De abril de 1984 até dezembro de 1986, um teatro balançou a vida cultural de Taguatinga e estabeleceu um novo eixo das artes no DF. Em uma conjunção histórica favorável, o Teatro Rolla Pedra nasceu a partir da emergência das bandas de rock da era de ouro de Brasília, capitaneada por Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Elas passaram por lá e inspiraram a criação de novas bandas e novos projetos. Mas não foram somente as pedras do rock que rolaram.
O Rolla Pedra era mais do que um espaço; era um polo cultural. Aglutinou diversas tribos de jovens em torno da música popular, do rock, do teatro e das artes plásticas. Figuras tão díspares quanto o dramaturgo Plínio Marcos ou a feminista Rose Marie Muraro estiveram no teatro de Taguatinga. O Rolla Pedra foi criado por José Fernandez, professor de geografia, Zé Maria, professor de física do Colégio Objetivo, e Marco A, analista de sistema.
Embora tenha durado apenas dois anos, o espaço exerceu um impacto sobre várias gerações. É essa história que o poeta e professor Paulo Kauim contra no livro Teatro Rolla Pedra - Arte e utopia sob nuvens de chumbo. Kauim é professor do Centrão de Taguatinga, ama lecionar e escreveu o livro nos períodos de férias. Nesta entrevista, ele conta como nasceu o Teatro Rolla Pedra, a razão do fechamento, as histórias e o impacto na vida cultural de Taguatinga e do DF.
Entrevista / Paulo Kauim
Como é o seu envolvimento com essa história do Teatro Rolla Pedra?
Meu envolvimento acontece em uma fase em que Taguatinga era um deserto cultural. Ouvia Jorge Mautner, Novos Baianos e Luis Melodia na casa dos amigos, mas não havia um ponto aglutinador. De repente, surgiu um teatro que reunia as tribos mais diferentes: lá, se reuniam os punks, os roqueiros, o pessoal do teatro. Nunca vi nada parecido como o Rolla Pedra naquele momento.
Como construiu a história do Teatro Rolla Pedra?
O nome do livro é Teatro Rolla Pedra — Arte e utopia sob nuvens de chumbo. Estruturei o livro para falar da aventura do teatro, da música e da dança. E convidei pessoas para colaborar, entrevistei mais de 200 pessoas. O livro de entrevistas da Clarice Lispector foi muito importante para contar a história do Teatro Rolla Pedra. E outra referência importante foi o livro Mate-me por favor, uma história sem censura do punk. A partir desses livros, montei a estrutura do meu jeito. Tem o formato de documentário de cinema, uma hora fala o guitarrista, em outra, quem frequentou. Tem depoimentos de Bonfá, Dado Villa-Lobos, Phillipe Seabra, Fê, Loro Jones, José Regino e Miquéias Paz.
Como avalia a contribuição do Rolla Pedra para a cultura em Taguatinga e em Brasília?
Avalio como uma ruptura na própria história. Taguatinga era uma cidade pacata, com pequeno comércio e vida conservadora. Mas, de repente, alguns estudantes de Taguatinga na Universidade de Brasília conhecem a banda Aborto Elétrico. Eles ficaram eletrizados com aquela ideia e quiseram levar aquilo para Taguatinga. O Rolla Pedra era um local para levar o rock, o teatro e as artes plásticas. Eles entraram em contato com o grupo da Lira Paulistana em São Paulo, que tinha Arrigo Barnabé, Eliete Negreiros e Itamar Assumpção. É exatamente o que aconteceu em Taguatinga, com a chegada da Legião Urbana, da Plebe Rude, de Renato Matos, do Detrito Federal. A Lira Paulistana foi uma fonte de inspiração. Plinio Marcos fez uma série de performances pelo Brasil inteiro e passou por lá. Rose Marie Muraro, uma das primeiras feministas do Brasil, participou de um debate.
Quanto tempo durou o Teatro Rolla Pedra e por quê ele foi fechado?
