Uma rede de relações de abuso chancela o drama, baseado na vida real, Os olhos de Tammy Faye — a estreia de hoje, no streaming do Star +. No filme, que recria o cotidiano da evangelista midiática Tammy, há abuso dentro da relação mantida com o público de tevê (que embarca em barbaridades, sob o escudo da fé), e ainda com o parceiro de crime de Tammy (e, aqui, a expressão norte-americana para união nunca fez tão perfeito sentido).
Tendo como grande chamariz o Oscar vencido pela atriz Jessica Chastain, habilitada a encarnar diversas fases da vida de Tammy, o longa assinado por Michael Showalter, de verdade, não avança, nemnhuma casinha, em termos de linguagem de cinema. Ao contrário, é daquelas biografias muito quadradas, e que segue modelo imperante nos anos de 1980, período do auge da fama de Tammy e do marido Jim Bakker (interpretado pelo múltiplo ator Andrew Garfield, astro do recente tick tick... BOOM!).
Adaptação de um documentário exibido há 22 anos no Festival de Sundance, o longa tem roteiro de Abe Sylvia, e, na estrutura, lembra Eu, Tonya (2017), sobre a patinadora Tonya Harding, com teor de escândalo e incredulidade. Em muito, a trajetória de Tammy faz lembrar a jornada do personagem de Robert Duvall, em O apóstolo (1997), que nos anos de 1940, pregava, via ondas do rádio. Mas, o império reluzente e enganador do casal Bakker é infinitamente mais nocivo.
Na captura de uma personalidade que oscila entre a ingenuidade e o patético, Jessica Chastain coletou do prêmio do Sindicato dos Atores (SAG) à Concha de Prata de melhor atriz em San Sebastián, passando pelo Oscar. A caracterização da apresentadora gospel que, num turbilhão de acontecimentos públicos e pessoais, investe na redescobre da fé em si, deve muito à maquiagem e aos penteados (da equipe vencedora do Oscar e, no passado, atrelada a filmes de heróis e ao terror Mama).
Numa ode de reverência à prosperidade (prioritariamente individual), Tammy, sempre com a voz esganiçada, é uma prova do esbanjar de talento de Jessica Chastain, que canta e atua, em tom maior, num filme muito menor. Nome de peso no elenco, Cherry Jones (de Succession e The handmaid´s tale) incorpora a sisuda mãe de Tammy, Rachel, com enorme convencimento. Entre fraudes e alianças deploráveis de bastidores do The PTL Club, que comandava ao lado de Jim, Tammy esbarra numa louvável gana por reconstrução de dignidade. Morta em 2007, Tammy, num mar de hipocrisia, se teve grande valor, foi o de destroçar alas mais conservadoras da Igreja, desmascarando, em rede nacional, tabus em campanhas que dirimiram preconceitos contra a homossexualidade e expunham informações importantes que alcançavam até a disfunção erétil.