Luiza Gottschalk cresceu na floresta, em um cantinho no pico da Serra da Mantiqueira, no sul de Minas Gerais. Nascida em São Paulo, a artista foi levada para o local ao 1 ano de idade e passou a infância embrenhada na mata, cercada por uma paisagem fechada, com montanhas e pouco horizonte. Essa vivência é o principal tema das pinturas da artista na exposição Clareira, em cartaz no Museu Nacional da República.
Com curadoria de Denise Mattar, a mostra reúne telas de produção recente em ambiente pensado em conjunto com a artista para proporcionar ao público uma experiência sensorial. A abstração da pintura de Luiza predomina nas telas pintadas em acrílico e óleo de grande formato, que evocam a mata. Manchas coloridas, no entanto, dividem espaço com eventuais pequenas figurações. "Trabalho em grande escala, bem entre abstração e figuração, tem muitas manchas, a cor é muito presente e norteia os trabalhos e, vez em quando, aparecem umas figuras", avisa a artista. "Algumas são mais claras, como pássaros, crianças, seres da mata, sapos, insetos, mas as manchas também passam a parecer e desaparecer coisas. É uma pintura que tem muito movimento."
A cor e a matéria são elementos muito presentes nas obras, que ganharam uma ambientação em formato de clareira com folhas trazidas da Serra da Mantiqueira. "Onde cresci tinha muito poucas pessoas, não tinha crianças e eu brincava no meio da floresta. Essa vivência de paisagem, que é uma paisagem de mata fechada, é de 360 graus. É uma experiência de corpo e você fica atento com o corpo inteiro, porque tem bicho, onça, cobra. Toda minha memória afetiva dessa experiência é o que vai para as pinturas", avisa a artista, que decidiu levar as folhas para proporcionar ao espectador uma experiência corporal.
Ao criar a clareira no centro da exposição com os quadros em volta, Luiza quis trazer para a galeria a sensação de estar em uma floresta. "A gente ativa o corpo do espectador de forma mais ativa que contemplativa. É uma imersão, quase uma instalação de pintura", explica.
A curadora Denise Mattar conta que conhece o trabalho de Luiza há muito tempo, mas ficou impressionada, recentemente, com uma exposição realizada pela artista na própria casa. "Percebi que o trabalho dela, por ter toda essa vivência, é um trabalho sensorial, então é muito interessante essa conjunção de um trabalho sensorial que é basicamente de pintura também", explica Denise, ao citar o pintor russo Wasilly Kandinsky. "Ele diz que você não vê uma pintura só com os olhos, mas com os cinco sentidos", lembra Denise, que achou apropriada a ideia de imersão proporcionada pela clareira com folhas da floresta.