São quase 10 anos desde a turnê solo “Verdade, uma ilusão” – em novembro de 2012, no Palácio das Artes – e quatro de sua passagem com os Tribalistas – setembro de 2018, no Mineirão. De volta a Belo Horizonte, agora com a turnê “Portas”, Marisa Monte faz show, neste sábado (16/4), no anfiteatro do estádio da Pampulha.
Marisa nunca sobe ao palco gratuitamente. Desde sua estreia com “MM” – lá se vão 33 anos –, música, cenário, figurino, banda, enfim, tudo o que é levado para a cena tem sua razão de ser. E nenhuma turnê é como a anterior, vale dizer.
Desta vez, ela está acompanhada de dois velhos companheiros, o baixista Dadi e o guitarrista David Moraes, além do baterista Pupillo, do percussionista Pretinho da Serrinha (que veio a BH há 15 dias ao lado de Caetano Veloso), de Chico Brown, coautor de três canções de “Portas” (no show, o filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque toca teclado, guitarra e canta) e do trio de metais formado por Antonio Neves (trombone), Eduardo Santanna (trompete e flugelhorn) e Lessa (flauta e sax).
Veja o clipe de 'Calma', parceria de Marisa Monte Chico Brown, neto de Chico Buarque:
“Portas” é o oitavo álbum solo de estúdio de Marisa e pelo menos metade dele estará em cena hoje. Show longo, com 32 canções em duas horas, abrange tanto o trabalho atual, produzido com os devidos protocolos sanitários e diretamente influenciado pela pandemia, quanto toda a discografia da cantora – o hit seminal, “Bem que se quis”, está na parte final da apresentação.
Em turnê desde janeiro e shows confirmados até novembro deste ano, Marisa afirma, na entrevista a seguir, que “Portas” é um trabalho de resistência. “Isso é uma postura de política civil, campo onde percebo os movimentos mais inspiradores.”
Show de Marisa Monte é sempre um evento, independentemente da época e do lugar. Para uma artista que prima por turnês sempre “vivas”, nunca revisionistas, como foi ficar sem colocar o pé no palco durante dois anos?
Foi uma situação inédita na minha vida profissional ficar tanto tempo sem pisar no palco e sem cantar ao vivo. A pandemia afetou o setor cultural em cheio, e toda a vida social e coletiva ficou em suspenso durante esse período. Agora, com a volta dos shows, tem sido imensamente emocionante encontrar com tantos amigos, fãs e com o público para celebrar a vida através da música. Nos shows que fiz até agora encontrei relatos de pessoas saindo pela primeira vez de casa para um evento desde 2020. Isso acrescenta uma emoção diferente, repleta de saudade e alívio, cheia de alegria e que potencializa os sentidos.
O que de bom você tirou, para sua carreira, do tempo em casa?
Foi um momento difícil para todos. Para mim, não foi diferente: uma fase de muitas incertezas, medo, insegurança. Por outro lado, como eu viajo muito e sempre, foi um privilégio poder estar em casa com minha família por mais tempo. Acho que foi um período transformador que marcou todos nós no planeta, pessoas de todas as idades e profissões jamais se esquecerão dessa experiência.
Em BH, o show será no Anfiteatro do Mineirão, bem diferente do Palácio das Artes, seu palco usual na cidade. Levar o espetáculo para espaços que não teatros promove outra relação com a plateia?
Já me apresentei em diversos tipos de palco, estou acostumada a viver experiências em várias configurações e dimensões. Gosto de tudo e de diversidade. O ambiente interfere muito na atmosfera do show. Enquanto no teatro tudo é mais concentrado e contido, em espaços abertos e maiores a descontração e a interação acabam sendo mais naturais. Adoro fazer show em teatros como o Palácio das Artes, já fiz também em casas de show. Na última vez que estive em Belo Horizonte, foi com os Tribalistas no Mineirão e foi inesquecível. É emocionante cantar em harmonia com a multidão.
