Com a concentração do circuito de cinema atenada pela chegada nas telonas do aguardado Doutor Estranho no multiverso da loucura (em 5 de maio), a hora de diversificar as opções para o público chega, na janela, desta quinta-feira. O cinema realimentado pela indústria das séries de tevê está na proposta de uma das estreias: Downton Abbey II: Uma nova era.
Crítica // Downton Abbey II: Uma nova era
Austera presença
Com mais de 50 episódios exibidos na televisão, até 2015, a série Downton Abbey expandiu, dada a legião de fãs, para um filme que chegou à telona há três anos. Opulência, elegância, intrigas e uma lista de amores retomados enchem a tela, na mais nova investida do diretor Simon Curtis, à frente de Downton Abbey II: Uma nova era. Com enorme projeção na trama, a matriarca vivida com a humorada sofisticação de Maggie Smith, Violet Crawley, é quem dá as cartas.
Claro que o filho dela, Robert (Hugh Bonneville) e a neta de Violet, Mary (Michelle Dockery), trazem um peso para o retrato de um período, em que desfilam "serviçais" (como o termo aplicado no roteiro, sem melindres), desenvolvido pelo mesmo criador da série, Julian Fellowes. Depois de abrigar uma comitiva da monarquia inglesa, na história do primeiro longa, com mudança de costumes e o abalo do império aristocrático, a famosa e gigante propriedade de uma endinheirada dinastia acolherá, por um mês, uma equipe de cinema. Daí surgirem três novos personagens: a insuportável atriz Myrna Dalgleish (Laura Haddock, de Guardiões da Galáxia), o astro Guy Dexter (Dominic West) e ainda o abalado diretor Barber (papel de Hugh Dancy).
A trajetória de quebra de protocolos sociais e transferências de bastões seculares traz uma leitura curiosa, quando se assiste ao longa. Ao invés de esbarrarem numa trupe de "atores bêbados" e "atrizes emplastadas de maquiagem", como projetavam, os endinheirados percebem os sinais do fim de uma era e o começo de outra: assustada, a trupe de cinema enfrenta a queda do cinema de "mímica com música" e depara, ainda aos fins de 1920, com o despontar dos recursos do cinema sonoro. É divertido ver a inspiração de Cantando na chuva (1952), justo num filme que deriva de série e busca as origens da linguagem destas séries justo na chamada sétima arte.
Depois de comandar o introspectivo Sete dias com Marylin (2011) e o agitado A dama dourada (2015), o diretor inglês Simon Curtis consolida um estilo harmônico no qual administra a façanha de condensar o destino de 24 personagens que estampam o cartaz de Downton Abbey II. Um deslocamento de parte da galeria de personagens para o sul da França renova o fôlego do drama. Esta etapa fantasiosa do filme reforça uma máxima de um dos personagens que destaca que "casamento é romance, e não um conto". Puxando o fio da meada de uma relação amorosa da idosa Violet, o grupo viajante desemboca numa villa, na Riviera Francesa, prometida como herança para o clã Crawley.
Administrando a vida, num "planeta diferente", a quase nonagenária Violet segue com a pompa de dama, com tiradas tão descabidas quanto impagáveis. Quem ganha espaço na trama é o ex-mordomo Carson (Jim Carter), num filme recheado por belas paisagens e amenos flertes. Junto com Carson, entre o ruir de algumas instalações (físicas) de Downton Abbey e o instaurar de um mundo moderno, com arquitetura hierárquica mais flexível, quem também marcará pontos num estilo de vida menos condicionados a aparências é o personagem encabeçado por Robert James-Collier, o mordomo gay Thomas Barrow. Nada do que foi será. (RD)