Existe uma alternância de modalidades dramáticas que permeiam a obra do premiado diretor Nanni Moretti, ora interessado numa crítica social (como em Habemus Papa e O crocodilo) e ora afundado em dramas ou comédia desenfreadamente íntimos (casos de Minha mãe e Aprile). Com o mais recente título, Tre piani, o artista italiano consegue fundir as vertentes, em doses que resultam em um filme que desperta a curiosidade, mas que não deixa de padecer, com as abruptas passagens do tempo dispostas na adaptação do texto do israelense Eshkol Nevo.
Na linha das recentes estreias brasilienses dos filmes apresentados no último Festival de Cannes — que trouxe Drive my car, Annette, Benedetta e A ilha de Bergman —, Tre piani fica mais para A crônica francesa, comandado por Wes Anderson, a partir de um arsenal de personagens. No diferencial está a visão geralmente muito dura de Moretti. Ele, que já venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 2001, com o pesado O quarto do filho, volta a falar da falta que os outros fazem para seus conhecidos, entes e amados.
Em Roma, a galeria de seus personagens é ampla, trazendo: a bela Denise Tantucci, na pele da ninfeta Charlotte; Riccardo Scamarcio, como Lucio, um homem casado com impulsos à flor da pele e Marghrite Buy, excepcional, na interpretação de Dora, a mãe obrigada a uma pesada decisão. Alba Rohrwacher, vivendo a solitária mãe de primeira viagem Monica, completa o time, ao lado de Alessandro Sperduti, que compõe o abjeto Andrea, jovem inconsequente e beberrão, incapaz de assumir responsabilidades.
O ponto em comum a unir os enredos está no fato de as famílias se cruzarem, a todo momento, num pequeno condomínio italiano. A interação testa os limites sociais, e, sob a máxima de a intimidade ser danosa, os personagens armam ciclos de amor e ódio. Acima das desavenças que plantam, flutuam os julgamentos que empreendem, e a verdade de algumas situações que tratam de recriar e contaminar sem apostarem na comunicação objetiva, transparente e saudável.
Curioso é ver um diretor (e ator) do porte de Moretti acertar o tom com dramas, em grande parte, fomentados por personagens femininos. Há o pai paranoico por causa dos indícios de estupro da filha, a mãe impedida de falar com o filho, a moça que, diante da braveza do marido, tem a relação com o cunhado interditada e ainda o sofrimento de uma idosa que vê o marido difamado. Tratando de ciúmes e amor, Moretti dá conta de muita sentimentalidade e, no mesmo peso, traz à tona a importância da justiça e do senso de amabilidade.