da jornada do homem que foi acusado de quebrar a lei da segregação. Outro cuidado é o de dar voz para figuras como Little Richard (Alton Mason) e B.B. King (Kelvin Harrison Jr.) e trazer incursões de Elvis por redutos iniciáticos como Beale Street e Club Handy (Tennessee). Incrementado até por sequências de animação, o filme aproveita, sob medida, o talento de Austin Butler (que teve a voz fundida à de Elvis), em interpretações de Are you lonesome tonight?, Blue suede shoes e Heartbreak Hotel. E ainda há reverência a figuras indissociáveis à carreira de Elvis, caso das cantoras Big Mama Thornton e Sister Rosetta Tharpe.
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Coração e alma
Algumas metáforas vêm prontas no filme, que, pela percepção do narrador Tom Parker, encerra uma jornada de amor. Olivia DeJonge interpreta, com breve presença, a ex-esposa Priscilla. Num painel expressivo, o longa ainda explora os reflexos da cultura do medo que dizimou personalidades como Martin Luther King Jr., os irmãos Kennedy e Sharon Tate. Num dos momentos mais fortes do longa (ao lado do entoar de Unchained melody, com o verdadeiro artista), Elvis se presenteia com a felicidade de reencontrar matrizes de spirituals, ao defender If I can dream. E ele celebra, de quebra, frase ouvida de um reverendo: "Quando as coisas são muito perigosas de serem ditas; cante".
Preso no International Hotel (Las Vegas), Elvis, no filme — depois de render vazão a bastidores de episódios das passagens pelo serviço militar e por Hollywood — abraça a espiral que o consume por absoluto (vale lembrar que ele morreu em 1977). Num beco sem saída, almeja viajar para longe. Sai o lúbrico símbolo de satisfação, capaz de afrontar com a insolência empregada na execução de Trouble, e entra em cena o talento, turvo, liquidado pelos fantasmas interiores e esvaziado de sonhos. Melhor, daí, fixar a melhor fatia do filme: quando, antes de ser tragado, na entrega do "amor" excessivo, pelo que demarca o narrador, Elvis caprichou na subversão do retorno, num especial de Natal que marcou época e revalidou o artista, morto, aos 42 anos, depois de um ataque cardíaco com implicações de substâncias que, até hoje, não foram, por completo, definidas.
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Rua Guaicurus (2019)
Com noções de realidade e ficção bastante indistintas, o filme assinado pelo mineiro João Borges incorpora, para além de atrizes amadoras, encenações de fatos reais experimentados por garotas de programa que, numa rua fundada em 1950, na capital mineira, recontam episódios de prostituição.
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Crimes of the future (2022)
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