Há muito tempo a curadora Denise Mattar alimenta a ideia de fazer uma exposição sobre como o modernismo se manifestou em lugares fora do eixo Rio-São Paulo. Alguns artistas tornaram-se conhecidos ao deixarem suas cidades natais em outros estados e se integrarem ao movimento moderno, mas há uma boa quantidade de nomes que ficaram desconhecidos e eram esses que a curadora queria trazer à tona. Modernismo expandido, em cartaz no Museu Nacional da República, é fruto dessa curadoria.
A exposição reúne obras de 46 artistas da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais produzidas entre 1930 e 1950. "Constatei, e a exposição demonstra cabalmente, que os artistas que saíram das suas cidades e foram morar em São Paulo e no Rio de Janeiro, como Iberê Camargo, Cícero Dias, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, ficaram conhecidos no circuito de arte, enquanto outros, igualmente bons, ficaram esquecidos porque nunca saíram", explica Denise. "Tem artistas extraordinários que não ficaram conhecidos, então a exposição traz esses nomes que ninguém conhece mais e que foram muito importantes nos seus lugares de origem."
Em cada região, a curadora identificou momentos e situações nas quais os artistas produziram ideias e obras notáveis. "O modernismo, nessas regiões, chegou depois e, em cada lugar, se desenvolveu de um jeito diferente. Cada núcleo começa com um artista acadêmico, mas que acabou sendo muito importante para as gerações seguintes porque trazia certas mudanças", avisa Denise. Na Bahia, que costumava realizar salões de arte no final da década de 1930 e fez uma exposição dedicada aos modernistas em 1944, a curadora destaca a Universidade Federal da Bahia como polo de produção da vanguarda, com nomes como Lina Bo Bardi de Koellreutter no corpo docente. De lá, vieram Mario Cravo Jr., Mestre Didi e Carybé, que ganharam projeção nacional, mas também Presciliano Silva, Agnaldo dos Santos e Carlos Bastos.
No Rio Grande do Sul, o Clube da Gravura reuniu nomes como Aldo Malagoli, Glênio Bianchetti, que mais tarde se tornaria professor da Universidade de Brasília (UnB), e Ailema Bianchetti. Do sul veio também Maria Tomaselli, cuja Oca Maloca, uma instalação inspirada na precariedade brasileira, pertence ao acervo do Museu de Arte de Brasília (MAB) e foi remontada no centro da galeria do Museu Nacional. O mesmo clube inspiraria o Ateliê Coletivo de Recife, no qual trabalhava o escultor Abelardo da Hora. Os pernambucanos Vicente do Rego Monteiro e sua irmã, Fédora, Reynaldo Fonseca, Francisco Brennand e Gilvan Samico também têm obras da mostra. Segundo a curadora, o destaque é Tereza Costa Rego com o painel Mulheres de Tejucupapo, uma ilustração que exalta o heroísmo feminino contando a saga de mulheres que expulsaram holandeses invasores de suas aldeias. De Cícero Dias, o público poderá conhecer o primeiro painel abstrato da América do Sul, obra criada em 1948 e que causou polêmica por marcar, justamente, a passagem da produção do artista para o campo da abstração.
Do Ceará, a curadora trouxe Raimundo Cela, Antônio Bandeira, Aldemir Martins e duas mulheres: Heloísa Juaçaba e Nice Firmeza. De Minas Gerais, Denise Mattar deu destaque para o grupo Salão Bar-Brasil, exposição organizada pelo ilustrador Delpino Júnior em 1936. "Tem muitos imbricamentos na exposição com a literatura e com a ilustração", avisa. Aqui entram artistas cujos trabalhos vêm carregados de preocupações sociais, como os desenhos Miséria e Jornaleiros dormindo, de Fernando Piero Setti, mas também mais voltados para a confecção de retratos e paisagens, como Guignard e Mary Vieira. Faz parte ainda desse núcleo Jane Miúde, a primeira mulher a se assumir como artista profissional em Belo Horizonte, e a alemã Martha Loutsch, cuja pintura lembra muito a obra de Guignard, embora tenha sido produzida antes daquelas feitas pelo mestre mineiro. Obras de Farnese de Andrade também integram o segmento de Minas.
No centro da exposição fica o que a curadora encara como o destaque, uma espécie de obra catalisadora das ideias que nortearam o recorte de Modernismo expandido: a Oca Maloca, de Maria Tomaselli. Nascida na Áustria, a artista veio para o Brasil em meados dos anos 1960 para morar em Porto Alegre, onde estudou com Iberê Camargo, Eduardo Sued, Xico Stockinger e Anna Letycia Quadros. Feita de tábuas de maloca, todas coloridas, a instalação foi criada em 1989 e tem, no interior, pinturas de artistas convidados por Maria para realizarem intervenções. "Temos vários artistas que estão na exposição, porque Maria morou muito tempo no Recife. É uma síntese do Brasil, construída como uma maloca mesmo, com a estética da precariedade brasileira", avisa Denise Mattar.
Modernismo expandido
Com 68 obras de 46 artistas brasileiros. Visitação até 7 de agosto, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República (Esplanada dos Ministérios)
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