Diante de uma sólida plataforma de realizações em audiovisual, em parte amparada pelo Fundo de Apoio à Cultura local, vários cineastas da cidade arregaçam as mangas e começam, ou mesmo dão continuidade, à construção dos futuros filmes em longa-metragem que chegarão aos cinemas. Nomes consagrados como Cibele Amaral, Iberê Carvalho e Gustavo Galvão se unem, no painel, a iniciantes em cinema, caso de Leo Bello e dos renomados (nos palcos) irmãos Guimarães. Confira algumas das apostas.
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O grande retorno
Num piscar de olhos, a lista de espaços dispostos nas filmagens do longa-metragem O vazio de domingo à tarde vem encadeada com imagens de pontos cristalizados na mente dos brasilienses: Hospital de Base, Córrego do Urubu, Setor Comercial Sul, Conjunto Nacional, Bosque do Torto, Igrejinha, Vila Planalto e as cidades de Abadiânia e Gama. Quarto longa-metragem assinado por Gustavo Galvão, o filme tem previsão para chegar ao circuito de festivais em 2023 e, segundo o diretor, "reflete muito as vidas em volta do Distrito Federal, que nunca é só Plano Piloto". No set com as atrizes Gisele Frade e Ana Eliza Chaves, respectivamente, Mônica e Kelly, na trama, Galvão conta, na verdade, não só do entrosamento das personagens, mas ainda "da relação com o entorno da cidade, em duas histórias que correm em paralelo".
Numa breve conexão com Brasília, a personagem Mônica é uma atriz que retoma a carreira, passado um hiato nas telas. "Já Kelly idealiza a vida na cidade diferente da dela", diz Galvão, ao ressaltar o vislumbre de uma carreira amparada nas celebridade que ela endeusa. Interessante foi que Gisele Frade (de Chiquititas e Malhação) ficou praticamente 20 anos distanciada da atuação (na vida real), e foi muito reconhecida, nas filmagens. "Apostamos neste retorno da Gisele, e que era uma incógnita: no set, ela foi maravilhosa, uma atriz nata", conta Galvão.
Etarismo absurdamente descabido, a ilusão de uma vida dinâmica (nas pretensões de Kelly) e projeção de um "novo homem" comportado pela atual sociedade são alguns dos aspectos de O vazio de domingo à tarde, filmado durante o mais recente período da pandemia. "O marido da Mônica, apesar de incomodado pela superexposição da esposa na mídia, é um parceiro real, que quer muito se distanciar da postura de macho alfa. Já a atriz se decepciona com papéis impostos, em que é vista mais pelo corpo do que pelo talento: se revolta com recorrentes papéis de periguete ou a mulher que rouba marido das outras, numa posição (criticada no filme) de objeto", conclui o diretor.
De olho no exterior
Num ritmo empolgado para a finalização do longa Na barriga da baleia, que terá entrega de corte final prevista para o mês de maio, as produtoras da Moveo Daniela Marinho e Heloísa Schons respiram aliviadas com a nova fase que descongela os planos de investimento em audiovisual da cidade. Na retomada, pretendem firmar parcerias, com inscrições em festivais de cinema, nutrindo confiança e otimismo. Com direção de Patrícia Colmenero, Na barriga da baleia tem roteiro de Juno Valente e Nico Valle. O filme foi rodado em janeiro de 2019, a partir de campanha de financiamento coletivo, sob arrecadação de R$ 14 mil. O impulso foi o da montagem de uma equipe técnica, na totalidade, feminina. A finalização do longa foi assegurada pelos R$ 250 mil saídos do FAC e que já foram recebidos. Nas próximas etapas, estarão a correção de cor e edição de som e mixagem. A perspectiva é avançar no envio da fita para diversificados festivais de cinema.
Também encaminhado, na Moveo, o longa Sangue do meu sangue (roteiro e direção de Rafaela Camelo) encontra-se em fase final de desenvolvimento. As adesões aos laboratórios Produire au Sud (Nantes, na França) e BrLab (com projetos latino-americanos e da Península Ibérica) fortaleceram o projeto. As filmagens devem ser 2023, depois da busca por novos fundos nacionais e internacionais que devem complementar um impulso de quase R$ 1,5 milhão propiciados pelo Fac e ainda de um fundo em Bordeaux (ALCA, na região francesa Nova Aquitânia).
O fator Iberê
Com a primeira versão prevista para maio, mas ainda sem data para exibição, a coprodução entre a produtora local Pá Virada e a Globo Filmes Maria terá cerca de 40 minutos, trazendo a cantora Dhi Ribeiro como atriz. "Acho que o público se surpreenderá com o talento dela como atriz. Maria é um filme para toda a família e que revela uma mulher de quase 50 anos, destacada como segurança no Mané Garrincha, mas que sempre teve o canto como sonho profissional. A vida a fez seguir para outro caminho, e agora Maria tenta concretizar o sonho repassado para a filha Elza (uma homenagem a Elza Soares), feita por Eduarda Moreira", explica o diretor Iberê Carvalho. As filmagens, adiadas diante da extensão dos efeitos da pandemia, transcorreram no final de fevereiro passado.
