Obituário

Orlando Brito: um mestre do olhar, do registro e, agora, da saudade

A morte do fotojornalista Orlando Brito comove a capital do país. Ela conseguia traduzir, em uma imagem, o momento político e social do Brasil

O fotógrafo Orlando Brito morreu, aos 72 anos, na madrugada de sexta-feira, no Hospital Regional de Taguatinga (HRT). O profissional estava internado na UTI da unidade hospitalar há 34 dias. Após uma cirurgia no intestino, ele teve falência múltipla nos órgãos e morreu por volta das 3h30. O corpo será sepultado hoje, às 11h30, no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul, ala dos pioneiros. O velório será na capela 6, previsto para iniciar às 9h.

O fotojornalismo está de luto após a notícia da morte de Orlando Brito. Referência na cobertura da cena política de Brasília, o mineiro de Janaúba trabalhou na área desde os 16 anos, quando começou a servir cafezinho no jornal Última hora. Foi Rodolfo Stuckert quem levou Brito para o jornal de Samuel Wainer, uma história que começou na copa e acabou atrás das câmaras, como uma referência de jornalismo para várias gerações.

Ricardo Stuckert, fotógrafo que acompanhou o presidente Luís Inácio Lula da Silva durante todo o seu período na presidência, conheceu Brito ainda na infância. Filho de Rodolfo, outra referência do fotojornalismo brasileiro, ele encarava Brito como um mestre e inspiração. "Para mim, ele está entre os três melhores fotógrafos do mundo pela qualidade e inteligência que sempre teve. O Brito não era só fotógrafo, era completo, era jornalista que tinha faro, sempre em busca da melhor imagem", conta.

Stuckert trabalhou com Brito durante nove anos, sete deles na revista Caras, que, em Brasília, se dedicava à cobertura política, e dois na Veja. "Tive o prazer de encontrá-lo profissionalmente no começo da minha profissão. Ele foi muito importante na minha carreira pela linguagem na foto de política. Entendia o momento que o país estava vivendo e conseguia colocar isso numa imagem", diz.

O fotógrafo Beto Barata conhecia há um bom tempo o trabalho de Orlando Brito. Em 2016, recebeu o convite de  Brito para ser subeditor dele do Fato Online. "Brito é um dos grandes. Nosso fotojornalismo está de luto, principalmente em Brasília. Super gentil, acessível e trabalhador. Trabalhou até antes de ser internado, e não era só em gabinete, era na rua também", lembra Barata.

No período durante o qual atuou no Fato Online, Orlando deu livre acesso a Beto ao acervo da Obrito News, agência capitaneada pelo fotógrafo. "Foi muito enriquecedor, para mim, como profissional. Ele registrou toda a história política desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, cobrindo a política até os dias atuais", ressalta.

Beto guarda as lembranças do período que trabalharam juntos. "Ele tinha consciência do valor da fotografia. Naquele momento, a foto poderia parecer não ter muito valor, mas ele sabia que, futuramente, o registro adquiriria grande importância. 'Guarda que é ouro', dizia ele. Ele sabia muito da política e dos bastidores", rememora. "Foi por recomendação dele que acabei sendo incumbido de fotografar a Presidência da República, na época de Michel Temer. Então eu sou muito grato a ele e estou chateado com a sua partida."

Políticos

Por ter um trânsito de longa data pelos bastidores do poder, Orlando Brito era um velho conhecido de políticos importantes e de integrantes de governos das últimas décadas. Sua morte comoveu Brasília, sendo lembrado pelo olhar genial ao fazer fotografias que ajudam a contar a história recente da República.

Primeiro presidente após a redemocratização, José Sarney (MDB) definiu Orlando Brito como "o maior de todos os jornalistas fotográficos políticos do Brasil". "Ninguém o superava na documentação dos fatos. Ele documentou a história política e de costumes do nosso país durante as últimas décadas", diz. Sarney também destacou que o fotógrafo sempre ocupou "uma posição de liderança no respeito, na admiração e no bem-querer de todos nós". "Perdi um grande amigo e um profissional a quem admirava pelas virtudes éticas, morais e de inteligência. Um dos mais brilhantes jornalistas e fotógrafos do nosso tempo".

O ex-presidente Michel Temer (MDB) considera Brito "um dos grandes intérpretes do Brasil" e ressalta que ele emprestou aos fatos mais importantes dos últimos 50 anos sua sensibilidade e deu a eles tradução, referindo-se a Orlando como "o maior fotógrafo de toda a vida da capital brasileira". "Suas imagens mostraram a realidade com uma beleza estética e poética incomparável. O próprio Brito dizia que não sabia olhar para nada sem usar a percepção da fotografia. Com o coração pesaroso, posso dizer que a história do nosso país ficou mais pobre pois, do presente e do futuro, os registros não terão mais a mesma argúcia do experiente observador", lamenta o emedebista.

Temer, que diz que teve a honra de merecer a amizade do fotógrafo, declarou que comprou, em nome da Fundação Ulysses Guimarães, o acervo fotográfico de Orlando Brito, o que classificou como "intuição correta". "Sua dimensão humana e profissional só pode ser guardada na memória de cada coração que o conheceu. Sim, porque Orlando Brito, ele e seu legado, são a prova de que há unanimidade inteligente."

Em publicação no Twitter, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lembrou que Brito registrou "a história política do Brasil de nosso tempo". "Com talento e sensibilidade, transformou imagens em notícias. É uma grande perda para o jornalismo brasileiro", lamenta o ex-presidente.

O pré-candidato à Presidência da República, Ciro Gomes (PDT), prestou solidariedade à família e amigos do fotógrafo. "Suas lentes registraram, com arte e inspiração, grandes momentos da história da política brasileira", lembra o ex-ministro. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) também falou da morte de Orlando nas redes sociais. "O Brasil perde hoje um dos grandes artistas e lenda do jornalismo. Descanse em paz Orlando Brito", diz a publicação.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), disse que Brasília perdeu um filho que chegou à capital ainda no tempo dos pioneiros e cresceu junto com a cidade. "A facilidade de captar as nuances do poder com imagens fixas é arte que Orlando Brito desenvolveu como poucos", destacou o governador. Rocha também lembrou que o fotojornalista premiado conviveu intimamente com os poderosos sem perder o olhar crítico e atento.

Ibaneis usou o Twitter também para anunciar que determinou ao secretário de cultura e economia criativa, Bartolomeu Rodrigues, que alterasse o nome do Teatro Galpão, um dos espaços culturais mais tradicionais da capital. O local passará a se chamar Teatro Galpão Orlando Brito. O governador publicou um agradecimento ao empenho dos profissionais da saúde do DF que não pouparam esforços nos procedimentos aos quais Brito foi submetido. Emocionado, o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, enfatizou que "Brito deixou muitos irmãos. Sou um deles".

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

 

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