Ao se ver no palco no último domingo (27/03), Karoline Menezes não quis parecer surpresa ou em êxtase.
Era ela, na cerimônia do Oscar, tocando viola para os melhores atores e atrizes do cinema. Finneas e Billie Eilish eram as estrelas no palco, assim como Beyoncé fora mais cedo, numa apresentação em que Karoline também marcou presença.
De olho na viola e lembrando da sequência da música No Time to Die, vencedora na categoria Canção Original, ela viu Nicole Kidman e Will Smith à frente. Não que isso simbolize chegar ao topo, porque para músicos a vida sempre é incerta e a correria é diária, algo que Karoline pede que seja ressaltado, mas mostra uma boa progressão em sua carreira.
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Afinal, esta não foi a primeira vez que esteve na cerimônia do Oscar. Foi a quarta. O ciclo se iniciou com The Weeknd, em 2016, e ganhou sequência com Eminem (2020), Celeste (2021) e agora com Beyoncé e Billie Eilish. A vida, claro, não é cheia de glamour como parece.
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Karoline, de 33 anos, se mudou para os Estados Unidos em 2009 e hoje vive em Los Angeles. Saiu do Nordeste, como faz questão de mencionar, de João Pessoa, na Paraíba, filha de pais que saíram do sertão para tentar uma vida melhor.
"Tudo isso é inacreditável e inimaginável. Eu sempre quis tocar com a Beyoncé, por exemplo. É uma das maiores artistas da atualidade e muito respeitada aqui nos Estados Unidos, tanto que a chamam de "Queen B". Foi algo muito épico, porque ela criou algo único, como sempre faz, e pude estar presente. Gravamos em estúdio e fizemos a performance ali, na quadra em que as Williams aprenderam. É preciso ter muita visão para fazer algo assim. Beyoncé é um símbolo. Com a Billie Eilish, eu fiquei nervosa porque era ao vivo, sem partitura, com frio na barriga. É um clima muito surreal", conta ela, por chamada de vídeo, à BBC Brasil.
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Sentir-se feliz com essas experiências também é um contraponto da saudade que sente da família, que está em João Pessoa. A cultura do Nordeste está enraizada em Karoline apesar da distância, muito pelo exemplo de seus pais — Maria das Dores de Souza e Valdemir Menezes Tavares. Ela viajará ao Brasil em breve e tem apresentações marcadas, mas antes pretende passar um tempo com a família.
"Meus pais saíram do sertão da Paraíba para dar melhores condições aos filhos. Ser Nordestina simboliza mais do que ser brasileira, porque isso está muito forte em mim. Nós temos que lutar muito, sempre, para conquistar coisas boas. É esse o espírito que trazemos, que minha família traz, que eu trago. Eu sempre sonhei em assistir aos festivais e, depois, em tocar neles, mas sempre havia uma distância muito grande para percorrer. Estou aqui pela luta dos meus pais que, graças a Deus, permitiu que muita coisa boa chegasse para nossa família", lembrou ela.
Karoline se mudou para os Estados Unidos ao ganhar uma bolsa de estudos para bacharelado em música, em 2009, na Azusa Pacific University, da Califórnia, por conta do violino. Ela se formou, mudou de instrumento principal (agora é a viola) e começou a trilhar a sua carreira internacional. Na Paraíba, ela já havia traçado apresentações na Escola Estadual de Música Anthenor Navarro, na Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba, na Camerata Parahyba e na Camerata Brasílica.
'Deixei o inglês por falta de condições, mas aprendi com a música'
Desde nova, por influência de seu pai, Karoline ouviu bastante The Eagles. Hotel California era música obrigatória dentro de casa de tal maneira que ela, que diz 'tocar só um pouco de violão', fez questão de aprendê-la para abençoar os ouvidos do próprio pai, que sempre lhe pedia.
"A música, na verdade, sempre foi essencial na minha vida. Eu fiz um tempo de inglês quando era mais nova, só que tive de parar pela falta de recurso. Daí, resolvi imprimir todas aquelas músicas internacionais que gostava e passei a traduzir palavra por palavra, até que as coisas fizessem sentido. Ganhei muito vocabulário desse jeito. The Eagles, Scorpions… Já me ajudaram bastante."
