Cinema

Brasiliense José Eduardo Belmonte comanda Alemão 2, em cartaz no cinema

Confira a entrevista do cineasta José Eduardo Belmonte para o Correio

Ricardo Daehn
postado em 31/03/2022 11:11
 (crédito:   Vitrine Filmes/Divulgacao)
(crédito: Vitrine Filmes/Divulgacao)

Quase duas décadas depois de impressionar com longas-metragens absolutamente brasilienses, a exemplo de Subterrâneos e A concepção, o diretor José Eduardo Belmonte, que já respondeu por filmes diversos como Entre idas e vindas (2016) e Carcereiros: o filme (2019), traz para a telona Alemão 2, a continuação do estrondoso sucesso de Alemão, em 2014, conferido por mais de um milhão de espectadores. Na nova ação, marcada por uma disputa interna da periferia, atores como Vladimir Brichta, Mariana Nunes, Leandra Leal e Gabriel Leone dividem a tela com tiroteios e estratégias de alta precisão.


Entrevista //

José Eduardo Belmonte

Como foi coordenar cenas de tiros, na perspectiva do acidente ocorrido no filme de Alec Baldwin?

Talvez a experiência da série Carcereiros tenha sido ótima. Nela, a gente tinha que fazer cenas complexas, dessas de ação, de luta, uma por semana e com muita gente. Cenas complexas, de luta. No filme, usamos todo artefato de vapor; nada tinha festim. Existem excelentes técnicos no Brasil, mas a gente faz poucos filmes desses (de ação) no Brasil. A gente teve o Sérgio Farjalla, um dos ótimos técnicos no Brasil. Ele é super cuidadoso. Existe muitos processos no cinema. Muito é ilusão e trabalhado na pós-produção. A gente não precisa do processo violento. Aposto no que seja lúdico.

Como percebe Alemão, frente a Tropa de elite e Cidade de Deus?

Tanto Cidade quanto Tropa apontaram uma ideia de cinema com realismo social e de cinema de gênero. Antes, teve o Roberto Farias (de Assalto ao trem pagador, em 1962), o Roberto Pires fazia também coisas nessa linha. Na verdade, com Alemão, pensei no que não queria ter (de herança). Há uma história do Jackie Chan que é maravilhosa: quando ele começou a trabalhar, todo mundo comparava ele com o Bruce Lee. E ele foi lá (nos filmes de Lee) ver o que ele não fazia: ele não fazia comédia, ele disse: "vou começar a bater, e vou sentir a dor", na base da comédia. Eu pensei em fazer diferente também. O gênero vai ser universal, mas a gente teve que procurar outro tipo de ação, que não fosse a americana. Enxertamos questões dramáticas, vidas interiores dos personagens e muitas questões humanas. O caminho da violência está lá, no mesmo, mas o universo é outro.

Cinema projeta jogos de controle e fatores políticos?

Hoje a sociedade brasileira é um grande campo de batalha. Sempre foi, mas hoje isto está muito evidente. Há sempre busca por poder. Poder passa por controle. Toda a relação é uma relação de poder, numa paráfrase. Tudo sempre foi político. A arte, a exemplo de tudo na vida, é política. No caso, a gente fala sobre políticas de segurança pública. Pensamos num filme popular, sobre segurança pública. O que me levou a atender ao chamado do produtor Rodrigo Teixeira era uma oportunidade de, dentro de um filme de gênero, que chama muito a atenção, também pensar sobre segurança pública. É político, mas também é existencial. Ele fala das questões das pessoas que vivem estes conflitos.

Por que optaram por colocar tarjas nos políticos condenados: eles são menores... ou são maioria? Devem ser preservados?

Não. Na verdade (risos), a produtora definiu que nenhum rosto poderia ser mostrado nas imagens documentais. Mas eu queria diferenciar os políticos dos outros: eles são borrados (aparecem assim), mas eles estão marcados. A interpretação disso vou deixar para os espectadores porque acho que minha função não é a de ser exegeta da minha própria obra.

A pandemia afetou o lançamento? Você sofreu na pele alguma violência na vida?

A pandemia não afetou as filmagens que ocorreram em abril de 2019. Não fui imediatamente para a montagem, por ter emendado a realização de outros dois filmes: A verdade e o filme que voltei para Brasília para filmar e que se chama O pastor e o guerrilheiro. Quando começou a pandemia, eu estava montando o filme Alemão 2 em casa com o Lucas Gonzaga e obviamente tudo ralentou e a gente não sabia quando ia lançar, e aí veio a oportunidade, a gente correu e disse: "é agora! Agora!". Abriu tudo: vamos lançar o filme. O filme estava pronto desde o ano passado. Sobre a violência, acho que apenas os muito privilegiados estão protegidos nos seus condomínios, cercado nos carros blindados e que não vivenciam a violência de alguma forma no Brasil.

Como nota a questão de quem condena a ação dos direitos humanos em algumas circunstâncias? E como foi migrar do streaming novamente para o cinema?

Há a ingenuidade da falta de escuta (na condenação dos direitos humanos). A questão é que eles são importantes, e mais, são fundamentais. A a gente deveria era respeitar mais, e pensar mais sobre isso. Quanto aos aspectos técnicos, estou na levada do cinema e do streaming há um bom tempo. Estou velho (risos), comecei em 1989. Vi o fim da película, o surgimento do digital, a mudança do formato do digital, os processos estão numa velocidade tão grande que não sei nem responder sobre isso (risos). Com a pandemia, a gente tem entendido novos paradigmas. Eu ainda gosto muito da experiência coletiva e esse tipo de cinema proporciona um pouco disso uma experiência do espírito de troca, e que é sensorial. Temas que abordam a segurança pública, junto com o tema da espiritualidade, trazem uma realidade que a arte brasileira ainda fala muito pouco. Achei interessante que, dentro de um cinema popular, falamos com um público muito diversificado. O cinema popular, como a sociedade, tem suas contradições e disputas. Aprendi que esse tema é muito mais complexo, precisa ser ouvido muito mais, há gente na sociedade que traga questões muito mais profundas, que obviamente um filme não dará conta. A gente está, no filme, para preparar o espírito e abrir o debate para que venham pessoas com mais densidade e com mais estudo que detalhem e tragam novas situações. Por exemplo: o esquema militarizado de segurança pública funciona? Parece que não, porque só aumenta e a situação (da violência). Nada se resolve.

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