A terceira edição do Diálogos contemporâneos desembarca em Brasília com uma série de oito palestras sobre temas da realidade nacional tratados por escritores e pensadores da cultura brasileira. Depois de passar por Sobradinho e Taguatinga em 2021, o ciclo de debates será realizado no Liberty Mall e traz uma lista de convidados que tem Ailton Krenak, Tony Bellotto, Mary del Priori, Sergio Vaz, Fernando Morais, Viviane Mosé, Preta Ferreira e Fabrício Carpinejar.
A proposta dessa edição é aproximar público e escritores, incentivar a leitura e trazer para a mesa de debate temas que permeiam a vida do país e do mundo. "São temas relacionados à atualidade", avisa Cléria Costa, uma das produtoras executivas do evento. Segundo ela, o mote dos encontros é o que esperar do futuro e como lidar com os problemas da atualidade. "Passamos por um momento, nesse pós-pandêmico, em que muitas questões estão em jogo e não temos respostas no dia a dia. Quais os obstáculos para reinventar um país inclusivo, que respeite as diferenças, onde as pessoas tenham acesso à educação? Como lidar com os novos tempos e com tanta desigualdade?", diz.
Produtores e curadores do Diálogos contemporâneos acreditam que, através da lente da literatura, os escritores brasileiros têm muito a dizer na formulação de respostas às questões propostas. "Eles podem contribuir na reflexão, na busca de novas perspectivas a partir de seus saberes, suas obras. A literatura brasileira tem muito a dizer sobre o momento que vivemos. Temos grandes escritores e ouvi-los é uma grande oportunidade para interpretar a realidade", garante Cléria.
A curadoria foi realizada pelo editor Luiz Fernando Emediato, que partiu de uma lista de 40 nomes para chegar aos oito convidados dos debates em Brasília. "Esse projeto tem o objetivo de servir como painel de debates, discussões e reflexões para estimular o pensamento crítico sobre a realidade do país, do mundo, da sociedade em que vivemos e como a arte se situa nela", explica. Este ano, o Diálogos contemporâneos também vai visitar escolas. No DF, cinco escolas públicas e a Universidade Católica vão receber os autores para um debate sobre uma obra previamente estudada em sala de aula.
Quem abre o evento hoje é Ailton Krenak, autor de Ideias para adiar o fim do mundo, A vida não é útil e O amanhã não está à venda. A cultura do descarte, a sociedade de consumo, o meio ambiente e o futuro da humanidade são os temas da palestra do líder indígena, ambientalista e filósofo. "Minha ideia é pensar o que ainda podemos fazer para tornar a vida no planeta terra uma coisa ainda prazerosa, em vez de passarmos o tempo inteiro flagelados por eventos climáticos, tragédias sanitárias e uma série de outros eventos que têm sido dolorosos para todo mundo", diz Krenak.
Segundo o escritor, o mundo contemporâneo não quer cidadãos, e sim clientes. "E cliente é pior do que o consumidor", acredita. "O consumidor ainda tem alguma autonomia em relação ao que escolhe para consumir. O cliente não, ele já está totalmente dominado por essa fúria de absorver coisas, comer o mundo, parece uma máquina, o mercado vai gerando produtos e esse organismo vai devorando como se fosse uma máquina. E deixa de expressar interesse pela vida ao redor de si mesmo."
Amanhã, é a vez do poeta Sérgio Vaz, que vai falar de literatura, rap e realidade na periferia. "Os escritores da periferia querem ter voz, o que a academia pode não gostar, mas a academia já não gosta mesmo da gente. As pessoas não gostam do que é do povo, mas precisam entender que o povo tem nobreza, não aceita que não pode escrever", diz Vaz, fundador da Cooperifa, sarau da zona sul de São Paulo que costuma reunir mais de 200 poetas e escritores toda semana.
Fernando Morais também está entre os convidados e traz debate sobre guerras culturais, pós-verdade e negacionismo enquanto Preta Ferreira, ativista atuante na luta contra o racismo, vai falar sobre desigualdades étnico-raciais, memória e apagamentos. Autor de romances policiais, Tony Bellotto faz palestra sobre a violência e a psicanalista Viviane Mosé vai refletir sobre o sentido da vida. O envelhecimento será o tema da palestra de Fabrício Carpinejar.
Duas perguntas para Ailton Krenak
Com a pandemia, o senhor acredita que houve alguma mudança na maneira como as pessoas consomem?
Quando a gente consome o mundo, estamos devorando nós mesmos, só que de maneira inconsciente. Se fosse de maneira consciente não tinha problema. É como se fossemos drogados pelo desejo de consumir coisas. A pandemia trouxe uma mudança mínima, ela alcançou as pessoas que já tinham predisposição para mudar hábitos, inclusive de consumo, mas também para mudar paradigmas. A ideia de riqueza material, muitas pessoas conseguiram finalmente escapar disso. Mas é insignificante. Somos 8 bilhões de pessoas no planeta. Produzimos um evento chamado antropoceno, agora vamos ter que desproduzir ele. Desproduzir o antropoceno pode incluir a renúncia dos humanos em ocupar o topo da pirâmide, eles têm que descer do topo da pirâmide e conviver com outros seres. Enquanto ficarmos no topo, vamos afundar todos juntos.
O senhor tem acompanhado a pressão do governo para a liberação de exploração das terras indígenas. Como encara o que está acontecendo?
O mundo inteiro vive uma tragédia e, nesse painel global, o Brasil aparece como uma tragédia específica produzida por nós mesmos. Os brasileiros escolheram um sujeito para governar o país e não perguntaram qual o programa dele. E o programa dele é destruir, ele prometeu isso e está destruindo. A responsabilidade pela desgraça que está acontecendo no nosso país deve ser cobrada dos que elegeram esse homem para governar o Brasil. Não adianta agora ficar fazendo julgamento mesquinho, dizendo que fulano é bandido, bandido são todos aqueles que votaram nele, que deram o mandato a ele, estão todos com as mãos sujas de sangue.
Diálogos contemporâneos
De 18 de abril a 16 de maio, sempre às 19h, no Espaço Cultural do Liberty Mall (Setor Comercial Norte). Entrada franca