A língua, entretanto, já lhe fez cometer um engano, justamente antes de começar a ensaiar para sua primeira apresentação no Oscar, em 2016. Acompanhada de outros artistas, ela ainda não sabia quem seria o responsável por aquela apresentação, até conversar com os colegas.
"Eles me disseram que iríamos tocar para o The Weeknd. Só que eu não entendi, porque não conhecia muito do trabalho dele ainda. E aí eu respondi, na hora: "Eu sei que vamos tocar no fim de semana (em inglês, 'the weekend' significa 'fim de semana'), porque o Oscar é no domingo". E aí eles meio que olharam assim e disseram: "Não, nós vamos tocar para o The Weeknd", e aí eu entendi que estavam falando do cantor. Essas coisas acontecem", disse.
A performance com The Weeknd, lembra ela, foi a que mais abriu os caminhos e mudou a sua própria mentalidade dentro daquele mundo do entretenimento.
O nível de exigência e as necessidades seriam ainda maiores, com desafios dentro da própria apresentação, já que a coreografia também envolvia os músicos, que teriam de se mexer sem parar de tocar.
"Foi a apresentação que mais demandou de mim, para falar a verdade. No final da apresentação, eu estava na mesma reta que ele, e tínhamos que nos levantar, andar de salto alto e continuar tocando. Foi bem difícil, mas abriu esse caminho. Já são algumas apresentações no Oscar e a gente nunca sabe quando vai ser ou se haverá uma próxima, por isso sou grata a cada um desses momentos."
Karoline também atua em séries e filmes, ajudando a produzir trilhas sonoras, um trabalho que pode falar menos, por conta dos contratos de sigilo.
'Nem tudo é glamour'
Pegar o currículo de Karoline e enumerar os artistas com quem já se apresentou é um desafio grande, porque um deles pode ser esquecido.
Em resumo, para além dos citados no Oscar, podemos adicionar The Eagles, Adele, Elton John, Snopp Dogg, Queen Latifah, Mary J. Blige, Andrea Bocelli…
Mas nem tudo é glamour. Karoline frisa isso mais uma vez.
"É preciso lembrar que o Oscar só acontece uma vez no ano", salienta.
Em uma entrevista para o podcast 'A Song Called Life', ela contou que a ansiedade e a correria da vida na música eram grandes, a ponto de chegar perto de ter burnouts.
"É complicado porque sempre pensam que conquistas como essas são o topo do mundo, o ápice, que agora estamos ricos. É tudo regulamentado, valor padrão. A realidade é muito diferente da percepção de 'zerar a vida', já que essa vida de músico ou no entretenimento nunca é estável. Somente 1% alcança o topo e esse ainda é um número generoso. Aqui, tenho que correr atrás de oportunidades, com muito trabalho, já que a cultura dos EUA é meio workaholic."
A vida de imigrante, embora já esteja há muito tempo no país, continua sendo um grande desafio. Além de viagens longas para ganhar valores que ajudam a fechar as contas, existe a rotina de apresentações, os treinos, a correria. Os desafios a correlacionam ainda mais com a cultura nordestina.
"Ainda hoje é difícil. É muito diferente de ser um artista de palco. Existe toda uma estrutura no background daquela apresentação, que é onde estamos. Infelizmente, a música ou o entretenimento não é visto como necessário ou essencial, quando nós sabemos que é. Então, continuamos seguindo em frente, com muita vontade de vencer e agradecendo pelas oportunidades que estou tendo."
A vida não permitiu a Karoline que conseguisse tocar com a maioria dos artistas que sonhava quando era nova. Muitos deles já faleceram e alguns pouco tempo antes que a brasileira fosse alçada ao nível de hoje, em que poderia se apresentar com eles. Esse é o caso de Whitney Houston, um lamento que Karoline carrega consigo. Hoje, o objetivo é tocar com Lauryn Hill.
"Acho que ela é a pessoa que eu gostaria de tocar hoje. Já consegui me apresentar com alguns dos que sonhava quando mais nova, então acabo lembrando desses que faleceram antes que eu tivesse a oportunidade. A Lauryn Hill é um nome que me empolga hoje em dia e espero conseguir."
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