Você já levou a nova turnê aos EUA e tem uma série de datas marcadas na Europa e América do Sul. Tocar fora é muito diferente de fazer shows em casa?
Na verdade, é bem parecido… Tenho feito turnês fora do Brasil nos últimos 30 anos e há um público consolidado que acompanha meu trabalho com atenção, a mistura de brasileiros com estrangeiros iniciados e apaixonados pela música e pela cultura brasileiras. A grande diferença, pra mim, é que preciso adaptar todos os textos e falas para as línguas locais. O repertório geralmente é o mesmo, com pequenas mudanças pontuais naturais, que sempre acontecem durante a tour. Sou recebida sempre com muito amor onde passo.
“Portas” é um disco otimista. O tom do álbum foi proposital, como afirmação diante de tempos difíceis? Qual é o papel de um artista, que tem voz pública, em época de crise?
Eu compartilho todos os sentimentos de incerteza, angústias e medos deste momento trágico que estamos vivendo, mas através da arte quis oferecer uma resistência poética, criativa e amorosa. Isso é uma postura de política civil, campo onde percebo os movimentos mais inspiradores. Apesar de todas as dificuldades, acredito que estamos no processo evolutivo civilizatório, e que se avaliarmos uma curva de tempo mais larga, de 50 ou 100 anos, certamente perceberemos os avanços no campo da ciência, do comportamento, dos direitos civis e das liberdades individuais. Isso é uma construção coletiva social, que demora tempo, não é tão rápida quanto gostaríamos, mas segue sempre o fluxo constante em direção ao progresso, apesar dos momentos de retração conservadora como, infelizmente, estamos vivendo.
É um show que enfoca o novo álbum, mas dá espaço para toda a sua produção discográfica. Como foi feito esse repertório? O que você privilegiou para entrar no show?
Hoje eu tenho um repertório muito grande. Depois de tantos discos gravados, preciso sempre promover o rodízio de canções. São muitos hits, canções que todo mundo conhece, de alguma maneira elas vão circulando naturalmente, entrando e saindo do repertório ao longo dos anos. É uma escolha também muito intuitiva com equilíbrio interno das canções que dialogam com o momento.
Marina Sena já afirmou que “tudo que veio depois de Marisa Monte foi inspirado nela”. A própria cantora mineira, no início da carreira, foi confundida com você. Como se vê como referência para novas gerações de cantoras?
É muito difícil, para mim, dizer quem eu influenciei. Muito mais fácil dizer quem foram as influências. Sinto que no meu canto existe a presença de grandes vozes femininas, mas também de cantores, de instrumentistas, de poetas, de escritores, artistas plásticos, e de todas as cores e sons que alimentam o meu senso estético. Nunca vi a Marina Sena ao vivo, mas fico sempre feliz de ver mulheres abrindo espaço para outras na cena musical, ambiente ainda muito masculino, expressando sua sensibilidade e dando voz a tantas outras.
Perfeccionismo em cena é a marca que você carrega desde o início de sua trajetória. Há espaço para improvisos neste novo show?
Não há nada sob controle na vida. E o palco é um reflexo dessa máxima. Por mais que a gente esteja ensaiado e organizado, tudo pode acontecer. E é nesse momento que o improviso está sempre presente. Não há um show igual ao outro.
O público não está se calando nos grandes shows. Qual é a sua opinião sobre as manifestações em grandes eventos?
Acho normal e muito saudável que o povo possa se manifestar coletivamente e amplificar seus sentimentos. Um exercício cívico, de liberdade, de potência e de democracia. Adoro.
MARISA MONTE
Show “Portas”. Neste sábado (16/4), às 21h, no Anfiteatro do Mineirão, Avenida Antônio Abrahão Caram, 1.001, Pampulha. Cadeiras: R$ 600 (preço único). Lounge: R$ 380 (preço único). Inferior: R$ 350 (inteira) e R$ 175 (meia). Superior: R$ 210 (inteira) e R$ 105 (meia). À venda no site Eventim (eventim.com.br/marisamonte)
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