Durou de abril de 1984 até dezembro de 1986. O que desencadeou o fechamento foi a intriga com um vizinho do lado. Fizeram abaixo assinado para fechar o Rolla Pedra, sob a alegação que provocava muito barulho. Os primeiros shows da Legião Urbana, do Finis África, da Plebe Rude foram lá. E foi lá que nasceu a ideia do disco Rumores, com várias bandas de Brasília. É impressionante como abrigava signos diversos, sem preconceitos, com várias linguagens.
O que aconteceu com o Teatro depois do fechamento? Ele desapareceu fisicamente?
Depois que ele fechou, virou um depósito de material do Fernandez. Virou o nome de um festival para bandas iniciantes. Há alguns anos, botaram uma placa em homenagem, mas em um prédio errado. A mãe do Renato Russo e a irmã estiveram lá. E, agora, o Phillipe Seabra, da Plebe Rude, colocou uma placa definitiva sobre o Rolla Pedra no lugar correto. Faz parte do roteiro do rock em Brasília. O teatro não existe mais, os donos eram José Fernandez, professor de geografia, Zé Maria, professor de física do Objetivo, e Marco A, analista de sistema. Ele ganhava não sei quantos dólares de salário, mas ficou tão empolgado com a música que queria largar tudo para produzir shows de rock.
Qual a repercussão da existência do Teatro Rolla Pedra na cultura de Taguatinga?
Teve impacto enorme. Taguatinga era uma cidade-dormitório, mas, com o Rolla Pedra, passou a receber gente do Plano Piloto, do Lago Norte, do Lago Sul e, principalmente, passou a produzir cultura. A Beth Ernest Dias e a Silvia Passaroto fizeram duo de flauta e harpa tocando peças de Claudio Santoro. Então, houve uma interação muito forte, a cultura circulou e a cidade cresceu.
Qual a sua intenção ao escrever o livro e como gostaria que fosse recebido?
A minha ambição é fazer uma psicanálise da cidade, gostaria de provocar uma reflexão, a partir da experiência do Rolla Pedra, para que fosse possível criar um presente e um futuro menos bárbaro. Porque a cidade está abandonada. De cultura, em Taguatinga, você só tem o Bar do Kareka. Você não tem galeria de arte, não tem cinema, só cinema de shopping. Antes da pandemia, já havia a ausência de uma pulsação cultural. Quem possa ler, em qualquer lugar, pense: caramba isso estava acontecendo de forma tão forte e a própria cidade deixou de produzir. A gente tem a sensação de que não faz mais música. As pessoas estão presentes na rede social, tem muita coisa boa, mas não chega ao público mais amplo. Então, é preciso arrancar a ferrugem das pessoas, para que fiquem mais indignadas e se movimentem no sentido de fazer as coisas acontecerem como ocorreu nos tempos do Teatro Rolla Pedra. Dedico esse livro aos inimigos da beleza.
Histórias do Rolla Pedra
1 - O grupo Gente de Casa foi se apresentar no Rolla Pedro. Dênis, da Escola de Música, convida o Nema para assistir ao show. Quando vê a performance de Jorge Helder, fica tomado e, imediatamente, forma o grupo Pégasus e toca no Rolla Pedra. Quando tocou no Blue note, de Nova York, acompanhando Ivan Lins, Paul macartney ficou impressionado como Nema tocava samba no contrabaixo e foi até o camarim. Nema pegou o instrumento e ensinou para Paul MaCarteney. Ele aprendeu a tocar daquele jeito no Teatro Rolla Pedra, ao assistir ao show de Jorge Helder.
2 - Na passagem de som, Legião, Renato Russo cantarolou uma canção de Roberto Carlos, ao som do teclado. O pessoal do Ecad estava lá e encrencou. Deu trabalho para a produção do Rolla Pedra convencer os funcionários do Ecad que Legião Urbana não era cover de Roberto Carlos,
era uma banda completamente autoral.
3 - Quando não tinha show, o Partido Comunista, ainda clandestino no fim do regime militar, baixava as portas e fazia as reuniões clandestinas.Em uma dessas reuniões, eles decidiram levar o cantor cubano Pablo Milanês para fazer um show em Ceilândia.