Cena Contemporânea

Arnaldo Antunes e Vítor Araújo se apresentam no Cena Contemporânea

Arnaldo Antunes e Vítor Araújo apresentam, neste sábado, dentro da programação do festival Cena Contemporânea, o show performático do álbum Lágrimas no mar

Pedro Ibarra
postado em 09/07/2022 06:00 / atualizado em 09/07/2022 11:05
Arnaldo Antunes e Vitor Araújo: parceria afinada na experimentação -  (crédito: José de Holanda/Divulgação)
Arnaldo Antunes e Vitor Araújo: parceria afinada na experimentação - (crédito: José de Holanda/Divulgação)

O Cena Contemporânea vai além do teatro. A música e a poesia também são artes contempladas no evento reconhecido nacional e internacionalmente. Na 23ª edição do evento, realizada em 2022, uma apresentação se destaca. Arnaldo Antunes e Vitor Araújo se juntam para um show de voz e piano no Conjunto Cultural ADUnB. Os dois apresentam o álbum Lágrimas do mar, que assinam juntos, e dão um passeio pelo repertório de Arnaldo. O show já foi apresentado ontem e encerra a participação do Cena neste sábado.

  • 2022. Cultura. Arnaldo Antunes e Vitor Araújo se apresentam no Festival Cena Contemporânea 2022. José de Holanda/Divulgacao

Os artistas juntam forças para trazer a emoção do reencontro com o público. "Ficamos muito carentes de shows durante a pandemia. Quando voltamos a fazer o show, sentimos ainda mais forte o quanto essa energia do encontro com o público nos fazia falta", avalia Arnaldo Antunes em entrevista ao Correio. "E sentimos que tem sido assim para quem assiste também, compartilhando essa emoção com a gente", completa. 

A parceria se iniciou em 2020 para um show do álbum O real resiste de Antunes. Porém, com a pandemia os espetáculos presenciais não puderam ocorrer. Os dois decidiram, portanto, usar da parceria para um álbum, Lágrimas no mar. "Deu vontade de registrar o resultado dessa nossa parceria em estúdio, mas com algo novo", lembra Arnaldo. "No álbum Lágrimas no mar nós buscamos justamente o estabelecimento de uma atmosfera que pudesse permear o conjunto de faixas como um todo; uma atmosfera muito ligada à comoção que essas canções — cantadas num momento inesperado de isolamento total entre as pessoas, e de catástrofe generalizada em nosso país — poderiam suscitar em nós, tanto como intérpretes quanto como ouvintes do que estávamos fazendo em estúdio", acrescenta Vitor Araújo.

Araújo aponta que a emoção é a tônica do show porque é ponto-chave do disco que dá nome ao show. "O disco procura sustentar o limiar entre a concentração e o transbordamento dessa comoção, o que torna a imagem da 'vontade engasgada de chorar' imensamente apropriada para o definir", afirma o pianista. "Se no disco trabalhamos muito a síntese e o silêncio, no show temos a oportunidade de trabalhar também o excesso e o barulho. Porém, uma característica que une o disco ao show muito fortemente e que eu adoro é a da necessidade de uma atenção ativa de quem ouve", adiciona.

Voltar a Brasília e figurar no Cena também alegra os músicos que tem uma relação próxima com a cidade. "Eu vou sempre a Brasília me apresentar desde o início da minha carreira, e é incrível como cada vez que  volto, eu compreendo e me fascino mais pela cidade", conta Vitor. "O público de Brasília sempre me recebeu de uma forma muito calorosa e carinhosa. Estou ansioso por esse reencontro", complementa Arnaldo.

Duas perguntas para Arnaldo Antunes

Como o seu lado músico e poeta conversam no palco neste espetáculo? Como suas artes dialogam?

Apesar de serem para mim áreas em permanente diálogo, por trabalharem com a palavra, os trabalhos com canção e com poesia acabam tomando meios, rumos e universos de recepção muito distintos. Nesse show, é a primeira vez que apresento poemas entre as canções, ou incorporados a elas. Até então apresentava separadamente shows de música e performances de poesia. Tive o desejo de trazer os poemas para o show, juntar as duas linguagens, talvez por causa da formação de voz e piano, que resulta numa coisa mais concentrada, que me leva a expressar ao máximo as palavras. E o Vitor criou arranjos incríveis também para os poemas, então eles se integraram ao roteiro de uma maneira muito orgânica.

Como você vê a sinergia entre você e o Vitor Araújo no palco?

É uma parceria muito especial. Eu convidei o Vitor já conhecendo o trabalho e o jeito dele, mas quando começamos a ensaiar pintou uma sintonia surpreendente, como se descobríssemos uma nova forma de expressão; uma linguagem comum. Revelaram-se muitas afinidades entre a gente, como o desejo de buscar soluções originais, o gosto pela experimentação, a capacidade de síntese, de extrair a emoção precisa em cada som e a própria performance de palco. Apesar de vir de uma trajetória de música instrumental, Vitor tem uma compreensão profunda das canções. Seus arranjos e interpretações potencializam os discursos delas. Além disso, descobri um novo velho amigo.

Duas perguntas para Vitor Araújo

Qual a importância de se apresentar no Cena Contemporânea? Você tem alguma relação com a capital? O que espera do público da cidade?

Nesse momento, depois de dois anos sem apresentações, torna-se vital cada subida no palco, cada teatro, cada festival, cada encontro com o público. Percebemos o quanto isso é vital pra nós — e aqui eu posso falar como quem está em cima do palco, mas na plateia também, pois tanto tocar quanto ir a apresentações de outros artistas têm sido o grande prazer da minha vida esse ano. Então é de uma importância imensa tocar no Cena Contemporânea, voltar a uma cidade tão central e singular da vida brasileira como Brasília. Eu vou sempre a Brasília me apresentar desde o início da minha carreira, e é incrível como cada vez que volto, eu compreendo e me fascino mais pela cidade. A última vez que toquei foi um pouco antes da pandemia, um concerto meu com a participação do Negro Leo — foi maravilhoso. Feliz demais em voltar, ainda mais com esse show do Lágrimas no mar, depois de todo esse tempo.

Como é dividir o palco com o Arnaldo Antunes?

Os encontros na música têm uma importância central na construção das características, das sonoridades, das estéticas e principalmente das singularidades de um álbum ou de um concerto. Num dueto, isso é ainda mais determinante. Trabalhar uma linguagem de piano que encontre um casamento com a voz de Arnaldo, por exemplo, que tem um registro gravíssimo e ao mesmo tempo uma possibilidade do grito rasgado do punk, é um trabalho prazeroso e que molda em mim novas formas de abordar minha forma de tocar. O encontro entre dois artistas também catalisa certos aspectos artísticos que são compartilhados: no nosso caso, acredito que a paixão pela alma de cada uma das canções e o prazer em servi-las e também o gosto pelo experimento, pela pesquisa sonora, pela quebra do convencional. Dividir o palco com uma generosidade artística como a de Arnaldo é um presente, e toda vez que a gente sobe pra tocar junto o show se modifica, se reapresenta para nós mesmos, ganha novas nuances.

 


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