Iberê conta que o roteiro do paulista Gabriel Quadros está quase pronto para embasar o novo longa O menino que não existiu, possivelmente um produto para canais de streaming. "O enredo traz um menino de 11 anos em situação de rua. Ele quer ser cantor de funk, e, para viralizar na internet, acaba tomando o celular de um figurão do governo federal, em um semáforo", adianta o diretor. A produção será um thriller social, "com ação e realidade". O potencial para a derrubada da República é pressentido, já que o celular traz informações de muitos atos ilícitos.
Buraco verde
Em estágio de pós-produção do quinto longa, a comédia Ecoloucos, a diretora Cibele Amaral conta que ama diversificar bastante as locações dos títulos que comanda. Meio ano depois das filmagens da ficção científica O socorro não virá — na qual apostou em registrar mineradora, fábrica de gelo e museus locais, para afirmar uma visão futurística —, agora, nas filmagens concluídas em fins de abril, apontou a câmera para lugares verdes da capital. O Parque da Cidade, uma lagoa no Varjão e imagens do Sebraelab, uma estação modelo na Granja do Torto, foram incluídos no longa previsto para ser lançado em 2023 e que contou com produção de R$ 3,5 milhões.
Terrenos da Ceilândia, do Lago Norte e do Parkway, o Centro de Convenções e um equipado centro de reciclagem do SLU complementam o cenário do enredo, que traz no elenco Victor Leal, Cristiana Oliveira e Fábio Rabin. "Chefes de companhia que adotam uma farsa verde, e apostam em ativismo e sustentabilidade, com pegada pseudo-ecológica, criam situações inusitadas e cheias de bobagens, numa verdadeira arena para a comédia. O tema é bem atual, com o greenwashing (marketing que desvirtua a real responsabilidade sustentável de empresas) trazendo desafios para as filmagens — intensas e divertidíssimas", como Cibele descreve. Ela idealiza filmar takes complementares na Amazônia. O filme tem elenco completado por Maria Paula, Robson Nunes, Jovane Nunes e Adriana Nunes.
Em transe
Com comercialização e distribuição já encaminhada — traços que reforçam a profissionalização crescente na produção do cinema de Brasília —, o longa O espaço infinito, da Machado Filmes, marca a estreia de Leo Bello na direção. O longa se encaminha para etapa de inscrições em festivais internacionais como Roterdã, e nacionais (caso de Gramado). "O filme teve locações em Brasília e na Chapada dos Veadeiros. Na trama, falamos sobre a loucura, mas sob a perspectiva de quem surta, de um modo metafórico. Vivenciando uma experiência, a protagonista interpretada por Gabriela Lopes (A Concepção) ressignifica a loucura", comenta o produtor Alisson Machado, ao falar do título orçado em R$ 2,1 milhões.
O mesmo diretor Bello tem agendado para o segundo semestre mais um longa, sob o título de Cartório das almas. Para o próximo mês, a Machado Filmes alavanca as filmagens de Gradear, assinado por Thiago Mendonça e Alan Schvarsberg. Trata-se de um híbrido documental que, entre Brasília e São Paulo, vai explorar o ambiente periférico, com participação do sambista Murilão da Boca do Mato. "Vamos tratar das sensações de medo e insegurança, e do auto-enclausuramento", diz o produtor.
A primeira incursão cinematográfica dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães, sob orçamento de R$ 1,8 milhão, também está em processo pela produtora local. Nada, o título provisório do filme, incrementou verbas do Fundo de Apoio à Cultura e da Secretaria do Audiovisual (no âmbito federal), com uma passagem por evento em Málaga (Espanha), em que arrebatou dois principais prêmios, ainda sem estar, de todo, finalizado. O work in progress dos Guimarães já está em fase de montagem. "É a história de uma artista plástica que tem uma irmã, que vive recolhida em fazenda de Pirenópolis. Depois de 30 anos, há um problema de saúde e elas se reencontram. Na trama, existe uma antena misteriosa que envolve a cabeça e os sonhos dos personagens. Eles passam a ter visões, e se comunicam com um dispositivo de imagens", adianta Alisson Machado.
Superar a brutalidade A ser rodado na Cidade Estrutural, no primeiro semestre de 2023, o longa Brutus será o primeiro voo solo em longas do diretor Marcelo Toledo, depois de dois projetos de longa divididos com Paolo Gregori: Corpo presente (2012) e Invasores (2016). Sob o nome de Flaubert Brutus, o protagonista é um lutador de boxe, imigrante haitiano. "Vivendo em um quarto de pensão, ele tenta recuperar a carreira no esporte e conseguir dinheiro para pagar um agiota. Ao longo do filme, ele se joga nas formas cada vez mais desesperadas para conseguir dinheiro", adianta o cineasta.Metade do orçamento (de R$ 2,5 milhões) vem ancorado no Fac (Fundo de Apoio à Cultura) Multicultural. A finalização e a distribuição seguem em estudos, a partir do andamento de novos apoios em fundos e serviços. "Teremos um horizonte melhor para o acesso do público via canais de streaming. A distribuidora Olhar de Cinema tem montado estratégia para a circulação do filme, após um esperado circuito de festivais e de mostras", explica Marcelo Toledo.
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