O enredo de Os caras malvados começa com uma cidade em polvorosa, por causa da queda de um meteorito na Terra. Não demora, e uma turma que segue um ditado controverso ("Seja mau, ou tchau tchau") entra em cena para impulsionar o entretenimento da animação criada pela DreamWorks. Chegam tirando onda de óculos escuros e recorrendo ao expediente que embala a fama de todos: promovem assaltos e, sem nada de popularidade, tocam o terror, no pacato lugarejo em que agem destemidamente. Numa apresentação sumária, trata-se de um quinteto: Sr. Lobo é o tipo galã e algo fanfarrão; e Redinha é a tarântula versada em alta tecnologia e turbinada na velocidade (com o recurso das múltiplas patas, ao teclado); enquanto Tubarão tem exímia performance na habilidade com disfarces. Completam o time, o monstruoso Sr. Piranha e o altivo senhor Cobra, desesperado em aplacar a eterna fome com multidões de porquinhos da índia.
Com o humor muito alterado, frente ao aniversário, Cobra se afunda na arrogância, a ponto de detonar os amigos e comparsas: "vocês são quem eu menos odeio no mundo". É o jeito dele de demonstrar a consideração pelos colegas que se esparramam entre gags visuais e crises de vazio emocional. O ponto em comum é que os malvados solidificam e sabem valorizar a amizade. O problema é que, de modo indiscriminado, todos irradiam medo, por onde passam. No filme comandado pelo estreante Pierre Perifel (do departamento de animação de Kung Fu Panda), e que se baseia em livros de Aaron Blabey, uma chefe de polícia fará toda a diferença, ao reordenar a vida dos contraventores.
Ícone de amor e de perdão, e promotora de uma nova chance para o quinteto de criminosos, a celebridade do ano — o porquinho da índia batizado de Professor Marmelada — espera que "flores desabrochem" na vida dos larápios que veem a importante estatueta Golfinho Dourado como objeto de primeira necessidade, ao arquitetarem um roubo para entrar na história. Num salão de festas, durante a solenidade reservada ao "bom samaritano" Marmelada (equiparado à Madre Teresa de Calcutá), o roteiro cresce, assinado por Etan Cohen (Madagascar 2: A grande escapada e de comédias com Ben Stiller e Will Ferrell). A entrada em cena de Diane Rapousino, uma raposa eleita governadora, fará toda a diferença. Enquanto se prepara para enorme golpe, a turma vive um clima à la Missão Impossível, sem as certezas da impunidade. Uma dose de redenção despontará, justo no Lobo — o de estereótipo mais assustador —, quando ele enxerga um iminente acidente que envolve uma vovó prestes a despencar das escadarias. É a senha para uma troca de personalidade de Lobo.
Uma guinada de lema ("Ser legal é muito bom, e quando você é legal, você é amado") se configura, quando o Lobo, em raro momento, sente a felicidade de ser chamado de "rapaz legal". Com a cauda abanando, pode estar prestes a deixar o crime. Quem se entusiasma em repassar os ensinamentos positivos é Marmelada, que se arvora em criar um retiro voltado à prática do bem. Ações singelas trazem o friozinho na barriga, a partir das bondades: compartilhar comida, salvar um gatinho e auxiliar uma senhora na travessia de uma faixa de pedestres.
Para quem curte mais ação e uma carga forte de aventura, a trama dos malfeitores traz situações de controle da mente, abraça uma misteriosa personagem acrobata chamada de Pata Escarlate (que é infiltrada na ala dos vilões), e ainda brinca com artifícios do calibre de Batman, por incorporar grande número de bugigangas.
Crítica / Drive my car ****
Oração ao tempo
Ressignificar: é com esta tão surrada expressão da atualidade que o diretor de Drive my car, Ryusuke Hamaguchi, tece toda a trama que rendeu a ele não apenas o prêmio de roteiro no Festival de Cannes, mas ainda quatro indicações ao Oscar. Em evidência nos cinemas, e na lista do Oscar (concorrente a melhor filme, melhor filme internacional, melhor diretor e melhor roteiro adaptado, na parceria entre Hamaguchi e Takamasa Oe), Drive my car, uma produção japonesa, chegará à plataforma Mubi, a partir de 1º de abril.
Conceitos de que a arte recupera e revigora impulsionam o filme que em muito se ampara numa obra do celebrado russo Anton Tchékhov. Numa desgastante (mas positiva) jornada para o protagonista, o ator e diretor de teatro Y. Kafuku (Hidetoshi Nishijima) parece reassumir a persona de Tio Vânia, a obra de Tchékhov que ele encenou nos palcos (e que, novamente, atravessa a vida dele). Casado com Oto (Reika Kirishima), Kafuku viverá muitas dores, para além do adultério.
Destacado para um evento em Hiroshima, o diretor viverá o dilema de "a arte imitar a vida", numa tangência de mundos que ele mesmo trata de estimular. Ao lado da jovem motorista profissional Misaki (Toko Miura), o artista verá, de certo modo, a vida pelo retrovisor.
Tal qual Tio Vânia, Kafuku se renovará, pela aproximação com um inexperiente colega de palco. Entre tantas camadas artísticas dispostas no filme, que versa sobre renovação de sentimentos e a expansão de experiências sensoriais, Drive my car ainda aceita um belo paralelo com o excepcional clássico de Alain Resnais Hiroshima, mon amour (1959), estrelado por Emmanuelle Riva e que tratava da reconstituição de tempos e amores. (RD)