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Obra do cineasta Vladimir Carvalho é tema de documentário do streaming

Com obras fundamentais para o entendimento do país, o cineasta , aos 87 anos, é celebrado no longa-metragem Quando a coisa vira outra, a partir de amanhã disponível no streaming

Foi num "mergulho" que o diretor de cinema carioca Marcio de Andrade,  criado em Brasília, resolveu esclarecer uma relação pessoal que desembocou no filme Quando a coisa vira outra. "Com o título, quis mostrar 'quando uma ideia se transforma em uma imagem': nisso está muito da obra do diretor enfocado pelo longa, o cineasta Vladimir Carvalho. O filme é, na verdade, uma conversa entre Vladimir e o irmão dele, Walter (celebrado diretor de fotografia de longas brasileiros), sobre o processo criativo deles e de onde vem as ideias. Em papo de irmão a gente não se mete; a gente escuta, né?", diverte-se o diretor. Marcio terá o novo filme lançado, amanhã, nos catálogos de VoD das plataformas Claro Net, Sky, Vivo TV e Oi TV. O longa, contemplado pelo Fundo de Apoio à Cultura, com finalização orçada em R$ 200 mil, teve produção de Anna Karina de Carvalho.

"A obra de Vladimir é extensa e importante, além de ser de vanguarda, sobretudo quando temos tantos assuntos que ele traz à tona, nas criações de documentários e que geram várias linhas de debate", comenta Anna Karina. Segundo nota a produtora, Vladimir tem um olhar dos Brasis (como o próprio diz no novo filme) e, paraibano, nunca viu "o Nordeste sair dele". "O filme mostra a amplitude dos assuntos e a abertura estética que o Vladimir tem, ao cercar um cinema da desigualdade", ressalta Anna. Um dos diretores mais influentes entre os documentaristas brasileiros, Vladimir, 13 anos mais velho do que o irmão Walter (fotógrafo de títulos como Lavoura arcaica), traz méritos como o de formular parte da percepção do irmão. "A fotografia de Abril despedaçado (a cargo de Walter, em 2001) tem, por exemplo, muito do curta A bolandeira (feito em 1969 por Vladimir). Vladimir foi, em certa medida, um grande mentor na vida do irmão — Vladimir é uma fonte do cinema autoral, pelos documentários que vão do rock às artes plásticas", analisa Anna Karina.

Ópera

Foi Vladimir quem botou o irmão a ler João Cabral de Mello Neto, e, na visão do cineasta Marcio de Andrade, o colega de profissão demonstra ser preciso que o público reveja a obra dele "e redescubra o país". "O que ele registrou de cultura popular! De Os romeiros da guia (1962) a Conterrâneos velhos de guerra (1991)... Conterrâneos vem com parte da ópera do Wagner e há ainda as tomadas aéreas! As pessoas, infelizmente, seguem pegando comida do lixo (como mostrado no filme), e a desigualdade persiste, e está cada vez mais larga. Com nosso filme, quisemos mostrar o vigor da obra do Vladimir, que tratou, por exemplo, do universo de Cora Coralina (em Vila Boa de Goyaz, de 1973). Ele tem uma obra que fala deste país que estamos esquecendo. A gente está querendo virar americano e europeu?! Esquecemos nossas riquezas culturais e intelectuais", ressalta Marcio de Andrade, lembrado por filmes como o curta Estela do Patrocínio — A mulher que falava coisas (2007), exibido em festivais como o Cine PE e o Festival de Havana (Cuba).

Outro título de Marcio de Andrade, Asfalto (2015), "uma alegoria de Brasília", cutuca as memórias afetivas do cineasta que, até 2020, morou na capital e que, por Asfalto, integrou a seleção do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. "Sou uma cria do festival de Brasília, sentei muito no chão para ver filme", diverte-se. O ano de 2015 do evento foi dos mais especiais, uma vez que Walter e Vladimir se viram homenageados. Criança e adolescente na capital, o repórter de 49 anos, pós-graduado em cinema, começou a fotografar muito em Brasília. "O Vladimir abriu portas a muito custo, na cidade, batalhando. O modo de produção dos filmes do Vladimir, que vem de um período com recursos técnicos muito difíceis, à época da película, o obrigava a usar muito mais criatividade. O negativo (para captar o filme) era uma coisa cara, por exemplo", explica o diretor.

Cinema artesanal

Muito antes da pauta da desigualdade — associada por Walter Carvalho às criações do irmão — estar em voga, Vladimir já mantinha o alerta para o tema. "Ele mostra, num dos filmes, a construção de Brasília e como muitos operários, vindos do Nordeste, foram levados a sair da cidade, por causa de um fator da desigualdade. Isso é recorrente nos filmes do Vladimir", diz Marcio, tratando da profundidade de um dos destacados profissionais envolvidos na criação de filmes como Aruanda (seminal filme de Linduarte Noronha, feito em 1960). Para além da parceria e irmandade junto a Walter, o novo longa se detém na colaboração e no lapidar dos olhares de profissionais como Jacques Cheuíche, diretor de fotografia de Cícero Dias, O compadre de Picasso (2016).

Visto como alguém "muito generoso e acolhedor", Vladimir, a cada encontro para Quando a coisa vira outra, sempre motivou a admiração de Marcio — "ele é muito ativo, e parece um menino de 80 anos", revela. Uma grande dificuldade foi encontrar acervos preservados dos filme do mestre, com a Cinemateca Brasileira fechada, durante a pandemia. "Vladimir atravessa, com a obra, os anos de 1970, 1980 e 2000, e traz a riqueza do Brasil, deveria ter um material preservado com qualidade maior. Alcançamos material no CTAv, do Rio de Janeiro, e na cinemateca do Museu de Arte Moderna. Na Fundação Cinememória, do diretor, havia material, mas em formatos diversificados, desde beta até DVD", conta Marcio de Andrade.

Com mais de 90 minutos, Quando a coisa vira outra requisitou até um trecho especial feito em animação assinada por Fred Assunção e Rodrigo Neiva. Envolvido com o longa, desde 2017, Marcio conta que viveu o processo de ver o documentário (inicialmente idealizado) ser transformado em outro filme, dada a organicidade do processo de realização. O resultado ainda será apresentado na faixa É Tudo Verdade (no Canal Brasil, dia 29 de maio). Daí será reanimada a longa trajetória do criador de obras como O país de São Saruê, que passou nove anos censurado, e ainda preciosidades como Barra 68 — Sem perder a ternura (2001), que retrata um sistema de perseguição no âmbito da universidade (no caso, a UnB), durante a ditadura.  

Saiba Mais

 

Saua Filmes - O diretor do novo longa, Marcio de Andrade
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Saua Filmes - O documentarista Vladimir Carvalho ao lado do irmão Walter Carvalho
Saua Filmes - Cartaz do filme Quando a coisa vira outra